BREAKFAST AT TIFFANY'S (1961)
No livro de Paco Underhill (Call of the mall), que salientei há dias, o autor faz uma análise das lojas de jóias, de que destaca as de Cartier e Tiffany. Escreve Underhill (2004: 119): "Audrey Hepburn e Tiffany tornaram-se sinónimos. Ela é, apesar de falecida, uma célebre porta-voz".
Trata-se, obviamente, de uma referência ao filme de Blake Edwards, com Audrey Hepburn (no papel de Holly Golighty) e George Pappard (representando Paul Varjak). Como que ligando duas pontas sem relação inicial nenhuma, o curioso é que vi Breakfast at Tiffany's (1961) no passado dia 6, filme integrado no ciclo Uma viagem a Nova Iorque, que decorre na Cinemateca Portuguesa [a cópia exibida era legendada em castelhano e levava o título Desayuno con diamantes. O título português é Boneca de luxo, devido a que o romance de Truman Capote, que inspirou o filme, tem esse título no nosso país].
Fixemo-nos em Audrey Hepburn (1929-1993). Em 1954, ela representaria Sabrina, ao lado de Humphrey Bogart e William Holden, num filme dirigido por Billy Wilder. Dois anos depois, desempenhava o papel de Natasha Rostov, em Guerra e paz, realizado por King Vidor e ao lado de Henry Fonda e Mel Ferrer. Já em 1964, dava-se a grande consagração no papel de Eliza Doolittle, em My Fair Lady, de George Cukor e com Rex Harrison e Stanley Holloway nos outros papéis principais. Para além de actriz, ela foi embaixadora da UNICEF. No ano a seguir à sua morte, foi criada em Nova Iorque a ONG Audrey Hepburn Children's Fund, continuando o seu trabalho em prol das crianças doentes em todo o mundo. Em 1998, o Fundo passou para Los Angeles, onde ainda se mantém [informação e imagem da actriz retiradas do sítio Audrey Hepburn].
Como interpretar um texto
Consideremos um filme como um texto (de igual modo à notícia de jornal ou ao anúncio num outdoor). O texto fílmico é composto por convenções estéticas; nós conseguimos perceber uma elipse, um raccord, a posição de campo e contracampo, como resultado de uma longa aprendizagem a ver cinema. Ora, as codificações estéticas são acompanhadas por outros tipos de codificações - como aliás explica a semiótica. As questões sociais, políticas, religiosas ou de outro tipo podem adquirir significado para além do exposto em cru. Nós lemos um texto dentro, e para além, dos seus valores e símbolos. Se as convenções de uma época (sociais, morais, estéticas) impedem a representação "real" de um problema, há sempre a possibilidade de fazer referência ao problema não de modo explícito mas jogando com palavras ou gestos, que o leitor habituado a textos consegue interpretar.
Nesse sentido, o filme Breakfast at Tiffany's é paradigmático em dois aspectos. O primeiro é que aborda uma temática até então não permitida na cinematografia americana, a da representação da prostituição (tanto feminina quanto masculina). As duas personagens centrais do filme (Holly e Paul) assumem, ainda que de forma velada - quase estética -, a considerada profissão mais antiga do mundo. Segundo, a actriz inicialmente pensada para o papel de Holly era Marilyn Monroe, actriz bem mais sensual. Sucede que, devido à instabilidade psicológica de Marilyn (suicidar-se-ia no ano seguinte) e à mudança de realizador, a Paramount escolheria Audrey Hepburn, tendo que se adaptar toda a personagem feminina ao perfil da actriz. Audrey Hepburn era uma princesa, no modo como desempenhou (ou desempenharia) os seus papéis em Sabrina, Guerra e paz e My fair lady.
Como recorda Manuel Cintra Ferreira, no texto que acompanhou a projecção de Breakfast at Tiffany's, há momentos de ritmo intenso, como sucede na festa - com personagens insólitas e cenas de uma grande inventividade. E a música, Moon River, de Henry Mancini (que lhe deu um óscar), é uma daquelas melodias que nunca esquecemos.
Relembro apenas o(s) primeiro(s) plano(s): vê-se Holly Golighty a caminhar na 5ª Avenida, em direcção à joalharia Tiffany. Enquanto come um pequeno-almoço volante, ela mira as montras e as jóias ali expostas. A câmara foca-a em plano americano e depois em plano geral, quando se afasta e deita a embalagem da bebida e o guardanapo de papel fora, numa papeleira. O grande sonho dela era comprar diamantes na loja (daí o título castelhano). Muito mais tarde, já o filme vai a meio, ela entra na Tiffany, na companhia do amigo Paul Varjak. Os dois pretendem comprar uma jóia, por apenas dez dólares. Motivo: uma relação mais íntima que parecia instalar-se entre os dois. Claro que não conseguem comprar a jóia mas tão simplesmente gravar um anel saído num pacote de bolos. E a relação entre os dois só se concretiza no fim feliz da fita.
Tudo isto se passava em Nova Iorque, assunto do ciclo da Cinemateca. Prometo voltar amanhã a Nova Iorque.
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