Eu escrevi um texto sobre a SIC, na altura dos seus dez anos de existência ["Dez anos da história da SIC (1992-2002)". Observatório, 6: 93-105]. Agora, sirvo-me de texto de um aluno de mestrado de Ciências da Comunicação da Universidade Católica para o recente módulo de "Media, Públicos e Audiências" [irei editar mais sínteses de outros trabalhos]. Trata-se do texto de Luís Manuel Lourenço, intitulado SIC - como se constrói um líder.
Jornalista, Luís Lourenço integrou a SIC no seu primeiro ano e meio de existência (foi também um dos fundadores da TSF); por isso, tem uma memória directa [curiosamente, ele desenvolveu o tema a partir de um desafio meu, com ele a não concordar com a perspectiva que apresentei em aula sobre a evolução da televisão no nosso país. O autor do trabalho, eu e, agora, os leitores do blogue ficamos mais ricos com a sua pesquisa].
Desde o começo das emissões da SIC que se acreditava em que o canal seria o mais visto pelos portugueses "se o formato da nova televisão fosse generalista mas com uma aposta forte na «informação» que deveria ser [...] ao estilo da TSF. Nas diversas reuniões preparatórias, das quais participámos, foi defendido por Emídio Rangel que assim deveria ser com o argumento de que «o modelo informativo que serviu para a TSF poderia, se devidamente ajustado, servir para a SIC»" [imagem retirada a 22 de Março de 2005 do sítio da SIC, publicitando o noticiário das 13:00 apresentado por Bento Rodrigues].Como a SIC progrediu nas audiências: informação, telenovelas brasileiras e primeira geração de telelixo
Não existem registos de audiometria nos primeiros três meses de vida da estação de Pinto Balsemão: os valores das audiências deveriam ser ridículos. Dos constrangimentos da época de arranque, Luís Lourenço referencia: 1) negado acesso a programas de grande audiência, como a fórmula 1 e o futebol , 2) recessão económica em 1992, 3) impossibilidade de emitir 24 horas diárias (começava a emissão às 17:00), 4) apenas 50% da população nacional acedeu teoricamente ao sinal do canal no arranque deste; três meses depois, o número já subia para 70%.

No início de 1993, o share da SIC era apenas 10%, fatia magríssima quando comparada com a da RTP2 (20%) e a RTP1 (uns esmagadores 70%). A televisão pública, prevendo a chegada da concorrência, preparara-se bem, "nomeadamente no mercado dos conteúdos onde escolheu o que muito bem quis, deixando as sobras para os outros. Por outro lado, a capacidade financeira da SIC era demasiado reduzida para poder investir na produção própria e restava-lhe, desta forma, apostar na informação" (depoimento registado por Luís Lourenço e identificado no seu trabalho). A informação era primeira marca da SIC, possibilitando "abrir «especiais» a qualquer hora e levá-los por diante durante uma noite inteira se tal se justificasse e anulando, assim, toda a programação agendada". A par disto, a estação tinha diversos programas de entrevista e grande reportagem.
No horário pós 21:30 o domínio da RTP não era tão vincado, conforme se escreve no texto que venho a citar: "depois da análise das audiometrias chegou-se à conclusão que havia uma apetência, por parte do público, à programação falada na nossa língua. Introduzimos, assim, programas como Minas e armadilhas e Labirinto e também alguns concursos e talk shows, todos ligados por essa linha orientadora que era a produção nacional" (depoimento registado por Luís Lourenço e identificado no seu trabalho).
Já no segundo semestre de 1993, a SIC lançaria dois programas de forte impacto - Chuva de estrelas, apresentado por Catarina Furtado, e Ora bolas Marina, com a actriz Marina Mota. O ano acabaria com um share de 23%, quando em Abril estava nos 10%. Contudo, a SIC estava longe de pôr em causa a primazia da RTP, pois, dos vinte principais programas emitidos em 1993, todos pertenciam ao canal público, como se pode vislumbrar no quadro ao lado.A segunda linha de ataque da SIC seria a das telenovelas brasileiras. A Globo, a maior produtora de novelas do mundo, era accionista da SIC. Em meses, desfez o contrato com a RTP (Agosto de 1994) e fez um outro com a SIC. A audiência fiel a este género acompanharia a transferência para o novo canal. A estação privada fizera um estudo de mercado e descobrira as fragilidades da concorrência: "o binómio noticiário e novela Globo (produtos preferidos pelo auditório português) era de tal forma forte que dissuadia qualquer investimento especial nesse período" (depoimento registado por Luís Lourenço e identificado no seu trabalho).
A terceira componente da ascensão da SIC foi a primeira geração de telelixo. A seguir à novela da Globo vinham programas como Perdoa-me, All you need is love e Cenas de um casamento, alargando-se o período nobre das 20:00 até à meia-noite. Aqui telelixo entende-se como constituído por "programas de fraca qualidade intelectual, que explora a debilidade ou fragilidade humana mas que levam a enormes audiências" (depoimento registado por Luís Lourenço e identificado no seu trabalho). Mas também eram lançados programas polémicos como os Donos da bola, inicialmente com Nuno Santos e depois com David Borges, os juvenis Buéréré e Muita Lôco e produção própria como Malucos do riso, Noite da má língua ou Máquina da verdade [a segunda geração de telelixo seria marcada com Acorrentados ou Big Brother e Quinta das celebridades, estes dois últimos na TVI].
Em Maio de 1995, a SIC alcançava 40,3% de share contra 39,1% da RTP. Nascia a nova estrela da televisão portuguesa.
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