Claro, a história é muito mais complexa do que isto, mas o importante é fixarmo-nos nalguns pormenores. Por um lado, a reflexão sobre o desenvolvimento das sociedades. Em Marrocos, vive-se ainda pela sobrevivência. Adolescentes guardadores de cabras experimentam os ritos de passagem: a puberdade e a manifestação das pulsões sexuais aliam-se à procura de afirmação e reconhecimento de força física inerente aos adultos que o uso correcto da espingarda poderá proporcional. E, ao mesmo tempo, o modo honrado como o guia recolheu a mulher americana ferida e o marido e recusou uma recompensa monetária traz-nos a um universo são em que os valores morais e espirituais ainda prevalecem.O mesmo americano mostra a sua violência em país estrangeiro, pela demora em ver a sua mulher ser socorrida. Quase ao mesmo tempo, os seus pequenos filhos estão presentes em cenas de violência perpetradas por concidadãos seus a mexicanos que entram na fronteira. O imperialismo americano está presente neste contraste. Uma outra imagem de comparação que me ficou (dentro da ideia de imperialismo) é o uso da força e da violência da polícia. Um país menos desenvolvido (Marrocos) e um país desenvolvido (Estados Unidos) têm a mesma estrutura mental de polícia: perseguir, violentar, resolver rapidamente mesmo que independentemente dos danos colaterais. Mas as vítimas são os cidadãos dos países menos desenvolvidos: em casa ou na fronteira do seu país.
As histórias sobre o Japão mostram outra violência, a das palavras, das imagens e do silêncio. Talvez sejam as mais perturbadoras e, em simultâneo, as mais ternas. A sexualidade está patente de uma forma mais cruel que nas cenas entre marroquinos e entre mexicanos (nível mais perto da normalidade, se assim se pode chamar). No retrato que Alejandro González faz do Japão, nota-se uma grande decadência de costumes, em que a uma sociedade de abundância corresponde uma grande falta de afectos. A principal história no Japão também anda em torno da puberdade e do relacionamento com o Outro (sexual), com a procura de aceitação da diferença (reconhecimento, entre os rapazes, da condição de surda-muda da rapariga).
Apesar da desigualdade no olhar os vários países desta Babel - não em edifício onde os homens falam as línguas mais estranhas mas a nível planetário -, há um olhar moderno: as televisões, os helicópteros e, em especial, o belíssimo travelling do plano final, lembrando as elegantes naves do filme Guerra das Estrelas ou os filmes de Wim Wenders. E o corte som-silêncio quando a rapariga surda-muda entra numa discoteca. O silêncio num momento de grande ruído mostra o quanto diferente é o mundo interior e o mundo exterior, em que a pele do indivíduo guarda uma fronteira quase tão igual à fronteira física entre países.
A Babel é, pois, um filme sobre as diferenças e as fronteiras que se estabelecem entre os homens e dentro do indivíduo, quando o corpo humano começa a crescer dentro de si - a passagem do estado de criança para o de adulto.
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