Existe em Coco Chanel um grande simbolismo. Por um lado, na criadora inconfundível da moda do século XX a sua vida pessoal parece sobrepor-se à obra. Ou misturar-se uma com a outra, como a frente e o avesso de um tecido. Por outro lado, a sua arte - a moda é uma arte ou, se entendermos assim, uma indústria cultural - associou-se a outras artes, como o teatro, o bailado e a música, ela que fez figurinos e guarda-roupa para Diaghilev, Marlene Dietrich e outros artistas consagrados na sua época.
Daí que surjam biografias e representações teatrais com essa mulher fascinante como centro, caso da agora presente peça com Marília Pêra como actriz intérprete [imagens: capa do catálogo acompanhando a peça e cartaz da mesma].
Na verdade, Marília Pêra, num belo espectáculo, dá-nos conta do trajecto de Chanel. É um quase monólogo, pois a presença de duas modelos é marginal em termos de texto, que dura bem acima de uma hora, com todas as qualidades da actriz bem presentes. Não é uma história diacrónica, mas entremeada por recuos no tempo, num momento de velhice de Coco Chanel, em que esta recorda todas as figuras em vários domínios - bailado, pintura, política, moda - das décadas de 1930 até 1960.
Observação 1: Marília Pêra, numa recente entrevista que deu à Antena 2, descreveu o seu grande momento como profissional, o que se percebe no catálogo que acompanha a peça. Ela tem feito papéis de mulheres extraordinárias do século XX, pela singularidade delas mesmo, casos de Carmem Miranda e Maria Callas. Aliás, no catálogo, Marília Pêra escreve: "Depois da responsabilidade de encarnar Carmem Miranda, Dalva de Oliveira e Maria Callas, enfrento e recebo Gabrielle Chanel, tão genial quanto as outras três, porém mais forte, mais resistente, mais preserverante. Carmem, Dalva e Maria se deixaram morrer muito cedo; Gabrielle guerreou mais, lutou, esbravejou, criou e incomodou até o fim".
Observação 2: estabeleci, de imediato, a comparação desta peça com a de Simone de Oliveira sobre Marlene Dietrich. Deixo apenas um comentário de um leitor deste blogue ao meu texto de 15 de Maio último, o de Hugo Arnauth, que escreveu: "Fui hoje ver. Vi e Adorei. A diva pela diva...". E comparei - com alguma tristeza - os palcos (e as audiências) em que as actrizes interpretaram os seus papéis: Marília Pêra num Tivoli cheio, Simone de Oliveira num Mundial com clareiras na plateia. Uma e outra são belíssimas actrizes (e Simone tem um outro predicado: sabe cantar).
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