domingo, 3 de outubro de 2004

CENTRAL DE COMUNICAÇÃO DO GOVERNO - II

[continuação da mensagem de 2 de Outubro]

Em termos de estratégias existentes na relação entre jornalistas e fontes políticas, saliento a centralização da comunicação política (John Anthony Maltese, Spin control, 1994, pp. 215-221) ou das relações públicas políticas (Paul Manning, News and news sources – a critical introduction, 2001, pp. 108-111). Para Maltese, apesar de não haver qualquer sistema que elimine fugas ou expressões públicas de dissensão interna, a comunicação centralizada minimiza-as.

spin.JPGAssim é também a capacidade de tecer uma história – manipular não apenas o que os funcionários superiores dizem mas o que os media noticiosos dizem sobre eles. Tecer uma história envolve dar prioridade a um jornalista, fazer comunicados e encontrar outras fontes que libertem uma informação de ângulo diferente e que dêem à história o melhor brilho possível. O tecer com êxito envolve também convencer os media noticiosos, através de encontros e outros métodos de persuasão. Ao seleccionar símbolos, construir significados, oferecendo uma variedade indo das ameaças à confiança, um funcionário ajuda a fornecer uma dada perspectiva de paisagem política para consumo público. Todo o livro de Maltese é uma análise exaustiva dos organigramas estruturais dos gabinetes de imprensa dos presidentes americanos, de Nixon a Clinton, e o modo como essas “pequenas” máquinas produzem acontecimentos públicos e políticos.

Por seu lado, e segundo Manning, a gestão da informação tem sido uma contínua preocupação governamental. A distinção entre informação pública e propaganda partidária (ou governamental) é difícil de sustentar. O investimento publicitário governamental de Margareth Thatcher em relações públicas e trabalho mediático de todo o tipo cresceu dez vezes numa década, de modo que, em 1988, apenas a Unilever e a Procter & Gamble gastaram mais em publicidade que o governo. Thatcher teve, ao seu serviço, as mais importantes técnicas de marketing político usadas nos Estados Unidos. Certo que, nesse período, muitos dos anúncios foram sobre empresas públicas a privatizar.

manning.JPGA chegada de Blair e do Novo Trabalhismo deu um novo realce ao controlo da informação, à gestão das notícias e à sua centralização. Em 1997, saíu um relatório (Mountfield) preconizando a modernização do serviço de informações governamentais. Aí se apontou a criação de uma unidade estratégica de comunicação, para trabalhar directamente com Alistair Campbell, o secretário de imprensa de Blair [chegando a ser considerado o nº 2 do Governo, a seguir ao próprio Blair, Campbell caiu em desgraça devido ao caso do cientista especialista em assuntos nucleares que se suicidou por denunciar a inexistência de armas de destruição maciça, pretexto para a invasão do Iraque e posterior guerra]. Objectivos: o governo nunca apoia informação “neutra” (é sempre político o tipo de informação, o seu âmbito, formato e organização); a politização da informação faz alterar, por exemplo, o cálculo dos níveis de desemprego e desaparecer as medidas de pobreza, processo iniciado por Thatcher. Isto é, as informações prestadas são sobre assuntos agradáveis (investimentos, projectos a médio prazo, níveis de conforto). À oposição compete pintar o quadro de negro.

Aqui, entra o termo spin doctor (à falta de melhor, adapto-o como tecedor de factos), ao dar maior realce à apresentação e comunicação, a ponto das relações públicas políticas se tornarem uma autêntica indústria do simbólico (com as suas profissões do simbólico). Os tecedores de factos são funcionários públicos ou membros do partido do poder ou tiveram uma prévia responsabilidade política.

A centralização dos serviços de informações governamentais funciona em dois sentidos. No das fontes de informação, que analisam a prestação jornalística dos profissionais acreditados num lugar de permanência (newsbeat), criando círculos íntimos ou afastados (Stephen Hess, The government/press connection – press officers and their offices, 1984), conforme essa prestação e o meio noticioso a que pertence. O off-the-record, o deep background ou o exclusivo funcionam no círculo mais próximo. A fonte tecedora de factos, com apetite para ler/ver os media noticiosos, reage devido à autoridade e proximidade do chefe político e prepara histórias de dispersão, controlando os danos das histórias que não interessam ao governo. Isto é, convém esquecer o problema e inventar outro tema (por exemplo, antecipando um projecto, com grande impacto social).

Conclusão 1: o surgimento da central de comunicação é uma prova clara da necessidade do Governo - de um qualquer Governo - produzir informação pública. Hoje, crescentemente, a governação opera tendo em conta a mediatização dos actos dos governantes. A centralização da informação pública é uma vantagem notória para quem exerce o governo. E, para os analistas destes casos, torna-se mais simples entender as fugas de informação e os balões de ensaio [notícias destinadas a "ver" reacções a possíveis alterações], assim como medir as várias intenções (reformas, obras, medidas) regularmente apresentadas como fazendo parte dos objectivos governamentais.

Conclusão 2: é importante que sociólogos e cientistas políticos estudem este tipo de estruturas governamentais, assim como as empresariais e de outras organizações, tema que ocupou parcela significativa da minha tese de mestrado, alguns anos atrás. A comunicação nas/das organizações é um tema fascinante e importante para a compreensão dos fenómenos mediáticos dos nossos dias.

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