domingo, 21 de novembro de 2004

AS MINHAS LEITURAS DE HOJE

1) O El Pais dedica quatro páginas de cultura ao 3º congresso internacional de língua espanhola.

elpais10.JPGCuriosamente, é José Saramago que desempenha um dos papéis principais, ao lado do homenageado Ernesto Sábato (1911). O jornal cita o português: "iniciou-se no universo narrativo do escritor argentino no final dos «remotos anos cinquenta»". E o jornal dá ainda um destaque (uma caixa) a Saramago, considerando que ele "provoca paixões por onde passa". Amado/mal querido em Portugal, José Saramago é presença assídua nos media de língua castelhana.

A propósito de língua castelhana, convém perceber a expansão prevista pelo Instituto Cervantes. No próximo mês, inaugura um centro da língua em Belgrado, em Fevereiro/Março de 2005 outro em Estocolmo, em Março/Abril em Praga, no Outono em Sofia, em 2006 alargará a sua influência para a Ásia e, depois, provavelmente, para Sidney.

E o nosso Instituto Camões? Está a abrir delegações ou a fechar?

2) O Sunday Times dá um pequeno destaque ao filme que irá ser realizado por Sofia Coppola sobre a vida da rainha Marie Antoniette, mulher do rei Luís XVI, desaparecidos na revolução francesa de 1789 (decapitados em 1793).

O filme faz parte da iniciativa da França de atrair Hollywwod a fazer filmes naquele país, através da nova ofensiva da Comissão de Filmes de Paris. Para isso, facilita o acesso a locais históricos e promove a utilização de franceses quer à frente quer atrás das câmaras de filmar. E pode subsidiar os custos de produção. O objectivo do comissário francês é que Paris tenha tão boas relações com Hollywood como as existentes entre a meca do cinema e Londres.

Kirstendunst.jpgO filme, que terá Kirsten Dunst (na imagem) como Marie Antoniette, será rodado no Palácio de Versailles, que atrai 10 milhões de visitantes anuais. E algumas das cenas decorrerão nos locais que Marie Antoniette mais gostava dentro do perímetro do palácio, como as salas que ela ocupava.

Sofia Copppola, que ganhou em Fevereiro o óscar para o melhor argumento (Lost in translation), ainda não concluiu o argumento, retirado de um livro de Antonia Fraser, o qual terminará até Fevereiro próximo, data prevista para início das filmagens.

Depois da excepção cinematográfica, a França avança noutra frente do mundo das imagens em movimento. Boa sorte!

3) Ainda no Sunday Times, vem uma notícia sobre a luta entre os gigantes do audiovisual, a CNBC e a Fox, no território dos canais de negócios. Se a CNBC tem o seu público bem definido, a Fox, de Murdoch, prepara-se para abrir um canal sobre actividades económicas e financeiras.

sundaytimes.JPG

De um lado, a General Electrics, proprietária da CNBC, estende a sua acção nas áreas da aviação, plásticos, serviços financeiros, energia e media. Em 2003, teve rendimentos de 134 mil milhões de dólares (o valor da NBC foi de 6,9 mil milhões de dólares). A área de entretimento da NBC Universal foi formada em 2003 após a compra dos activos da Vivendi. Estes activos incluem o estúdio de Hollywood Universal Pictures, a rede de televisão NBC e os canais por cabo, como o História e o CNBC.

Já quanto à News Corporation, proprietária da Fox, tem actividades nas áreas do cinema, televisão, televisão por satélite e edição de livros. As vendas anuais ascenderam a 22,8 mil milhões de dólares; as vendas da Fox chegaram aos 11 mil milhões de dólares. A News Corporation controla a DirecTV, uma empresa de televisão por satélite com 13 milhões de assinantes. A Fox News é o canal de notícias por cabo mais bem cotado nos Estados Unidos. No Reino Unido, a News Corporation tem 35,3% da BSkyB, com sete milhões de assinantes.
SOBRE BAUDRILLARD (II)

[continuação da mensagem de 18 de Novembro]

A sedução arrasta a simulação, outro dos temas trabalhados profusamente pelo autor. A simulação parte da negação radical do signo como valor (Baudrillard, 1991: 13). Ele descreve o supra-sumo do hiper-real e do imaginário, a Disneylandia, modelo perfeito de todos os tipos de simulacros confundidos. É antes de tudo um jogo de ilusões e de fantasmas: os piratas, a fronteira, o pato Donald ou o rato Mickey, o mundo do futuro. A Disneylandia é colocada como imaginário a fim de fazer crer que o resto é real, quando Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais mas do domínio do hiper-real e da simulação.

lipovetsky.JPGNa base das análises de Baudrillard, existe um esforço para desmistificar a ideologia do consumo enquanto comportamento utilitarista de um sujeito individual que tem por objectivo o gozo e a satisfação dos seus desejos (Lipovetsky, 1989: 230). Não se consome o objecto por si próprio mas em virtude do prestígio, do estatuto, da categoria social das diferenças e dos valores estatutários. Visa-se, pois, o standing, a categoria, a conformidade, a diferença social.

Embora sem pretender criticar que os objectos possam ser significantes sociais e signos de aspiração, Lipovetsky (1989: 232) contesta a ideia que o consumo de massa seja dirigido pelo processo de distinção e de diferenciação estatutária, identificável a uma produção de valores honoríficos e de emblemas sociais. O que se pretende através dos objectos é menos uma legitimidade e uma diferença social do que uma satisfação privada indiferente aos juízos dos outros.genosko.JPG

Os novos bens que aparecem impõem-se pelo standing e são absorvidos pela procura colectiva, interessada não na diferenciação social mas na autonomia em novidades, estímulos e informações. Consome-se: 1) cada vez menos para deslumbrar o outro ou 2) ganhar consideração social, mas 3) cada vez mais por si próprio. O consumo de prestígio não se pode considerar o modelo do consumo de massa mas assenta mais nos valores privados do conforto, do prazer, da utilidade funcional.

Por seu lado, também Genosko (1999: 79) salienta a escrita da troca simbólica como um dos expoentes do trabalho de Baudrillard, o qual adquire múltiplas formas na sua escrita. Em geral, é incomensurável com qualquer sistema de valor. É anti-produtivista e envolve a destruição sumptuária de signos.

Numa linguagem repleta de aforismos, Baudrillard fala em semiurgia – produção de signos, sociedade de simulações liderada pela hiper-realidade, domínio e fascínio de imagens, espectáculos e simulações. Pela semiurgia, eliminam-se críticas e esgotam-se os significados. A implosão não irradia mas absorve e anuncia a catástrofe do colapso dos novos meios para com a forma de massa. Ou, na linguagem revista por Genosko (1999: 88), os signos monetários são frios para Baudrillard: sem afectos, comutáveis, ligados a redes do sistema estrutural, e desligados dos referentes reais parassistémicos.

Leituras: Baudrillard, Jean (1981). A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70
Baudrillard, Jean (1979). De la seduction. Paris: Denoël
Baudrillard, Jean (1991). Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água
Genosko, Gary (1999). McLuhan and Baudrillard. The masters of implosion. Londres e Nova Iorque: Routledge
Lipovetsky, Gilles (1989). O império do efémero. Lisboa: D. Quixote

sábado, 20 de novembro de 2004

COMO PREENCHER O ESPAÇO VAZIO DEIXADO PELAS VAGAS NAS LICENCIATURAS?

umjornal.JPGO umjornal, jornal da Universidade do Minho, levanta a questão e aponta alternativas.

Este ano, a Universidade do Minho teve 17% de vagas não preenchidas por alunos. Reconhecendo haver situações desiguais nos vários cursos, os textos editados no jornal neste mês de Novembro reflectem sobre as razões.

Da análise de Luís António Santos, retiro os seguintes elementos: 1) maior atracção de alunos em cursos como engenharias (civil, electrónica industrial, comunicações) e física, 2) quebra de procura em cursos como engenharia têxtil, geologia, estudos ingleses e alemães, matemática. O curso de comunicação social teve um preenchimento de 94% e o de sociologia 73%.

Já na página donde reproduzo a imagem, e em texto assinado por Teresa Lima, analisam-se as causas: redução demográfica e fantasma do desemprego em algumas licenciaturas. Daí, a necessidade de desenvolver estratégias de marketing e apostar no ensino de pós-graduação. A Universidade do Minho conta com 73 mestrados (quatro não estão a funcionar). Calculo que, nas pós-graduações em ciências da comunicação - embora o texto não faça alusão directa -, esteja tudo a funcionar bem. E a Universidade do Minho aposta na cooperação com as empresas. Ela foi a universidade portuguesa que teve o maior número de bolsas de doutoramento em empresas (sete em vinte, especialmente nas áreas de engenharia).
O CIBERJORNALISMO SEGUNDO RAMÓN SALAVERRÍA

navarra6.JPGNo congresso realizado a semana passada em Pamplona, uma das comunicações que mais me impressionou foi a de Ramón Salaverría sobre ciberjornalismo e as catástrofes; no caso presente os atentados nos Estados Unidos (11S) e em Espanha (11M).

Nestes acontecimentos, ele detecta elementos comuns, por uma razão: foram acontecimentos excepcionais que pressupunham tratamento jornalístico excepcional. Melhor dizendo, onde se poderia mostrar o melhor, mas também o pior, num momento em que a internet ganha espaço em termos de informação. Mas todos os media, incluindo a internet, não estavam preparados para a crise. Por um lado, o grande tráfego de informação, com os media a noticiarem de modo muito rápido (e com pouca acurácia). Por outro lado, a grande concorrência [e competência] entre os diferentes meios (televisão, rádio) com o novo meio (internet).

salaverria.JPGSalaverría é professor na universidade de Navarra, onde dirige o laboratório multimedia. Ele lidera a investigação do impacto da internet sobre a imprensa tradicional (em Espanha e na Europa). Tem um livro (Manual de redacción ciberperiodística), de autoria repartida com Javier Díaz, e editará em breve outro livro sobre ciberjornalismo [na imagem, vêem-se Ramón Salaverría à esquerda e José Luis Orihuela à direita].

Contributos para uma história do ciberjornalismo

Passaram apenas dez anos desde que o New York Times (NYT), por exemplo, tem uma edição electrónica, mas detectam-se fortes alterações a nível da arquitectura e a nível dos conteúdos. Foi a 11 de Novembro de 1994 – precisamente dez anos antes do dia da comunicação de Salaverría – que o NYT anunciava a edição informática do jornal (com esta mesma designação). Nessa altura, também, em congresso ocorrido em Navarra, anunciava-se que edições diárias do El Periodico e do El Mundo podiam ser lidas no computador (também usando esta expressão).

Outras redes surgiriam. Assim, a 10 de Janeiro de 1999, um jornal electrónico (ou já se chamaria digital?) anunciava que “we have started weekly posts" – era o começo das mensagens e da interactividade. Mais perto de nós, continuava Salaverría, o El Pais (2003) tornava-se um jornal multimedia e hipertextual.

salaverria1.JPGOra, que grau de maturidade apresentam hoje os ciberjornais relativamente aos jornais de papel? Em termos de semelhanças, e aplicando a dolorosa experiência vivida com os acontecimentos de 11M, Salaverría encontra: 1) tempo (o directo, embora o jornal de papel se atrase um dia na cobertura dos factos), 2) surpresa (nenhum jornalista e meio de comunicação esperava que acontecesse o que aconteceu), 3) impacto. Já em termos de diferenças, o professor de Navarra encontra as seguintes: 1) lugar, 2) recursos, 3) experiência.

Debilidades e forças da imprensa digital

Salaverría enunciou três debilidades: 1) impressão tecnológica, 2) escassa serenidade jornalística, 3) falta de identidade própria. Para ele, a internet tem como condição principal o ser a primeira a dar a informação, mas não existem mecanismos para dar a informação correcta e com rigor. Mas, com a presença mais frequente do ciberjornalismo, aprenderam-se algumas lições: 1) preparação tecnológica, 2) a internet conta, 3) a internet é multimedia (não é informação textual mas oferece outros conteúdos). Isto é, a informação não está apenas nos media tradicionais, mas alarga-se a outras fontes e canais, com as redes a oferecerem conteúdos alternativos. Crescem as fontes primárias e de observação directa, como os blogues, os fóruns, as publicações colectivas.

salaverria2.JPGSalaverría acabou bem a sua comunicação, ao reflectir o impacto que o 11M teve no ciberjornalismo do seu país. Nesse dia de infâmia, os 60 profissionais do El Mundo.es (jornal digital do El Mundo) saíram da redacção, onde habitualmente estão – a recolher e tratar informação –, para a rua para procurarem informação. As crónicas e as reportagens publicaram-se primeiro no jornal digital e foram incorporadas na edição do jornal em papel no dia seguinte. Era a primeira vez que os jornalistas digitais cobriam em directo a informação, editavam em formato digital e, mais tarde, publicavam no meio clássico de informação.

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Sítio da Pathe Inglesa comemora dois anos

Passam hoje dois anos do lançamento do sítio da British Pathe. Neste período, 4 milhões de pessoas de todo o mundo visitaram o local – entre as quais me incluo com alguma irregularidade – e descarregaram ficheiros de imagens fixas e em movimento.

Segundo a informação que recebi hoje na minha caixa do correio electrónico, cada visitante gasta uma média de cerca de 10 minutos por sessão, o que daria o equivalente a 75 anos consecutivos de actividade. Em 2003, a Pathe codificou 3500 horas inteiras de jornais cinematográficos.

O principal objectivo no fornecimento gratuito de imagens é a ajuda a professores e alunos na pesquisa histórica e sociológica. Eu, fã da rainha D. Amélia (1865-1951), retirei os ficheiros relativos a ela logo no começo da actividade do sítio da Pathe.
ESTRELAS, CELEBRIDADES E PERSONALIDADES

A mensagem de hoje contém dois elementos: o primeiro, a leitura de um livro de Nick Lacey; o segundo, um exercício.

1) Leitura - estrelas, celebridades e personalidades constituem um aspecto muito importante no conteúdo e na promoção dos textos mediáticos. As estrelas aparecem mais nos filmes, ao passo que as celebridades ganham notoriedade porque fizeram alguma coisa na vida que as tornou conhecidas e as personalidades são famosas por serem famosas.

lacey4.JPGQuanto às estrelas, circulam detalhes das suas vidas dentro do domínio público, de modo a torná-las muito conhecidas. Tais detalhes podem não ser verdadeiros mas são de interesse para a audiência. Um perfil factual é a imagem construída pelas estrelas nos filmes. O que melhor sabemos de uma estrela é a personalidade que ela representa num filme.

Mas os seres humanos são mais complexos que as personalidades das estrelas representadas nos filmes. Por isso, muita da cobertura das estrelas vem nas revistas e nos programas dos filmes que formam parte do circo publicitário.

A razão pela qual as revistas fazem cobertura das estrelas é que elas chamam a atenção da audiência alvo, e isso gera receitas. Se um filme ou revista de estilo de vida (cor-de-rosa ou social) critica uma estrela sabe que esta negará qualquer acesso no futuro. Porque as estrelas são uma ferramenta importante no marketing destas revistas, desprezá-las pode significar um erro financeiro.

Já no tocante às celebridades, elas assentam menos na construção das personalidades representadas. As celebridades tornam-se famosas depois de fazerem alguma coisa que as distinguiu. As de maior nomeada vêm do mundo do desporto, caso do futebol. Isto é particularmente evidente na celebração do casamento de David Beckham (futebolista) e de Posh Spice (ex-membro de uma banda rock feminina). Tais pessoas são: 1) cobertas porque vendem exemplares de revistas, e 2) vendem revistas porque são cobertas. A cobertura das revistas e dos jornais é a seiva da vida das celebridades, com permanente abertura do lado privado ao olhar público. As revistas tendem a ser gentis nessa cobertura; os jornais nem tanto.

Finalmente, as personalidades. Estas são semelhantes às celebridades excepto que nada fazem para se celebrizarem. São “personalidades” que habitam nas revistas de “rumores” e tiram proveito das revistas sociais e dos jornais tablóides, apenas "trabalhando" para serem celebradas em tais publicações. Aparecem também como convidadas em programas de televisão. São celebridades pós-modernas, famosas porque apenas são famosas.

Texto utilizado: Nick Lacey (2002). Media institutions and audiences. Key concepts in media studies. Nova Iorque: Palgrave, pp. 70-73

2) Exercício - procure aplicar os conceitos de estrela, celebridade e personalidade a programas de televisão, como os reality shows, os(as) apresentadores(as) de noticiários televisivos e telenovelas.

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

CINEMA ESCRITO

"Cristina Lima, Helder Beja e Idalina Casal. São estes os nomes (um dos quais meu) de três apaixonados por cinema. Aqui, nesta bobine de palavras, sem câmaras, sem luzes, mas com muita acção, iremos dar largas à vontade de escrever", são estas as palavras iniciais do blogue Cinema escrito. O blogue iniciou actividade o mês passado. Desejo muito sucesso.
SOBRE BAUDRILLARD (I)

Nesta mensagem – que divido em duas –, destaco três elementos fundamentais no pensamento de Jean Baudrillard: 1) consumo e procura permanente da felicidade ou da satisfação, 2) sedução, e 3) simulacro. Adoptado pelos teóricos e práticos do cyberpunk com o mesmo espírito que elevou McLuhan ao estatuto de padroeiro da revista Wired, Baudrillard ficou como o filósofo do cyberpunk e o prático do cybercriticismo.baudrillard1.JPG

Ele começa por assinalar que todo o discurso sobre necessidades e desejos aponta para o domínio da felicidade, referência absoluta da sociedade de consumo (Baudrillard, 1981: 51). Ora, é preciso que a felicidade seja mensurável por objectos e signos do conforto, numa intensificação do bem-estar. Daí, falar em democracia do standing, da televisão, do automóvel, da instalação estereofónica, num tempo em que estes bens não estavam ainda massificados (Baudrillard, 1981: 52).

Mais à frente, menciona David Riesman e a sua noção de standard package, definida como conjunto de bens e serviços que constitui a espécie de património de base do americano médio: “Em aumento regular, indexado pelo nível de vida nacional, constitui um mínimo ideal de tipo estatístico, modelo conforme das classes médias. Ultrapassado por uns, sonhado por outros, surge como ideia em que se resume o american way of life”.

O tema do condicionamento das necessidades (em especial, através da publicidade) tornou-se o tema favorito do discurso acerca da sociedade de consumo. A exaltação da abundância e a grande lamentação relativa às necessidades e desejos artificiais alimentam a cultura de massa.

Consumo, para Baudrillard (1981: 107), define-se do seguinte modo: 1) não se trata de uma prática funcional dos objectos e sua possessão, 2) nem de uma simples função de prestígio individual ou de grupo, 3) mas de um sistema de comunicação e de permuta, como código de signos continuamente emitidos, recebidos e inventados, como linguagem.baudrillard2.JPG

A procura da satisfação concorre na sua definição de simulação. O trompe-l’oeil [pintura que dá a ilusão da realidade, aparência enganosa] – mais falso que o falso – é o segredo da aparência (Baudrillard, 1979: 84). Não há narrativa, composição ou fábula, cenário, teatro, acção, mas apenas signos brancos, vazios, que são anti-solenidade ou representação social.

A sedução não é do domínio da estética, da pintura e da semelhança, mas da metafísica e da abolição do real. Em De la seduction (1979), Baudrillard fala de seduzir e de ser seduzido. Claro que não se trata de um novo Diário de um sedutor à Kierkegaard nem de uma teoria da sedução mas de uma produção teórica em si, onde a sedução é um jogo. E destaca a ética – a simplicidade, a naturalidade e a espontaneidade – face à estética – ao jogo dos signos e do artificial (Baudrillard, 1979: 155). Mas toda a ética deve resolver-se numa estética. A passagem à estética é o movimento mais elevado da humanidade.

[continua]

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

LAURA PIRES LANÇA LIVRO

Com o título Teorias da cultura, da Universidade Católica Editora, foi hoje, ao fim da tarde, lançado o livro de Laura Pires, professora daquela universidade (ver na coluna da direita a imagem da capa).

Ainda não li o livro mas vou lê-lo mal tenha tempo disponível.

À autora, dou os meus parabéns.

Congresso de Pamplona (continuação)

Dia da infâmia

Seria com este título que saiu o El Mundo de 12 de Março de 2004. Mas as capas dos outros jornais reflectiriam também o terror do dia anterior, demonstrando que a realidade nunca desafiara tanto os profissionais da informação como nessa ocasião, disse um dos oradores ao congresso de Pamplona, Antoni Piqué. Para este, algumas das características imanentes a acontecimentos como o 11M e o 11S são: 1) acontecimentos massivos e rápidos (queda das torres, atentados nos comboios), 2) repetição temática nas capas dos jornais (assunto, título, texto, enfoque), 3) coincidência nas decisões das redacções.

A emoção televisiva

A sessão mais concorrida do congresso foi a que teve presente vários responsáveis da televisão e rádio espanholas. Assim, Jesús María Santos, da Telecinco, destacou o interesse da emoção na televisão: lágrimas, silêncios. E acrescento eu: símbolos (flores, velas).

A emoção nesses dias subiria, pois, após os atentados, havia eleições legislativas. O relevo dos acontecimentos levou a que as redacções de todos os media fossem destacadas apenas para a cobertura destes eventos. Acrescentando-se as decisões tomadas no momento - por exemplo, as imagens que chegavam às redacções das televisões não tinham indicação de quando acabavam para se proceder à sua montagem (presumo ter havido emissão de imagens não trabalhadas editorialmente, dada a urgência em pôr no ar tais imagens).

Isto é, apesar de um dispositivo assente na rotina - mesmo em momentos de ruptura -, os acontecimentos do 11M ao 14M tornaram o trabalho assente permanentemente em improviso. Cada directo era carregado de emoção (o jornalista não podia isentar-se dos registos emotivos).

Já Alfredo Urdaci, da TVE, preferiu centrar-se no protocolo da crise: 1) procura intensa de informação, 2) tensão e emoção e suas consequências, 3) migração dos telespectadores de canal em canal à procura da informação mais recente.

Sobre o primeiro ponto, o antigo director de informação do canal público reflectiu sobre as falhas e os erros dos jornalistas, que crescem quando aumenta a procura de informação (ausência de confirmação de dados, falta de enquadramento, emoção). Como a audiência queria saber mais do que se passara, o noticiário da tarde de 11M não acabaria à hora habitual mas prolongou-se durante o dia.

No designado pelo jornalista como protocolo da crise, seria dada prioridade às vítimas (informações úteis) e com maior recurso a especialistas.

Por seu lado, Daniel Anido (Cadena SER) reconheceu alguns erros na transmissão de informações durante esses dias de pesadelo: 1) origem do atentado atribuida à ETA, 2) mancha verde na pele de um suicida (julgando tratar-se de um explosivo quando era proveniente de um produto usado em extintores), 3) publicação das fotografias de elementos da ETA considerados associados aos atentados (os atentados foram perpetrados pela Al Qaeda).

terça-feira, 16 de novembro de 2004

La comunicación en situaciones de crisis - del 11M al 14M

Sob este título realizou-se o XIX congresso internacional de comunicação da Universidade de Navarra, em Pamplona (Espanha), nos passados dias 11 e 12 de Novembro. Como pano de fundo, os atentados de 11 de Março último em Madrid e as eleições legislativas três dias depois [primeira imagem: Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, onde decorreram os trabalhos].



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Dos objectivos do congresso, indicava-se que o 11-M colocou problemas no âmbito da comunicação, com "o desafio da cobertura de uma catástrofe, a problemática relação entre media e fontes, a crise de credibilidade dos jornalistas, a gestão da comunicação institucional em momentos de crise", entre outros. Como contraponto a este 11 de Março, a análise do 11-S nos Estados Unidos [segunda imagem: mesa inicial; ao centro o professor Sanchéz-Tabernero, director da faculdade, e à direita, a professora María Teresa Sádaba, a primeira conferencista do congresso].

2.JPGNo auditório, quase sempre cheio, estiveram mais de 350 pessoas, a maioria estudantes de comunicação social daquela universidade, mas também professores de diversas universidades espanholas e da América Latina (encontrei uma colega da universidade do Minho) [terceira imagem: comunicação de Antoni M. Piqué, também da Universidade de Navarra, sobre o tratamento informativo da crise provocada pelos terroristas islâmicos].

1.JPGPara a conferencista inicial, María Teresa Sádaba, o tema seria Independência e meios de comunicação. Passando em revista as teorias liberal (o jornalismo como quarto poder) e da responsabilidade social, a sua abordagem implicou a necessidade de caracterizar a autonomia e a liberdade do jornalismo face aos poderes instituidos (financeiro, político e empresarial).

Alteração da recepção dos meios com a espectacularização da televisão, questionar as fontes como parte activa do trabalho dos jornalistas, guerra das audiências, rumores e instabilidade foram outros elementos da comunicação da professora Sádaba, docente na universidade de Navarra [quarta imagem: mesa dos correspondentes de jornais estrangeiros: à esquerda, Marcelo Risi, da BBC; ao centro, Pedro Lozano, moderador; à direita, Martine Silber, do Le Monde].

Outra comunicação de interesse foi a de Ramón Salaverría, que falou sobre os media digitais perante as catástrofes como o 11-S e o 11-M. Mas esta conversa fica para outra mensagem, bem como a fabulosa mesa redonda com os directores (ou ex-) de informação dos media espanhóis, nomeadamente a televisão, e o reconhecimento de terem cometido erros de análise e de prestação de informação e do reconhecimento (ou não) de pressões políticas sobre os conteúdos noticiosos [a lembrar a demissão, ocorrida ontem, de José Rodrigues dos Santos, da RTP].

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

Paul Lazarsfeld e a história da inovação educacional

A história da inovação nos últimos 500 anos é bastante instrutiva, escreve Morrison (2001). Cada século daria origem a pontos distantes de mudança.

Assim, no séc. XVI, deu-se a integração dos estudos humanísticos, o novo ensino, a universidade. A instituição mais característica foi o estabelecimento do Colégio de França. Já o séc. XVII viu a emergência das ciências naturais – a ascensão do baconismo foi levada pelos académicos de que a Sociedade Real em Londres era líder e símbolo. Francis Bacon (1561-1626), apelidado de construtor da máquina lógica, iniciou o método de recolha de dados, interpretação judiciosa, experimentação e descoberta das leis da natureza a partir da observação organizada das suas regularidades.

O séc. XVIII foi diferente institucionalmente. Vivia-se no tempo do Iluminismo e preparava-se a Revolução Francesa. Isto obviamente não representava uma inovação universitária. Quanto ao séc. XIX, observou-se a moderna norma integrada do desenvolvimento universitário. O principal papel coube à Universidade de Berlim, fundada em 1810, e chamada a mãe de todas as universidades modernas.

E sobre o séc. XX? Considera-se a perspectiva de Lazarsfeld, um notável inovador educacional, a qual passa pelo centro ou instituto de investigação, envolvendo equipas de investigadores com papéis e trabalho definido em partes, sob o controlo de um director. O dinheiro (o investimento) vinha de contratos. Este conjunto de investigação viu o nascimento de um novo papel e figura académica – o académico empresário. Lazarsfeld racionalizou a produção do conhecimento dentro do centro de investigação. O processo desenvolveu-se com a pesquisa de marketing, onde podemos dizer que o conhecimento foi industrializado. O sucesso destas empresas universitárias é o seu ritmo de produção. Não se abandonaram valores, mas a investigação reside cada vez mais nos processos decisórios.

Leitura: David E. Morrison (2001). “The historical development of empirical social research”. In Graham Roberts e Philip M. Taylor (eds.) The historian, television and television history. Luton: University of Luton Press

domingo, 14 de novembro de 2004

REVISTA NUESTRO TIEMPO

navarra.JPGTrata-se de uma publicação da Universidade de Navarra (Pamplona), agora a fazer cinquenta anos.

Neste número (601-602, de Julho-Agosto de 2004), retiro algumas ideias do artigo de Alfonso Sanchéz-Tabernero, director da Faculdade de Comunicação daquela universidade, e com o título Los medios de comunicación y la sociedad del futuro. Em quadro de elevado interesse, ele elenca 24 pontos para não se perder no mercado europeu de comunicação.
1) heterogeneidade no sector de imprensa diária (alto consumo no norte da Europa e baixo consumo no sul do continente),
2) homogeneidade no sector da televisão comercial,
3) crise da televisão de assinatura,
4) desenvolvimento das produtoras independentes de televisão,
5) liberalização do sector da rádio,
6) debilidade económica das revistas,
7) domínio norte-americano na indústria do cinema,
8) incerteza quanto aos modelos de negócio da internet,
9) crise em dois sectores com grande paralelismo: música e indústria editorial,
10) instabilidade no mercado publicitário,
11) concentração e internacionalização,
12) procura de maior eficiência empresarial (caso de reengenharias, alianças, economias de escala, controlo de custos),
13) entre outras razões, o poder político continua a pensar que as eleições se ganham nos media, controla os media de modo excessivo, força uma desnecessária politização de conteúdos,
14) os media parecem servir cada vez mais os interesses das empresas proprietárias,
15) debilidade da figura do produtor de conteúdos (jornalistas, guionistas e criativos publicitários convertem-se em trabalhadores por contra de outrém),
16) maior interesse dos gestores em ter boas equipas profissionais,
17) crise ética,
18) a proliferação da oferta obriga a acautelar a protecção do valor das marcas,
19) deslumbramento empresarial pela inovação tecnológica,
20) mudanças na propriedade (de empresas familiares a corporações cotadas na bolsa),
21) desenvolvimento da imprensa gratuita,
22) crise de identidade das agências de notícia,
23) escassez de dimensão das empresas europeias face às americanas e japonesas,
24) ausência de um sistema público forte, relevante e com prestígio.
LIVRO

Conforme já escrevi aqui, foi recentemente lançado o livro Una historia de EL PAIS y del Grupo Prisa, de María Cruz Seoane e Susana Sueiro. Prometo voltar a este texto e fazer uma análise crítica.
elpais1.JPG

terça-feira, 9 de novembro de 2004

SILÊNCIO

Dado eu ir participar num congresso sobre jornalismo e comunicação de crise, em Pamplona (Espanha), o blogue estará em silêncio cerca de uma semana.

Continuem a preferir-nos.
SOBRE OS CONSUMOS DE CULTURA E MEDIA

[tópicos da mensagem: blogue Seta Despedida, um olhar sobre o Porto, proposta de investigação sobre blogues]

Num texto que já abordei aqui, de David Gauntlett e Annette Hill, sobre os consumos familiares de televisão, o que ressaltei foi o modo como foi feito o trabalho empírico. Assente na análise de diários de telespectadoras(es), os autores desenvolveram uma interessante proposta. Nesta mensagem, procuro aplicar os princípios expostos nesse texto mas aplicando-os aos diários que são os blogues. Aqui, parto da ideia que os blogues são diários já disponibilizados e prontos para análise. A base é, assim, a de que os blogues são produtores de informação útil sobre a recepção dos media e os consumos de cultura.

À cabeça, dado o seu carácter duplamente informativo e pedagógico, destaco o blogue Jornalismo e Comunicação. Mas, em termos de cultura, artes e indústrias culturais, o mais interessante que a blogosfera portuguesa produziu foi a Janela Indiscreta, já aqui referenciado, iniciado em 3 de Fevereiro de 2003 (morte de João César Monteiro, e daí um culto do grupo de blogueiras/os ao cineasta) e terminado em 2 de Novembro de 2004 (reeleição de George W. Bush como presidente dos estados Unidos). O material deste blogue está pronto a ser estudado: há algum(a) estudante de mestrado que queira fazer uma tese sobre este tema?

Seta Despedida

Há um outro blogue, que tenho acompanhado de perto, a Seta Despedida, de Alexandra Barreto. Ela definiu-o como um espaço “sobre palavras, imagens e pessoas”, no seu post fundador, a 25 de Setembro de 2003, uma quinta-feira. Para a autora, “Uma seta despedida não volta ao arco. É a isto que começar sabe: a irreversibilidade. Todas as manhãs do mundo são sem regresso”. E, nesse dia de arranque do seu diário, ela escreveria ainda: “O cheiro do silêncio onde começo. Talvez este blogue seja uma espécie de luta contra o silêncio mas não contra o silêncio sobre aquilo que não é dizível. Eu às vezes calo e podia dizer”.

Ou ainda: “Não é só com arco que se lançam setas. Também se pode usar uma arma chamada zarabatana, que consiste num tubo comprido através do qual, para além de setas, se podem soprar pedrinhas, grãos, dardos” (10 de Junho de 2004). Noutra ocasião, anotaria: “Lá se foram os meus 15 minutos de fama. Reparo que deixei de receber dicas estilísticas e existenciais. Minha alma feminina e volúvel entristece. Mas para que é que as mulheres aprendem a ler e a escrever? Ficam com a mania que podem ter blogues e opiniões, e depois temos de protegê-las delas mesmas! Muito obrigada pelos dias mais emocionantes da minha existência virtual. Se tivesse adivinhado, teria tentado escrever sobre temas como política portuguesa, futebol, ou os vossos blogues. Ainda vou a tempo? Deixam-me continuar na blogosfera se eu falar do que vocês quiserem”? (27 de Novembro de 2003).

Do que Alexandra Barreto escreve? Sobre pessoas: “Num destes dias tive o prazer de conhecer pessoalmente duas pessoas do blogue Janela Indiscreta. Antes de isso acontecer, não estava 100% convencida que elas tivessem existência real ou que no nosso planeta ainda morassem pessoas assim. Tive de passar a acreditar um bocadinho mais no mundo desde que as conheci” (15 de Novembro de 2003).

Ou: “Ontem conheci a Ana. Querem saber o que fazem duas bloggers à solta no Porto num sábado de tarde? Vão almoçar, trocam histórias e recomendações literárias sobre gatos, descobrem coincidências inesperadas no percurso profissional, dão uma volta pela Rua Miguel Bombarda, visitam o Centro Português de Fotografia (galgando com esforço os degraus), avistam sob as arcadas de Miragaia uma figura misteriosa aparentemente em fuga de um álbum de Corto Maltese e a tentar chamar um gato, compram castanhas assadas, tomam chá no Guarany, e combinam um encontro no futuro, planeado com mais tempo e com mais bloggers” (24 de Outubro de 2004).

E ainda: “Lugares em que ter colocado uma bomba durante este fim-de-semana poderia ter reduzido drasticamente a blogosfera. Café do Cais, na Ribeira; Cão que Fuma, na Rua do Almada; Balleteatro Auditório, em Arca d’Água; - Labirinto, na Rua Nossa Senhora de Fátima; Feira do Livro do Porto. Blogues com elementos avistados nestes lugares: Janela Indiscreta; Torneiras de Freud; Tempo Dual; Little Black Spot; A Montanha Mágica; Umblogsobrekleist; Seta Despedida; Leitura Partilhada. Blogues com um elemento cuja casa estava a ser pintada e não foi avistado em lugar nenhum: Quartzo, Feldspato & Mica” (24 de Maio de 2004).

Sobre o Porto

Cidade de todas as notas de Alexandra Barreto: Porto. Mas também recordações de Praga e outros sítios, pois a autora gosta de viajar. O Porto tem um lado cosmopolita de cidade do norte da Europa: arquitectura granítica e escura, tempo de chuva e de nevoeiros, pessoas com tez pálida, influências célticas.

Para além das pessoas e da cidade, a blogueira observa profissões, como a dos alfarrabistas: “Geralmente, nos alfarrabistas aprecio mais as histórias escondidas do que aquelas que contam explicitamente os livros. As dedicatórias, os marcadores esquecidos, os sublinhados esbatidos, uma flor seca ou uma borboleta que ali se decidiu guardar. Às vezes olha-se para uma montra e sente-se uma espécie de fraternidade silenciosa entre os livros expostos. Percebe-se facilmente que pertenciam ao mesmo dono e partilharam a mesma estante ou estantes próximas. Adivinha-se que têm o mesmo cheiro. E é possível começar a traçar um retrato vago da pessoa que os escolheu ou coleccionou. Por mim, gostava muito de conhecer as histórias secretas dos proprietários desses livros vendidos em conjunto. Quem eram? Quantos anos tinham? Morreram? Não tinham filhos? Os herdeiros não gostavam de livros? Estavam arruinados e precisavam de dinheiro? Preparavam-se para deixar o país? Converteram-se a uma variante extrema de minimalismo? Ingressaram num mosteiro, renunciando a todos os bens terrenos que lhes eram queridos” (26 de Junho de 2004)?

Mas ela escreve ainda sobre blogues, literatura (talvez a maioria dos posts), televisão, cinema, teatro, natureza, festas religiosas e desportivas, feira do livro. Não reparei se escreve sobre artes plásticas, apesar de várias imagens em mensagens recentes.

Proposta de investigação sobre blogues

Ora, sem saber muito da vida pessoal (familiar e profissional) da autora de Seta Despedida, pelo blogue consegue-se traçar um percurso muito próximo da totalidade dos seus consumos culturais. Isto não merece ser estudado?

Ampliando a discussão: um estudo sobre blogues pode envolver:

1) a reconstituição de redes (de amigos, de encontros, de gostos),
2) a recolha de informações sobre a recepção de um determinado produto cultural num espaço geográfico,
3) a caracterização, a partir do conhecimento dos níveis etários e profissionais das(os) blogueiras(os), da elite cultural de uma cidade,
4) a reflexão sobre se, a partir da recepção/consumo, há uma apropriação-transformação-criação de tendências (tertúlias, revistas, influências sobre as linhas dominantes das indústrias culturais (cinema, televisão, livros, discos),
5) a cartografia da programação das entidades (exposições, representações, associações).

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Concordo com o que Manuel Pinto escreveu no seu blogue Jornalismo e Comunicação hoje sobre o artigo de Bettencourt Resendes. Deve ser guardado.

Mas acrescento o seguinte: Resendes não assinou o texto como jornalista mas como vice-presidente da Lusomundo Media e administrador editorial do grupo (ao lado de Luís Delgado, que também não usa a habitual identificação de jornalista mas a de Presidente executivo da Lusomundo Media). As designações fazem a diferença. Ainda acrescento que Resendes rejeita a relação entre os casos Marcelo e Diário de Notícias - a questão é que eles aconteceram na mesma ocasião e os seres humanos têm um hábito de associar acontecimentos, como se fossem causa e efeito uns dos outros. O próprio Resendes escreveu sobre Marcelo num momento em que se deveria exigir silêncio ou prudência (por causa do seu jornal). Finalmente, há uma frase lapidar: "O Diário de Notícias viveu um ano difícil e não conseguiu inverter uma tendência que, deve reconhecer-se, vinha já de um passado recente". Era então Resendes o principal responsável do jornal - fica-lhe bem esta humildade em reconhecer falhas.

Agora estou com Bettencourt Resendes quando ele atira justíssimas setas a media e a jornalistas: Público, Expresso, José António Saraiva. Diz-se mal da casa alheia sem se olhar para dentro. E saúdo, como o fez Manuel Pinto do blogue acima citado, logo de manhãzinha, o título do texto do provedor José Carlos Abrantes. Longa vida ao Diário de Notícias!

Fitas portuguesas

No fim-de-semana, vi dois filmes portugueses, Noite escura, de João Canijo, e Kiss me, de António Cunha Telles. Confesso que uma das principais razões que me levaram às salas de cinema foram, para além dos realizadores, as estrelas Beatriz Batarda e Marisa Cruz.

batarda.jpgDa primeira, conhecia o recente desempenho em Quaresma (2003), dirigida pelo já desaparecido José Álvaro Morais, ao lado de Rita Durão. Mas, aqui em Noite escura, tem um papel simbólico imprescindível: a única consciente de uma família de quatro pessoas (pai, mãe e duas filhas, em que ela desempenha o papel da mais velha), cujo negócio é uma casa de alterne. Ela assiste a toda a sordidez da actividade em si e do principal móbil da história em particular - a venda da irmã a uma mafia russa como moeda de troca por um negócio mal conduzido pelo pai.

Ela está irreconhecível numa película de cenas rápidas e travellings constantes, com primeiros planos das principais personagens: cor de cabelo, aparelho nos dentes, voz e expressão grave. Ao lado de Rita Durão, é das artistas portuguesas que mais aprecio.IT-ucapa.jpg

Já de Marisa Cruz lembrava-me de uma capa no caderno "Actual" do Expresso, há meses atrás, da sua passagem pela moda e do namorado futebolista João Pinto, ido do Benfica para o Boavista nesta época. O desempenho da falsa loura que queria ser Marilyn Monroe na Tavira dos anos 1950 é promissor (além do contributo de Nicolau Breyner, cada vez melhor como actor; eu vira-o recentemente em Milagre segundo Salomé, de Mário Barroso, e Os imortais, de António Pedro Vasconcelos). Um reparo apenas: provavelmente não valeria a pena mostrar Marisa Cruz tantas vezes nua: já sabíamos que ela era uma mulher bonita. Quase parecia o filme Romance (1999), de Catherine Breillat.

Assinalo também as memórias cinematográficas de Cunha Telles, nomeadamente Marylin e alguns cineastas, e a banda sonora do filme de Canijo, onde a música pimba se adapta bem ao enredo.

Uma última observação: as salas de exibição. O filme de Canijo vi-o numa sala do King, bastante composta de espectadores. Ao filme de Cunha Telles assisti numa das 11 salas do Alvaláxia: estavam sete pessoas. Do mesmo modo que as salas do outlet de Alcochete, também estas têm o equipamento de projecção mais sofisticado que existe. Mas os espectadores, a alma da actividade, parecem não gostar muito destas salas onde se podem levar bebidas e pipocas. Além dos cinemas, também o centro comercial não tinha muita gente. Será mesmo um flop este Alvaláxia?
GUY DEBORD: SOBRE A SOCIEDADE DE ESPECTÁCULO – II

[continuação]

No seu texto A sociedade do espectáculo, Debord distinguira duas formas do poder espectacular, rivais e sucedendo-se uma à outra. Pela primeira, designada concentrada, favorecia-se a ideologia condensada à volta de uma personalidade ditatorial, acompanhada por uma contra-revolução totalitarista, fascista ou estalinista. Pela forma de poder difusa, levavam-se os assalariados a aplicarem a sua liberdade de escolha no âmbito alargado de novos bens [commodities] em oferta. Esta representava a americanização do mundo, processo que seduziria melhor ou pior muitos países e onde se mantinham formas tradicionais de democracia burguesa. Seguidamente, estabeleceu-se uma terceira forma, uma combinação racional das duas, o espectáculo integrado, que se impôs globalmente. Aplicado ao governo – o governo espectacular –, possui os meios necessários para falsificar a produção e percepção. É o mestre absoluto das memórias, que reina sem ser avaliado e executa sumariamente os seus julgamentos.

Tudo aparece numa singeleza carnavalesca, escreve Debord. Generaliza-se o desaparecimento de toda a capacidade real: um financeiro pode ser um cantor, um advogado um espião, um padeiro pode falar dos seus gostos literários, um actor pode ser presidente. Qualquer pessoa pode juntar-se ao espectáculo, publicá-lo ou adaptá-lo, ou praticá-lo. Como o "estatuto dos media" adquiriu muito mais importância que o valor de qualquer coisa toda a gente é capaz de fazer o que quiser, tem o mesmo direito e o estatuto de estrela.

debord.JPGA sociedade, cuja modernidade atingiu uma etapa de espectáculo integrado caracteriza-se pelo efeito combinado de cinco factores principais: renovação tecnológica incessante, integração do Estado e da economia, segredo geral, mentiras não respondidas, eterno presente. As mentiras não respondidas conseguiram eliminar a opinião pública, a qual perdeu a possibilidade de se fazer ouvir e rapidamente se dissolveu. Isto tem consequências significativas para a política, ciências aplicadas, sistema jurídico, artes.

A manufactura do presente em que a moda é em si, das roupas à música, chega a uma paragem, que quer esquecer o passado e não parece acreditar num futuro, acha-se numa circularidade incessante de informação, voltando sempre à pequena lista de prioridades, proclamada apaixonadamente pelas maiores descobertas. Ao mesmo tempo, raramente surgem notícias do que acontece e muda de importante.

Leitura: Guy Debord (1990). Comments on the society of the spectacle. Londres e Nova Iorque: Verso, pp. 8-13

domingo, 7 de novembro de 2004

GUY DEBORD: SOBRE A SOCIEDADE DE ESPECTÁCULO – I

Guy Debord nasceu em 1931, em Paris, e suicidou-se na sua cidade natal em 1994. Os seus principais trabalhos foram o livro A sociedade do espectáculo, o filme In girum imus nocte et consumimur igni (1978) e o papel que teve na Internacional Letrista (1952-57) e na Internacional Situacionista (1957-72).

Desde os anos 1950, Debord produziu críticas radicais da vida na sociedade moderna, sobre o imperialismo cultural e o papel da mediação nas relações sociais. Devido aos processos de radicalização francesa de Maio de 1968, envolveu-se muito na Internacional Situacionista. A partir de 1952, os seus filmes seriam considerados as primeiras tentativas do uso radical do meio. Mais importante, todavia, foi o conceito da “Construção da Situação” no contexto do significado do discurso artístico. A partir dos anos de 1970, Debord passou a viver em reclusão.

Do livro A sociedade do espectáculo extraem-se os seguintes pontos:

"1 – Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se esvai na fumaça da representação.

"4 – O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.

"11 – Para descrever o espectáculo, a sua formação, as suas funções e as forças que tendem para sua dissolução, é preciso distinguir os seus elementos artificialmente inseparáveis. Ao analisar o espectáculo, fala-se em certa medida a própria linguagem do espectacular, no sentido de que se pisa no terreno metodológico desta sociedade que se exprime no espectáculo. Mas o espectáculo não significa outra coisa senão o sentido da prática total da formação económico-social, o seu emprego do tempo. É o momento histórico que nos contém.

"14 – A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espectacular, ela é fundamentalmente espectaculista. No espectáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espectáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio.

"44 – O espectáculo é uma permanente guerra do ópio para confundir bem com mercadoria; satisfação com sobrevivência, regulando tudo segundo as suas próprias leis. Se o consumo da sobrevivência é algo que deve crescer sempre, é porque a privação nunca deve ser contida. E se ele não é contido, nem estancado, é porque ele não está para além da privação, é a própria privação enriquecida".

[continua]

sábado, 6 de novembro de 2004

LER NOTÍCIAS

Ler notícias (e outras formas de informação) é uma das tarefas diárias que faço por obrigação - mas com elevado gosto. Se, de uma notícia do Expresso de hoje retiro a proposta a mais incentivos de leitura - e que ilustra a percepção geral que temos da escassez de leitura de livros e jornais por parte de muitos dos portugueses - , o meu olhar vai para o editorial do mesmo jornal assinado pelo seu director. Tem o título apropriado A agonia do "DN". Num dos parágrafos, escreve que, na gestão do "DN", se misturaram critérios empresariais e políticos e afirma que "impor uma «marca» com prestígio na sociedade e com viabilidade empresarial é, pois, uma tarefa árdua".

Fico sem saber, como me acontece muitas vezes ao ler estes editoriais, aonde pretende chegar o seu autor. Lido apenas como título é um crime. E o conjunto da argumentação do texto parece-me frágil, coroada pelo desejo de boa sorte ao novo director do Diário de Notícias. Como se pode felicitar alguém pelo cargo quando se enuncia previamente que está moribundo o projecto onde se envolve esse dirigente?

O contraponto surge, a meu ver, na coluna da página 5, de Fernando Madrinha. Este focou a sua perspectiva na audição do anterior director do Diário de Notícias à AACS e à sua acusação da presença e força das agências de comunicação (tema também abordado pelo Público de ontem e hoje). E, páginas à frente, em artigo assinado por Ana Serzedelo e Ângela Silva, a questão é reequacionada a partir de nova perspectiva: a da proposta do PS em discutir a participação do Estado nos media, completando - de certo modo - a possibilidade do PSD analisar o assunto da concentração dos media, feita há dias. Mais interessante é a posição do banqueiro Artur Santos Silva, presidente do próximo congresso da APDC, favorável a uma maior concentração dos media, em página do caderno de economia do mesmo Expresso.

É perceptível, pois, o registo de distintos agentes sociais com posições e interesses próprios e divergentes entre si. Para mim, o director do Expresso sonha que o grupo para que trabalha possa comprar o Diário de Notícias. Desfazer a capacidade de reabilitação do jornal em editorial pode baixar o preço de aquisição. Além disso, noto uma habilidade no modo como se constrói a peça sobre Artur Santos Silva. Trata-se de uma entrevista ao presidente de um congresso de telecomunicações. A jornalista inquire-o sobre o UMTS (nova geração de telemóveis), sobre a liberalização do mercado e do papel da entidade reguladora. Apenas um terço da entrevista diz respeito à concentração dos media. Pois foi este terço do trabalho que mereceu o título da peça e destaque na primeira página do caderno. O valor-notícia do tema - e não os assuntos do congresso - é que surge em posição dominante.

Jacques Tati em DVD

Se o blogue Janela Indiscreta não tivesse desaparecido esta semana, certamente Cristina Fernandes estaria a escrever sobre a passagem dos filmes de Tati para DVD, ela que aderira ainda recentemente ao "cinema em casa". São quatro: Há festa na aldeia, As férias do sr. Hulot, O meu tio e Playtime. Já vi esses filmes há tanto tempo que é uma tentação a sua aquisição (recolhi a informação no caderno "Actual" do Expresso).

Moda e Luís Buchinho

"«E de repente apareceu-me a moda». É assim que Luís Buchinho resume o começo da sua relação com uma das indústrias mais poderosas do mundo". Este é o início do texto de Ana Cristina Leonardo, também publicado no mesmo caderno do Expresso, que aconselho a ler(em).
PARABÉNS AO ANTÓNIO SILVA E A MINHA RÁDIO

Parabéns ao sítio A Minha Rádio, e ao seu animador, António Silva, pelos dois anos da actividade.


[imagem de receptor inserida no fronstispício do sítio A Minha Rádio]

Retiro parte da sua mensagem presente no sítio: "Porque todos nós damos importância às datas: a do nosso nascimento, a da nossa ida para a escola, a do nosso primeiro beijo, a nossa primeira vez… também este site comemora uma data… se bem que, em abono da verdade, A Minharadio tenha nascido duas vezes! A que agora nos referimos, 6 de Novembro de 2002, é a oficial, a que corresponde ao registo do domínio e, em que passou a ser alojada em servidor próprio. Mas já antes A Minharadio era a minha rádio. Nasceu no dia 15 de Abril de 2002, alojada temporariamente no Sapo. É de alguns dias depois o primeiro registo no livro de visitas do site. Sem dúvida uma honra, tratava-se do proprietário do mais importante e antigo site dedicado à rádio em Portugal: Paulo Ferreira, dos “Clássicos da Rádio” a quem muito este site deve"

Conheço pessoalmente o António Silva e as suas enormes capacidades de trabalho e força de vontade neste meio de comunicação, a partir do Porto, cidade que gosto muito. Por isso, desejo longos e frutíferos anos de vida ao sítio e ao seu animador.

sexta-feira, 5 de novembro de 2004

RACHEL DE QUEIROZ E O RADIOAMADORISMO

Por achar muito bonito, retiro parte de um texto editado ontem no blogue A Minha Rádio, de António Silva, sobre a passagem do primeiro aniversário da morte de Rachel de Queiroz, escritora brasileiras que usou a rádio como tema da sua literatura. [Fotografia de Eduardo Simões]

Nascida em Fortaleza, em 1910, o seu primeiro livro sairá aos seus vinte anos, O quinze, marcador de uma nova fase da ficção brasileira, onde se fala dos problemas do homem, da terra do Nordeste e da seca. O segundo livro, João Miguel, seria publicado em 1932,e narra a história de um presidiário numa pequena cidade do interior. Já Caminho de Pedras (1937) e As três Marias (1939) descrevem situações sociais bem vincadas. A autora passa a dedicar-se à crónica militante, em jornais e revistas do Rio de Janeiro (caso de O Cruzeiro), e ao teatro. Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a entrar na Academia.

António Silva, ontem no seu blogue, recorda este texto da autora sobre o radioamador (O Cruzeiro, de 21 de Junho de 1962): “Coruja... Bem, é o que sou. Não a propriamente dita, mas em linguagem de radioamador. Pois coruja é o radioamador ouvinte, o que não tem transmissor e liga o receptor em casa, para ficar ouvindo as conversas dos outros. Divertimento barato, aliás. Não precisa sequer ter-se um receptor de alta categoria: basta um pequeno transístor desses japoneses, de contrabando, acrescentado de uma antena de nove metros de fio de aço de pescador. O importante, além disso, é que o transístor tenha faixa de onda de 40 metros, que é por onde se manifestam os radioamadores da rede local. O mais é constância e paciência. E penetra-se, num mundo de que não suspeita o simples cidadão acostumado a escutar apenas as emissões comerciais de TV e broadcasting; pululando ao nosso redor, insuspeita, mas permanentemente activa, funciona em volta do mundo todo, uma imensa rede de estações de rádio, manipuladas por radioamadores que estabelecem pela Terra inteira uma cadeia de comunicações, muito mais eficiente que os serviços públicos, oficiais ou particulares. A boa vontade é o seu lema, a solidariedade humana a sua obrigação. Quem viu aquele filme francês “Se todos os Homens do Mundo” pode fazer uma ideia do fenómeno. E não se trata de conversa de fita de cinema, não; é assim mesmo daquele jeito que eles se comportam, da Noruega ao Congo, de Ver-o-Peso ao Vigário Geral”.
agenda2.JPGAGENDA LX

Já saiu a Agenda LX correspondente ao mês de Novembro. Tem o mesmo brilho e interesse da edição anterior.

Destaco a reportagem das casas de chá de Lisboa, pelas fotografias e pelos textos. A não perder. E, depois, os espectáculos, o cinema, a música, as artes. Sem esquecer os museus e, claro, os restaurantes. Destes, o realce vai para os que servem bons bifes, as cervejarias, os vegetarianos e os internacionais (japoneses, brasileiros, etc.).

Trata-se de uma edição imprescindível, até porque é gratuita. Guia fundamental para conhecer a arte, a cultura e o lazer de Lisboa durante este mês, a iniciativa pertence à Câmara Municipal.

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

EL PAIS EM HISTÓRIA

É hoje lançado, em Madrid e ao começo da noite, o livro Una historia de EL PAIS y del grupo Prisa, de María Cruz Seoan e Susana Sueiro, mãe e filha, editado pela Plaza y Janés. Recordo que o jornal madrileno saíu a 4 de Maio de 1976. Juan Luis Cebrián, o primeiro director do jornal, e Riccardo Cavalero, juntamente com as autoras, serão os participantes principais nesta festa.

María Cruz Seon é historiadora da imprensa e a sua filha é-o em História Contemporânea. A obra, que tem 700 páginas e 50 dedicadas a notas e referências bibliográficas, começa por narrar factos de 1970 (altura dos primeiros contactos para a formação do jornal) e acaba em Junho deste ano. Hemerotecas, serviço de documentação do EL PAIS e arquivos da PRISA foram as fontes fundamentais. O trabalho das duas autoras começou há cinco anos.

Recordo que, há dois anos, saíu um livro, também em Espanha, sobre o jornal ABC, de autoria de Juan Antonio Pérez Mateos, Cien años de "un vicio nacional". História íntima del diario (641 páginas).

Espero que o nosso jornal Público também esteja a promover um projecto semelhante. Isto sem falar da actualização da história do Diário de Notícias (há também uma história ainda recente do Jornal de Notícias, de Fernando de Sousa, mas não pretendo comentar o seu texto). No conjunto, há falta de memórias dos jornais portugueses (ou com a dimensão como este projecto do EL PAIS).
PRÉMIO PARA OS MELHORES BLOGUES

Entre os finalistas ao Deutsche Welle International Weblog Awards 2004, na categoria de melhor blogue jornalístico em língua portuguesa figuram o PontoMedia, de António Granado, e o Intermezzo, de Daniela Bertocchi. Desejo muita sorte aos dois, esperando que um deles ganhe o prémio.
AULA DE MARGARIDA MARTINS

Hoje a minha aula de Públicos e Audiências teve uma convidada, Margarida Martins, que fez uma conferência sobre ética e informação. Jornalista da TVI e mestre em Comunicação e Indústrias Culturais pela Universidade Católica, ela falou da sua tese defendida há cerca de um ano. Este trabalho assentou numa análise empírica de 15 noticiários em horário nobre no canal onde trabalha, entre Setembro de 1999 e Junho de 2002.

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No espaço de tempo observado, ela encontrou três períodos distintos: o primeiro, em 1999, ainda o noticiário principal da TVI tinha o nome Directo XXI, com pouco impacto em termos de audiências. A TVI estava em terceiro lugar a seguir à líder SIC e à RTP. Entre Setembro de 2000 e Setembro de 2001 a TVI ascende ao primeiro lugar a nível de audiências (ou disputa esse lugar com a SIC). O terceiro período, a seguir a 2001, é o da afirmação da liderança por parte do canal de Queluz.

Cada período teria uma programação distinta, partindo do critério de sanduiche (programa-informação-programa). Assim, a primeira fórmula de programas era série juvenil-noticiário (que tanto começava às 19:30 como às 21:00, isto é, fora do horário da concorrência)-série juvenil. A segunda fórmula (ou período) coincidiu com o Big Brother (extra)- noticiário já baptizado de Jornal Nacional-telenovela portuguesa. A terceira fórmula ou período é o que existe temporalmente já mais perto de nós: telenovela portuguesa-noticiário-telenovela portuguesa. A conquista da audiência da TVI apontou para a classe D, a mais popular e de menores recursos económicos, mas que compra também os bens dos supermercados e acede à aquisição de telemóveis ou brinquedos [em Portugal, há perto de 8,9 milhões de pessoas com poder aquisitivo, divididas em classe A (4,9%), B (10,5%), C1 (27,5%), C2 (29,8%) e D (27,3%)].

Claro que a programação - que o director de programas procura rentabilizar em termos de audiências, repercutidas em investimentos publicitários - representa uma pressão suplementar relativamente aos objectivos de ética e responsabilidade social. Isto é, o esforço do jornalista vai no sentido da procura da informação mais correcta, facilitando o debate e a discussão, fazendo um exercício deontológico permanente. Para Margarida Martins, a notícia não deve explorar a dor e o sofrimento das pessoas; o jornalista tem de saber os limites morais e de cidadania para impedir a proliferação da tabloidização da informação (casos pessoais, crime, fait-divers).

Margarida Martins, que começara por citar João Paulo II ("Todos os media da cultura popular [...] podem construir ou destruir, elevar ou degradar"), distingue vários elementos que servem para construir a notícia: excesso, falha, inversão, anormal. Exactamente o oposto do que ela defende. E mostrou alguns exemplos pedagógicos. Recordo a ênfase que colocou nas notícias positivas, como as histórias recentes de uma criança açoriana que quer ser bailarino, as quais tiveram uma boa audiência. Dado que é profissional da TVI, em que os noticiários apontam com frequência para o caso pessoal e o fait-divers, imagino a luta quotidiana para fazer respeitar a sua ética e moral.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

A MORTE DA JANELA INDISCRETA

Segundo os responsáveis do blogue Janela Indiscreta, este chegou ao fim. Conforme um pequeno texto colocado nos comentários editados hoje naquele blogue colectivo de referência, escrito às 09:49 pela alma do projecto, Cristina M. Fernandes: “de facto o blog acabou, quer dizer, não terá mais posts para além deste obrituário. talvez tenha sido demasiado inesperado este fim. sou um bocado malvada e gosto de mortes assim. a culpada sou eu, reconheço. lamento, mas não consigo dar explicações. no entanto, como todos sabem, na blogosfera nada se perde, nós andamos por aí. de certeza que surgirão outros projectos. não vale a pena ficar tão triste, por isto, digo eu, pior é o resto, pior é viver num mundo que reelege o bush?!"

Sinto - todos os blogueiros(as) sentem - uma enorme tristeza por ver desaparecer um espaço tão criativo e fonte de inspiração de muitos de nós. Por mim, fica o link aqui na coluna ao lado para a Janela Indiscreta, numa sincera homenagem aos seus autores.
MEDIAXXI – NÚMERO 77

Saiu o número da revista MediaXXI correspondente a Setembro/Outubro de 2004 [aviso: sou director da revista, pelo que reconheço interesses comerciais na mesma].

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Da capa, para além do destaque ao dossier sobre a sociedade da informação, relevo a entrevista a José-Manuel Nobre-Correia, professor da Universidade Livre de Bruxelas, feita por Carla Martins.771.JPG

Retiro a parte final da entrevista do professor português há muito radicado na Bélgica: “Hoje, com a proliferação da rádio, da televisão, da imprensa periódica não diária e de sites, há uma fragmentação da sociedade que faz com que as pessoas deixem de ter os mesmos temas de preocupação, até de utilizar a mesma linguagem. Tomei consciência deste fenómeno há alguns anos com uma aluna turca nascida na Bélgica: «não imagina o problema que nos põem hoje as parabólicas. Hoje, na minha casa, os meus pais só nos fazem ver as televisões turcas». Conclusão: antes, os pais turcos, marroquinos, italianos ou espanhóis viam a televisão belga e francesa, e participavam na vida da nação. Hoje, isso não acontece”.
TELENOVELA ALEMÃ

Há dias, referi aqui no blogue a existência de novelas holandesas. Hoje, cabe a vez de destacar o início da primeira telenovela produzida na Alemanha, Bianca, no canal público ZDF – segundo notícias publicadas nos jornais.

A narrativa centra-se em Bianca, uma jovem mulher que passara quatro anos na prisão, acusada de um crime que não cometeu. Bianca conhece o filho de um banqueiro rico, Oliver, por quem se apaixona. Mas as diferenças de classe e a presença de uma prima misteriosa constituem obstáculos a Bianca e Oliver. A novela terá 200 capítulos, dos quais 65 já gravados.

Recorde-se que a Alemanha já conhece bem este formato televisivo, através da novela brasileira A escrava Isaura, um grande sucesso na emissora ARD (como o foi em Portugal) e porta de entrada para outras novelas brasileiras. Mas a concorrência é feroz: a SAT 1 lançará, nos primeiros meses de 2005, uma novela, enquanto a RTL também prepara um projecto.