FITAS
Vi os filmes em salas ao lado uma da outra, versando sobre dois dos problemas mais graves que assolaram a Europa nos últimos 30 anos. O primeiro, Bom dia, noite, de Marco Bellocchio, com Maya Sansa no principal papel, trata do assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. O segundo, A vida é um milagre, de Emir Kusturica, com Slavko Stimac e Natasa Solak nos principais desempenhos, tem como pano de fundo o dilaceramento da Jugoslávia e as terríveis guerras que desmembraram aquele belo país mesmo no final do séc. XX.
O primeiro filme, apesar da crítica favorável, é, para mim, um filme opaco, onde as imagens dos noticiários televisivos da época fazem a diferença. A principal personagem feminina surge como a mais determinada e ortodoxa, onde nos é revelada a sua vida dupla. O filme é minimalista em recursos, pois precisamos do uso da memória dos conhecimentos para a reconstituição de um momento de ignomínia da política italiana. Nem chega a haver esperança ou a sua oposta desesperança, pois os assassinos movem-se num quadro mecânico de controlo psicológico, e pouco vão além disso. E os quadros fictícios no final da fita, da fuga de Moro, dão um ar mais irreal à narrativa.
Já Kusturica, com o seu habitual mundo surreal onde se entrelaçam o humano e o animal (patos, cães, gatos, burros), mostra, apesar da suprema ironia de cenas como a festa de despedida do jovem para a tropa, um quadro violento das relações humanas. E aparece também o habitual ponto de fechamento ou passagem, neste caso o túnel do comboio, onde tudo se decide e onde o decisor é um optimista - ou melhor, não acredita na violência intrínseca dos homens e se aproxima do comportamento do burro, animal mais nobre e inteligente que a maior parte das personagens do filme. E é um filme com uma comovente história de amor.
Cá fora da sala, a chuva despertava-nos para a realidade.
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