OS MEDIA ESCRITOS E A TELEVISÃO
Em posts colocados hoje, os blogues Jornalismo e Comunicação e ContraFactos & Argumentos - que leio regularmente - remetem para um post escrito no dia 30 de Setembro no blogue de JMF, Terras do Nunca, onde, sob o mote A crise dos media, se alerta para a perda, em termos de vendas, de jornais e revistas, assoberbados, em contrapartida, pela venda de "tachos e panelas, fascículos e coleccionáveis, coisas sem fim". E, continuando a citar o sítio de JMF, escrevem: "antes de venderem tachos e panelas, botões para as lapelas, os jornais vendiam notícias, histórias, sonhos até".
Aceito o que estes blogues dizem. Mas pretendo centrar a atenção nos media escritos de hoje. Selecciono três jornais: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Público (observação: eu comprei as três edições em papel e não as consultei na versão online). O evidente destaque vai para o novo programa da TVI, a Quinta das Celebridades. Se fiz bem as contas, o jornal do Porto dedicou quase duas páginas inteiras à primeira edição do programa, o Público uma página e o Diário de Notícias apenas a coluna de Miguel Gaspar. A coluna deste jornalista ("Zero de audiência") bem como o espaço de Ana Vitória, no Jornal de Notícias (com o título "Toiro mimoso líder de campanha preventiva"), são linhas de uma profunda ironia. Já a peça de Fernando Magalhães, do jornal da rua do Viriato, é uma espécie de feature.
Quem são os "famosos" da quinta?
Retenho a atenção na peça do jornalista Manuel Vitorino, no Jornal de Notícias, na secção "País", sobre Avelino Torres, presidente da Câmara de Marco de Canaveses e um dos residentes no espaço físico deste novo programa da TVI. Recolhendo opiniões de autarcas de Marco de Canaveses, Vitorino constrói uma interessante narrativa. Um dos entrevistados lamenta que "o autarca deixe as suas responsabilidades públicas e interprete o papel de «Zé Maria» do Marco". Outra ironiza, dizendo: "Oxalá que a sua participação no programa sirva de estágio para o autarca ir para a cadeia" [devido a uma decisão do tribunal em caso que afecta o autarca]. Um terceiro entrevistado esclarece: "Ele só lá deve permanecer uma semana, ou 15 dias, e depois volta. Depois de retocar a imagem, regressa à campanha eleitoral". Trata-se de "uma questão do foro pessoal", responde um dirigente local do partido a que pertence Avelino Torres, bastante incomodado com esta incursão do político pelo mundo dos reality-shows.
Uma outra questão levantada pelo jornalista diz respeito ao número de faltas na autarquia que poderá acumular se se mantiver muito tempo no programa, acarretando eventualmente a perda de mandato. Mas Avelino Torres avisara, ao entrar no programa, que se encontrava de férias.
Dos "famosos" da quinta da ruralidade fazem parte, para além do citado Torres, personalidades do designado jet-set português, como Cinha Jardim e José Castelo Branco, pessoas que circulam frequentemente nas revistas cor-de-rosa.
Audiências e consumo diário de televisão
Duas notas: a primeira para destacar uma das peças do jornal Público. A audiência do primeiro dia do programa Quinta das celebridades rendeu à TVI uma audiência de mais de 1,6 milhões de telespectadores, um valor médio de 17,3%, o programa mais visto do canal de Queluz. De acordo com a Marktest, passaram pelo programa pelo menos um segundo das duas horas e 33 minutos quase 4,4 milhões de telespectadores! O programa foi mais visto aqui na grande Lisboa (22,9%), seguindo-se o grande Porto (13,8%). O share da TVI atingiu, no domingo, 35,4%, a que se seguiu a SIC com 26,7% e a RTP1 com 18,4%. O resultado da TVI deve-se a um triplo cruzamento: futebol, noticiário (mais os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa) e reality show.
A outra nota é para o destaque aos media dado na edição de hoje do Diário de Notícias. Os textos são sobre o Canal de História e a sua nova programação televisiva (duas peças), uma notícia com críticas do ministro dos Assuntos Parlamentares a Marcelo Rebelo de Sousa (pelas suas intervenções na televisão), a coluna de Miguel Gaspar sobre televisão, a efeméride do primeiro episódio da cadela Lassie na televisão há cinquenta anos e um pedido de desculpas da Fox News ao candidato presidencial americano John Kerry. Resultado: três páginas sobre televisão... num jornal.
Voltando ao assunto de começo da mensagem, o da quebra de venda de jornais diários e revistas. Sem ser muito rigoroso, sigo o que escreve Paulo Faustino no seu livro A imprensa em Portugal. Transformações e tendências na página 36: na maioria dos principais títulos, houve um decréscimo por volta de 1996, uma retoma a seguir, uma nova quebra em 2003 e um aumento já este ano (dados trabalhados pelo autor). Por seu lado, o último anuário do Obercom (p. 147) aponta para uma quebra de audiências das publicações generalistas já em 2004, enquanto crescem os leitores dos jornais populares, desportivos e alguns segmentos especializados (a base do Obercom é o Bareme Imprensa da Marktest). A disparidade de tendências pode encontrar-se no critério de análise: enquanto Faustino observa a circulação média, a partir da APCT, o Obercom deu igual relevo aos tipos de audiência e à circulação média e até 2003, não fazendo qualquer projecção [apenas surge uma indicação da tendência no texto inicial mas não reflectido nos quadros estatísticos]. À cautela assumida por esta entidade, Faustino tomou uma postura de risco. O resultado certo saber-se-á em começos de 2005.
Se os jornais, a exemplo do Diário de Notícias, dão muito espaço à televisão é porque esta tem uma influência cada vez maior. Num estudo publicado por David Gauntlett e Annette Hill [TV living. Television, culture and everyday life, 1999, p. 53 (estou a consultar a edição digitalizada de 2004)], baseado em entrevistas e num diário escrito por telespectadores ingleses, e confirmado em inquéritos nacionais externos a essa investigação, concluiu-se que as pessoas estão menos satisfeitas com o que a imprensa diz e acreditam mais nas notícias de televisão. Os telespectadores confiam nas imagens televisivas, no seu impacto e na ligação directa aos acontecimentos do dia. Claro que a tabloidização do noticiário televisivo as preocupa, mas tal discussão aparece contrabalançada pela linha frequentemente tendenciosa manifestada pelos jornais, afirmariam os respondentes do projecto do British Film Institute.
Apesar de eu subscrever as opiniões dos blogues listados no começo da mensagem, e temer pela redução continuada da leitura de jornais, acho que a temática precisa de ser alargada, para uma melhor percepção das mudanças. Não nos podemos cingir ao marketing dos livros, CDs e outros produtos. Até porque estes são vendidos a um preço suplementar - crescentemente superior - e nós não os compramos diariamente.
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