segunda-feira, 15 de agosto de 2005

DONAS DE CASA

A mulher dona de casa, de Maria Lúcia, é um livro publicado pelas Edições Universo, colecção que começara com o título O corte sem mestre, de Lília da Fonseca.

lucia1.jpgO volume tem a data de 1943, estava-se em plena Segunda Guerra Mundial e em altura de afirmação do Estado Novo como regime em Portugal, quando havia uma grande escassez de bens. Isto explica muitos dos problemas e das sugestões apresentadas pela autora, que se assinava apenas como Maria Lúcia, ela que colaborara longos anos na revista Modas & Bordados. Anteriormente a A mulher dona de casa, Maria Lúcia Namorado [1909-2000] editara um volume de novelas: Negro e cor de rosa (1937). Entretanto, dirigia a revista Os nossos filhos (1942). Alguns outros títulos dela: Joaninha quer casar : conselhos às raparigas (1944), O sonho do Infante (peça infantil) (1960), Breves considerações sobre o valor pedagógico e social dos Jardins-Escolas João de Deus (1961), A história do pintainho amarelo, com ilustrações de Maria Keil (1966).

É interessante percorrer o índice do livro, dividido em duas partes: a mulher no lar, para mim a metade mais interessante, e como se trabalha (no lar). Há imensos conselhos, a ler no contexto da época, como a higiene, os horários e os métodos, a ordem no lar, a economia, as criadas, as visitas, a elegância e a atmosfera familiar. Volume que trata da economia doméstica, a que não falta um toque de cultura, como o capítulo "organização de uma pequena biblioteca" (quatro páginas), adverte logo no começo: "Ainda hoje se julga vulgarmente que só a mulher pobre e inculta deve dedicar-se a trabalhos domésticos, e que, mesmo o governo da casa, é fardo pesado que convém alijar à medida que se sobe na escala social" (p. 8). Curiosamente, não há nenhum capítulo que a autora dedique a crianças, talvez porque isso fizesse parte do seu quotidiano intelectual, como responsável por uma revista a elas dedicada.

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Numa época de implantação de estruturas paramilitares que se tornavam, entre outras dimensões, um suporte visual da ideologia, o livro de Maria Lúcia não reflecte essa atmosfera pesada. Apenas um sinal, no capítulo A atmosfera familiar: "Ao entrarmos nela [a casa] devemos sentir que ficou, lá fora, a Vida com as suas ciladas, a humanidade com as suas maldades e os seus enigmas; e que encontramos, cá dentro, a ternura, a compreensão, o sossego, as compensações, a nossa vida, com as suas alegrias e as suas dores também" (p. 91). Um pouco mais à frente, lê-se: "Lá fora há invejas, intrigas, injustiças, guerra".

Dos conselhos, retenho um, o da lavagem da roupa, feita à mão ou através de uma barrela. Para Maria Lúcia, "Quem vive no campo, tem ao seu alcance a maneira melhor e mais económica de lavar a roupa branca: ensaboá-la e estendê-la na relva, palha ou areia, a córar, ao Sol" (p. 159). Há, na minha mais longínqua memória, imagens deste teor. Sim, porque nesse tempo, só as "senhoras ricas [tinham] ao seu dispor lavadouros, frigoríficos, máquinas diversas, mil utensílios mais ou menos práticos [...]. Mas esses aparelhos ficam muito caros" (p. 102). Também o fogão eléctrico estava "na categoria das coisas inacessíveis" (p. 103).

Poupança económica, regras e protocolos com a vizinhança e com os amigos ou conselhos para comprar ou reutilizar bens domésticos constituem elementos fulcrais desse manual, em que há momentos que nos parecem mais ingénuos ou simplificados (como os desenhos de Maria da Luz, na capa - uma mulher a embalar a casa como se fosse um filho -, e no interior). A que não falta uma alusão a uma das indústrias culturais em crescimento nesse período, a TSF, isto é, a rádio. Para a autora, a música, a par das flores e dos livros, contribuem para a alegria do lar: "Em volta de um piano, dum violino, duma grafonola, ou dum aparelho de TSF, toda a família passa agradavelmente horas e horas, sem dar por isso" (p. 94). Mas Maria Lúcia Namorado critica quem abusa da música, "quem abra, o mais possível todos os registos do receptor [aumente o volume de som até ao máximo], e o mantenha a funcionar desde manhã até alta noite", que ela desaconselha (p. 95).

[agradecimentos a Isabel Ribas, por me ter dado a conhecer o livro e a autora]

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