quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Serviço Público de Televisão (XIII)

Os últimos dias têm sido férteis em notícias sobre a RTP, centradas no ministro da tutela e no presidente da estação. Primeiro, a 24 de Janeiro, o ministro Miguel Relvas confirmou o que já circulava nos jornais: o conselho de ministros decidira retirar a concessão e a privatização da estação. Na própria televisão, falou no orçamento para 2014, que assentará na taxa do audiovisual e na publicidade (a manter nos moldes actuais) e não na indemnização compensatória do orçamento do Estado (a cessar este ano). O mesmo governante indicaria uma reestruturação de 42 milhões de euros e, ao mesmo tempo uma redução de postos de trabalho. As notícias seguintes estimariam um despedimento de 600 pessoas, perto de 35% do total da RTP (2037 trabalhadores). A palavra sobredimensionamento foi repetida nesses dias. A seguir à entrevista, que marcou a semana passada, entrou o presidente da RTP. O seu posicionamento, apesar de alguma distinção face ao ministro, complementa e precisa o pensamento daquele, o que significa um bom entendimento - apesar de, por vezes, parecer que estão em choque. Se, num dia, afirmou ir convidar "os trabalhadores a participar na reestruturação", a 30 de Janeiro considerava que, “numa empresa que se pretende enxuta, não é sustentável” o actual número de colaboradores. Assim, seguia o caminho do ministro e admitia até um despedimento colectivo. Compararia a dimensão da RTP com as outras televisões, embora aquela precise de mais trabalhadores pelas obrigações de serviço público e pelo número de canais. Num estilo muito peculiar, Alberto da Ponte disse ao jornalista que o entrevistou: “Não se espante se, algum dia, eu chegar aqui ao estúdio com uma pistola, se as audiências não subirem”. O objectivo por si estabelecido para 2014 é os dois canais somarem 22% de quota de audiência (17,3% em 2012, pela nova medição de audiência). Informou estimar que os custos com pessoal baixem dos actuais 35% das receitas para um valor entre 25% e 28%. No caso das principais vedetas, estas aceitaram baixar 30% dos seus ordenados. Em resposta, a Comissão de Trabalhadores da RTP acusava a administração da empresa de "reestruturação que foi preparada, durante muitos meses, de forma ilegal e clandestina”. Um outro ângulo foi dado de novo pelo governante, quando indicou a necessidade de a RTP se modernizar, pelo que seria encontrado um parceiro tecnológico, plano a levar a cabo até ao final de 2014. Se o ministro no noticiário do canal público a 24 de Janeiro disse que gostaria "de ter ido mais longe e mais depressa na RTP", várias forças políticas e sindicais reclamaram vitória neste recuo nítido do governo. A meu ver, o que travou a privatização da RTP foi o parceiro da coligação, CDS, que não pretende alienar a estação. Mas continua uma grande desorientação na condução deste dossier, com temas novos em cada dia que passa, por vezes contraditórios mas sempre conflituantes.

domingo, 27 de janeiro de 2013

A primeira licenciatura portuguesa de comunicação social

Os Jornalistas e a Primeira Licenciatura em Comunicação Social em Portugal (1979) é um livro de Renato Mendes, resultado inicial de uma dissertação de mestrado na Universidade Nova de Lisboa. Jornalista nascido no Brasil, Renato Mendes estuda neste livro o surgimento da primeira licenciatura em comunicação social em Portugal e as tensões em torno dessa novidade, em especial a que opôs jornalistas e académicos, com aqueles a contestarem, por não conhecimento prévio da autorização do curso superior.

Em quatro capítulos, o autor apresenta o ensino em Portugal numa perspectiva histórica, enumerando as iniciativas anteriores, ao passo que o segundo capítulo contextualiza o curso e a relação entre jornalistas e académicos, o terceiro capítulo analisa os acontecimentos em torno do lançamento do curso, os condicionalismos e as reacções e cedências entre os agentes envolvidos e o capítulo final as propostas de curso. A metodologia empregue foi a análise documental e algumas entrevistas. O autor contou com a colaboração do primeiro responsável do curso, Adriano Duarte Rodrigues, o que lhe permitiu reconstituir os passos de organização da licenciatura da Universidade Nova de Lisboa com muita precisão e profundidade. Fico-me aqui pelas tentativas anteriores ao curso de 1979.

A primeira sugestão surgiu em 1941, quando o Sindicato Nacional dos Jornalistas entregou às autoridades o texto do projecto do Curso de Formação Jornalística. O curso proposto teria a duração de dois anos, com disciplinas teóricas, conferências livres e exercícios práticos, além de visitas de estudo a redacções dos meios. Depois, em 1966, o vespertino Diário Popular apresentou uma segunda tentativa de curso, o Curso de Iniciação Jornalística, realizado entre Abril e Maio desse ano, com um objectivo prático: recrutar jornalistas. Francisco Pinto Balsemão foi o idealizador e promotor do curso, que atingiu candidatos com menos de 30 anos, o sétimo ano do liceu e saber uma ou mais línguas estrangeiras, além de poder assistir a todas as aulas. O I Curso de Jornalismo organizado pelo Sindicato Nacional de Jornalistas decorreu durante quatro meses entre 1968 e 1969, com a ideia de lançar uma Escola de Jornalismo. Foi criada uma modalidade de ensino à distância. O sindicato voltava a apostar num modelo  universitário em 1970, com a designação de Ciências da Informação, que não chegou a ir para a frente.

No ano seguinte, em 1971, o ministério da educação aprovava a Escola Superior de Meios de Comunicação Social, aberta no Instituto de Línguas e Administração, escola que pertencia ao Banco Borges & Irmão, entidade que detinha a propriedade de dois jornais, Diário Popular e Jornal do Comércio, e a agência de publicidade Latina. Com a mudança de regime político e a nacionalização da banca em Março de 1975, a escola sofreu muitas dificuldades mas existiu até meados da década de 1980. E houve muita gente com licenciatura dessa escola, reconhecida pelo Estado.

Denoto o modo como Renato Mendes escreve sobre esta escola: "Quanto à criação da ESMCS, esta escola teve existência efémera porque estava subjugada aos interesses do capital, desta vez apoiada pelo governo.  Os interesses do governo mantiveram a escola activa, já que estavam a ser influenciados por um relatório da OCDE, que indicava a necessidade da formação de quadros técnicos" (p. 43).

Sem pretender lançar polémica sobre o livro de Renato Mendes, bem documentado e escrito, não posso deixar de distinguir o título (comunicação social) em contraste com o prefácio de Nelson Traquina ao mesmo livro. O título do livro fala em comunicação social, o prefácio incide em ciências da comunicação ou jornalismo. Na realidade, a designação inicial do curso da Universidade Nova de Lisboa alterou-se de comunicação social para ciências da comunicação, abrindo pluralismo às matérias leccionadas. A par da semiótica e da linguística, áreas mais poderosas no começo da oferta, crescem áreas como publicidade, jornalismo e comunicação empresarial. O prefácio de Nelson Traquina acaba por destacar a formação do jornalismo e a sua base em ciências sociais, como sociologia, história, economia, e disciplinas teóricas como teoria da notícia e ética na comunicação social. Daí para a frente, o prefácio analisa apenas o jornalismo. Ele escreve mesmo: "a Licenciatura em Jornalismo é vital para o desenvolvimento de um campo jornalístico que afirma o seu poder numa sociedade democrática" (p. 15).

A distinção entre comunicação social e jornalismo é algo subtil. Jornalismo é um fazer, que implica códigos de trabalho e produção, comunicação social é a área de actividade que emprega os jornalistas, que estabelece uma ética e uma responsabilidade social. Por outro lado, as duas designações parecem indicar espaço para um verbo e um nome, interligados consequentemente. Se isso for assim, a indicação de primeiro curso deve recuar para a Escola Superior de Meios de Comunicação Social, que não pode ficar na prateleira das tentativas de composição intelectual dos media mas ser uma realização de corpo inteiro. Afinal, os licenciados por esta escola merecem respeito, como Jorge Fazenda Lourenço e José Manuel Lopes, autores do texto "O Ensino do Jornalismo em Portugal" (Educação e Trabalho, nº 21/22, Janeiro-Junho 1982), na altura finalistas do curso.

 

Leitura: Renato Mendes (2012). Os Jornalistas e a Primeira Licenciatura em Comunicação Social em Portugal (1979). Lisboa: Escritório Editora, 235 páginas, 12,90 €

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Notícias sobre um meu homónimo fotógrafo e a RTP

Em 29 de Julho de 1956, no fundo da página 3, o Diário de Notícias publicitava que o fotógrafo Rogério Santos abria um estúdio na avenida de Roma, 89, com o telefone 778969. Não conhecia este meu homónimo, nem tenho dados sobre se ele ainda é vivo. Dias depois, a 15 de Agosto, na página 7, o mesmo jornal tinha um texto com o título Os marcianos invadirão a Terra no dia 7 de Setembro? Não sei se a leitura deste artigo influenciou, ou acelerou, a vontade de José Matos Maia recuperar a narrativa de H. G. Wells (The War of the Worlds, adaptada por Orson Wells no dia 31 de Outubro de 1938), e que ele pôs no ar em 25 de Junho de 1958 na Rádio Renascença.

1956 foi um ano fantástico. O Rádio Clube Português comemorou os seus 25 anos de actividade e fez uma comemoração de arromba, com saudações de escritores, locutores e artistas da rádio (prometo falar disso um dia destes, embora num sentido crítico), a Simca (marca de automóveis) tinha um escritório e vendas na Praça de Londres, nº 7, e tornou-se o primeiro patrocinador do programa da Rádio Renascença Alegria ao Volante, um programa de discos pedidos para quem indicasse a matrícula do seu automóvel e o itinerário que estava a fazer (isto numa altura em que marcas como a Ford, a Citroën e a Mercedes ocupavam as páginas de anúncios do jornal, querendo dizer que a sociedade de consumo crescia).

Foi o ano em que, após 16 anos sem o conseguir, o Futebol Clube do Porto ganhou o campeonato de futebol e a taça de Portugal mas, numa deslocação ao Brasil e à Venezuela, perdeu todos os jogos menos um (o que levou ao despedimento do treinador brasileiro Yustrich, de nome de nascimento Dorival Knipel), e Portugal venceu o campeonato de hóquei em patins em Montreux. Foi ainda o ano em que a TAP abria um concurso para assistentes de bordo, desde que não ultrapassassem os 30 anos e fossem solteiras, e a RTP iniciava a sua programação, a 5 de Setembro. Apesar de não o saber então, o começo das emissões foi a minha melhor prenda de anos. Por isso, é que eu gosto muito da RTP. Em 1956, a RTP era quase toda privada: do capital inicial total, 20 mil contos pertenciam a estações de rádio (dos quais 9260 contos eram do Rádio Clube Português), 20 mil contos ao Estado e 20 mil contos a pequenos accionistas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

História natural

Foucault tem um olhar próprio sobre a História. Lemos dele textos acerca da história das ideias e da história natural. A passagem para o século XVIII é fundamental, considera, pois se forma um novo olhar e uma nova maneira de dizer. As palavras, os textos, os arquivos adquirem outra estatura: são palavras, textos e arquivos de outro tipo. As coisas passam a ser vistas, identificadas e classificadas.

Em As Palavras e as Coisas, depois de escrever sobre o quadro de Velásquez, Las meninas, e da tradição que havia na pintura holandesa do espelho reflectir a cena que víamos mas como duplicado, que na obra do espanhol não existe, por Foucault somos levados à discussão sobre o visível e o dizível. Classificar fica como categoria, com sistema e estrutura a servir de apoio. O lugar da História da idade clássica, escreve, são os espaços claros onde as coisas se justapõem: herbários, colecções, jardins. As curiosidades amontoadas, para satisfazer o desejo da grande compilação de documentos e signos, transformar-se-iam em museus.

"Que cheiro a formol", pensei eu naquele fim de tarde de Outubro de 2009, quando, após a sessão na Universidade Estatal Lomonosov de Moscovo, fomos visitar o museu da Faculdade de Ciências. O formol ou formalina é formaldeído em forma aquosa utilizado como desinfectante para conservar as peles de animais. Ali viam-se búfalos, tigres e muitas aves embalsamadas. Um museu natural é algo estranho, pois a natureza está ali capturada, mas sem vida, o contrário do expresso no texto de Foucault.

O investigador persegue outras colecções: aparelhos de comunicação e media num armário, fotografias de actores, actrizes e realizadores numa parede.

 

domingo, 20 de janeiro de 2013

Poesia

Foi no dia 8 de dezembro de 2012 que, na Livraria Ler Devagar, ouvi dizer poesia. Registei o poema de Francisco José Tenreiro, Canção do Mestiço, dito por Jorge Viegas. Na ocasião, o grupo Poetas sem Rede lançou o CD Deixem Passar a Poesia.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Raymond Roussel

Michel Foucault publicou o livro Raymond Roussel em 1963, faz agora 50 anos. Não se deve ler o texto sobre Roussel por comparação ou complemento a História da Loucura na Idade Clássica (1961), o primeiro grande livro do filósofo francês, mas há uma aproximação a Nascimento da Clínica: uma Arqueologia do Olhar Médico, publicado também em 1963. Neste, regista-se uma mudança de perspectiva da patologia geral para a doença mental.

Ora, Roussel (1877-1933), poeta, escritor, autor de peças, músico e entusiasta de xadrez, descoberto pelos surrealistas como um seu antecessor, caso de André Breton, foi visto como louco. As edições de livros, as encenações dos seus trabalhos e a sua vida faustosa foram suportadas pela fortuna elevada herdada do pai, a ida de Paris para Palermo, onde acabou por morrer (ou ser assassinado), viagem extravagante mas decidida nos seus contornos finais por ele - comportaram sempre situações de desviante ou excluído ou marginal. Tudo assuntos que interessaram a Foucault.

Por isso, ao contrário de outros analistas, Foucault não olhou Roussel através da loucura mas pela leitura da obra, de forma distinta da do psiquiatra Pierre Janet, que conhecia o caso, e da de Michel Leiris, autor muito próximo de Roussel. Este, aos olhos de Foucault, aparece-lhe como uma das vítimas da medicalização moderna da loucura. No primeiro capítulo sobre o autor de Locus Solus e Nouvelles Impressions,  Foucault foi directamente ao seu último texto: Comment J'ai Écrit Certains de mes Livres (1932), obra autorizada a publicar após a morte de Roussel, por vontade expressa deste, onde ele revela o segredo da sua escrita.

Este autor construíra um modelo, um procedimento ou jogos de linguagem, como diz Foucault, em que as palavras assumiam significados distintos sempre que colocados uns a seguir aos outros. Casos de lettres (cartas epistolares ou letras gráficas)  e bandes (pano verde ou selvagens de uma tribo africana de um dos seus textos). Ou: vocábulos emparelhados que formam o eco sonoro de palavras nunca enunciadas (p. 39). Isto é um facto de linguagem, em que palavras idênticas dizem duas coisas diferentes (p. 12). O procedimento é uma espécie de purificação dos falsos acasos da inspiração e da fantasia para se colocar perante uma linguagem clara mas impossível de dominar, continua Foucault (p. 34), embora haja "alguns dos seus livros" estranhos ao procedimento (p. 83), como indicaria o próprio Roussel.

Dito de outro modo: as palavras são como que desviadas do seu sentido primitivo para adquirem um sentido novo (p. 13). É deste espaço de deslocamento que nascem as figuras da retórica: metonínimia, sinédoque, antonomásia, litote, metáfora, uma espécie de espaço tropológico do vocabulário. Depois, cada palavra está associada por um domínio de parentesco (p. 29) - do bilhar passa-se ao taco de bilhar, deste à sua incrustação de metal prateado, às iniciais de quem comprou o bilhar e o taco. Há, comenta Foucault, uma segunda navegação em torno dos objectos, uma narrativa repetida indefinidamente (p. 43), encarregada de restituir aos signos o significado (p. 44), com o labirinto ligado à metamorfose (p. 74). Os efeitos do duplo não deixam de se multiplicar (p. 47).


Além disso, há antifrases, como o desenhador que não reproduziu regularmente as malhas da rede sobre a escama do peixe, como se a função da linguagem duplicada estivesse no pequeno intervalo que separa a imitação do que imita (p. 20). Em Chiquenaude, um espectador que conta a peça compôs um poema que um dos personagens vai recitar várias vezes no palco, mas sucede que este último fica doente pelo que é o seu substituto que lê (p. 22). Fala de objectos nunca vistos ou de máquinas nunca pensadas ou de plantas monstruosas (p. 39). O papel dessas máquinas é fazer passar: transpor obstáculos, atravessar reinos, derrubar prisões e segredos, vencer memórias adormecidas (p. 63). O teatro, os amantes surpreendidos, as substâncias maravilhosas, as personagens mascaradas, os objectos minúsculos, tudo faz parte do repertório de Roussel (p. 23).

Já em Nouvelles Impressions, escreve Foucault, o autor emprega comparações, aproximações, distinções, metáforas, analogias, através de coisas e palavras, com repetições sem fim (p. 19). Nos textos de Roussel, há assim repetições, substituições, retorno do mesmo, diferenças imperceptíveis, desdobramentos, falhas fatais, meticulosidade e concisão, unir e reencontrar (p. 66). Melhor: imagens invisivelmente visíveis, perceptíveis mas não decifráveis (p. 48), em que há lugar privilegiado para a imitação (p. 67). A obsessão de máscaras, disfarces ou duplos e desdobramentos poderia encobrir o talento de imitador que desde cedo se notara nele (p. 141). Talvez por isso, Roussel aconselhasse os seus leitores a lerem a segunda parte das Impressions d'Afrique antes da primeira, de modo a tornar legível o seu conto (p. 64).

Sobre a edição portuguesa Impressões de África, publicada pela Relógio d'Água, retiro o que escreveu Eduardo Pitta (Da Literatura), romance que passou despercebido quando saiu em 1910: "Roussel, que influenciou os surrealistas, os dadaístas, os autores do futuro Nouveau Roman, bem como os artistas e poetas da Escola de Nova Iorque (Kooning, Ashbery e outros), era de opinião que o livro podia, e talvez devesse, ser lido de forma arbitrária, embora aconselhasse os amigos a começar pelo décimo capítulo". 

Roussel vivia à espera de um reconhecimento pela sua obra que acreditava estar injustamente privado. Entende Foucault, em Raymond Roussel, que este, na altura em que redigiu o seu primeiro livro, experimentou uma sensação de glória universal, não um desejo de celebridade mas de constatação física (p. 139). Pierre Macherey, o apresentador da obra de Foucault, lança uma hipótese sobre o que fascinou este ao escrever sobre Roussel, aliás a única obra sobre um autor, um comentário sobre alguém que produziu, contrário ao que ele próprio se dispusera (como se observa em O que é um autor?, a que talvez eu um dia dedique algum espaço aqui). A hipótese é que Roussel consagrou-se a uma obra com tal disciplina, em que cegueira e lucidez parecem conjugar-se em obstinação, excesso e desmedida (p. XIX). Vigiar e Punir (1975) vinha ainda longe, mas a disciplina dos corpos já andava na cogitação de Foucault. E o tema da sexualidade aprisionada fazia também parte do programa de Foucault, como a História da Sexualidade confirmou.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

História do Rádio Clube Português (16)


O texto 16 da história do Rádio Clube Português, de 1 de Dezembro de 1965 (revista Antena, propriedade daquela estação de rádio), manteve o foco no ano de 1938. Aí foram destacados os programas religiosos, a transmissão de concerto de música de câmara do Teatro da Trindade, feita por linha telefónica de Lisboa para a Parede, onde estavam os estúdios da rádio, o teatro radiofónico com o entusiasmo de Manuel Lereno.

Uma referência grande no texto foi dada ao novo emissor de 30 kW (no texto, quilovátios) da CT1GL, o indicativo de então de Rádio Clube Português. Lê-se no texto: "a mais perfeita sob o ponto de vista técnico, a mais potente das emissoras peninsulares e uma das mais potentes da Europa". Custo: mil e duzentos contos, valor elevado se atentarmos a que as rendas de casas em Lisboa andariam entre cem e cento e vinte escudos, continua o texto. Os rendimentos da estação provinham das quotas dos seus sócios (e também da publicidade, que a estação já tinha sido autorizada a fazer publicidade).

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Amour

Dirigido por Michael Haneke, com Jean-Louis Trintignant (Georges), Emmanuelle Riva (Anne) e Isabelle Huppert (Eva), o filme Amour (Amor), conquistou o Prémio de Melhor Filme Europeu 2012 e, agora, ganhou o Globo de Ouro (em Los Angeles) de melhor filme estrangeiro. Conta a história de um casal de octogenários (Georges e Anne), antigos docentes ligados à música e à cultura, ainda frequentadores de concertos e tertúlias. Um dia, Anne teve um derrame cerebral e a história anda à volta da sua degradação física e intelectual, dentro de um ambiente familiar de apoio: Georges reensina-a a andar, a repetir palavras e frases, lutar para que ela se alimente. Ainda falam – mas cada vez menos – de livros, de músicas, de cultura.

É uma história de amor feita de cumplicidades muito antigas. Mas o tempo vai revelando a lenta e irrecuperável decadência de Anne. Por seu lado, Georges é obsessivo na ajuda impossível, minimizando a chamada de atenção de Eva, a filha de ambos, que os visita. No final, vendo que não pode recuperar a velha companheira, o homem mata-a por sufocamento e deixa o seu corpo na cama, rodeado de flores, e calafeta as portas e janelas do apartamento e fecha-as à chave. Ele desaparece, como se os dois fossem para uma longa viagem sem retorno.

As primeiras imagens do filme já nos tinham alertado para o final infeliz, com bombeiros e polícias a procurarem abrir a casa e a tapar o nariz devido ao odor do corpo em putrefacção. Rapidamente percebemos a história, mas o filme é outra coisa: a composição, a harmonia, os jogos de contrários, a metáfora (caso do pombo que entram na marquise, uma vez convido a sair para o pátio, outra vez atraído e amordaçado), a cor e a música. Sim, o filme conta uma história da vida, mas quase banal, mas é sobretudo sobre o encanto da música e da imagem.

Quando saí da sala, vinha incomodado pela história de morte, pela morte em si. Mas, depois, com o frio do entardecer, vi mais claro: a vida é assim, ela também é bela assim. O filme é feito em interiores, o da casa onde o velho casal habita. A porta, o longo corredor que dá para o salão e para a cozinha, de um lado, e o quarto do casal para o outro, a marquise e esses dois espaços onde decorrem as cenas mais fortes emocionalmente: a cozinha, onde a doença de Anne se revela, lugar para um pequeno almoço que não quer terminar, apesar de o espectador estar já a vislumbrar a tragédia, o salão, onde o piano se ergue a um lado e o leitor de CD a outro, este junto às cadeiras onde se travam alguns diálogos.

As estrelas que desempenham os principais papéis têm realmente mais de oitenta anos: Jean-Louis Trintignant nasceu em 1930, Emmanuelle Riva em 1927. Ele caminha com alguma lentidão, as pernas parecem não querer obedecer ao impulso de andar; ela mostra como o corpo envelhece mas não deixa de ser terno, caso do seu perfil nu quando está a ser lavada pela enfermeira.

A actriz portuguesa Rita Blanco aparece no filme, no papel de porteira do prédio onde habitam Georges e Anne, personagem que surge por pouco tempo mas com um lado compenetrado da sua função. O português  é representado (ainda) como subalterno, como trabalhador.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Bonita

Dois casais estão prestes a separar-se. Eles (Rui e Daniel) trabalham num armazém e jogam na equipa da sua empresa, Carla é segurança na mesma empresa, Xana é cabeleireira. Os casais são amigos mas rapidamente a situação se degrada. Rui disse alguma coisa sobre Xana: a cara desta é normal, quando comparada com a beleza da nova colega dos dois homens. Carla disse ouviu e disse a Xana, que iniciou uma discussão que culminou na separação. Entretanto, Carla fica grávida mas Daniel prefere andar com a nova colega, enquanto Xana começa uma nova relação e Rui decide voltar a estudar.

João Lourenço, o encenador, teve algum receio em colocar a obra no teatro. Depois de já ter encenado outras obras de Neil LaBute, arriscou. Em texto do catálogo, João Lourenço escreve: "Como encenador de teatro posso, com isso, prejudicar o meu «prestígio» ou (citando esta peça de LaBute) a «minha imagem», mas é assim que trabalho e gosto de trabalhar". Afinal, o texto do americano (com ascendências canadiana e francesa) traduz a linguagem de uma juventude que procura viver depressa a vida, que frequenta centros comerciais e discotecas e mantém relações pessoais e afectivas sempre em convulsão. Os quatro monólogos dentro da peça ajudam a localizar a atmosfera psicológica de cada uma das personagens, do mesmo modo que o vídeo inicial.

Microcosmos, indica o autor, ou retratos, diz mais adiante, de pessoas que cresceram nas décadas de 1970 e 1980, tempos do "eu" e da "avidez" mas também da deterioração de condições sociais e económicas. Neil LaBute preferia voltar ao tempo do diagrama, da máquina dos negócios, em que as pessoas funcionam como peças dessa máquina, em que são etiquetas, sociedade mais fácil de criticar.

Em Há Muitas Razões para uma Pessoa Querer Ser Bonita, observa-se também o egoísmo do indivíduo, que procura fazer prevalecer posições pessoais mesmo que incorrectas ou exageradas. Daniel torna-se duro para esconder as suas dificuldades e mentiras, Carla revela um sentimento de mesquinhez quando fala da relação acabada entre Xana e Rui, Xana prende-se ao discurso (ao que foi dito)  e mostra-se inflexível, Rui parece afastar-se dos problemas reais pelo refúgio contínuo na leitura. Ao perguntarem se há alguma personagem autobiográfica, o autor diz que não, apesar dele próprio ter tido vários trabalhos braçais, horríveis e duros. Caso da quinta propriedade do pai e onde faziam os trabalhos agrícolas necessários. Mas, em entrevista sobre ele, descreve a relação com o pai e o modo como representa as personagens masculinas, sempre inquietas e possessivas.

A peça tem interpretações de Ana Guiomar, Jorge Corrula, Tomás Alves e Sara Prata. Com dramaturgia de Vera San Payo de Lemos. No Teatro Aberto, em Lisboa.

sábado, 12 de janeiro de 2013

A mala da Pépa

"Os jantares de Natal e Ano Novo de família, da faculdade, do escritório, dos amigos, dos vizinhos, da turma do britânico, de bloggers (why not?), do clube de costura ou até aqueles a que vamos arrastados e nem sequer fomos convidados...são sempre uma óptima oportunidade para exibirmos as nossas últimas aquisições mais fashion forward da estação ou até comprar mais algumas para enriquecer as opções do nosso guarda-roupa. Esta quadra festiva as palavras de ordem são: barroco, cabedal, metalizados, burgundy, matching prints, western, looks monocromáticos, casacos oversized, ankle boots e sapatos masculinos" (http://www.fashionaporterbypepa.com/).

Este é o último post (27 de Dezembro último) colocado no seu blogue pela blogueira mais famosa do país desta semana, Pépa Xavier. Editora, designer, relações públicas e jornalista, como aparece identificada na sua página do Facebook, ela participou num vídeo de promoção da Samsung. Aí, na sua pronúncia de menina da linha de Cascais, disse ambicionar para 2013 uma mala grande da Chanel. Isto provocou uma crítica cerrada nas redes sociais (leia-se Facebook). Formaram-se comunidades contra e a favor. Deste lado, registo a "Página de apoio a Pépa Xavier. A rapariga quer este ano uma mala , e depois? Qual é o mal disso? Aposto que há muita gente dava tudo para ter um I-PHONE ou algo mais dispendioso, e não podem. Mas se ela pode, porquê tanta polémica"?

Lúcido como sempre, registo o texto de Miguel Gaspar no Público: "A Samsung ficou incomodada com o efeito negativo da sua campanha, que foi vítima do preconceito social contra as "queques" e as "pseudoqueques" que falam "à tia". Esse preconceito é profundamente moralista e autoritário: é crime sonhar com uma mala Chanel em tempos de crise. Mesmo que continue a haver pessoas que sonham com malas Chanel ou outra futilidade qualquer, é preciso pôr a máscara e dizer que se tem piedade dos pobrezinhos ou se é contra o capitalismo. Por isso, a única coisa censurável que a Samsung fez foi retirar a sua campanha e ceder a uma pressão pública que num certo sentido é uma forma de censura". No mesmo texto, Gaspar faz alusão ao cão de nome Zico que matou uma criança e mais de trinta mil pessoas pretendem salvar a vida do cão.

Estamos tramados, parece. Após o Rúben ter levado a melhor sobre a Mara na Casa dos Segredos, do governo insistir que há necessidade de um corte de quatro mil milhões de euros nas despesas do Estado sem explicar bem, no dia em que Mário Soares deu entrada no hospital da Luz e quase trezentos comentários já chegaram à caixa electrónica do Público sobre essa informação porque ele devia ir para um hospital público, dizem, só nos faltava uma mala Chanel e um cão assassino.

Frivolidades ou estado de espírito colectivo?

Fonte Luminosa

A Fonte Monumental da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, mais conhecida como Fonte Luminosa, voltou a funcionar, depois de uma paragem de mais de cinco anos. Ela fora inaugurada 30 de Maio de 1948, para comemorar a entrada das águas do vale do Tejo na cidade. Autores do projecto: Carlos e Guilherme Rebelo de Andrade. Escultores: Diogo de Macedo, Maximiniano Alves. Ceramista: Jorge Barradas.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Serviço Público de Televisão (XII)

Nos dias mais recentes tem havido muitas notícias sobre a RTP. Quase todos os dias essas notícias são diferentes e algo contraditórias entre si, o que levanta questões sobre a origem das mesmas e quais os interesses que as mesmas servem.
 

A 3 de Janeiro, o Público fazia as contas das audiências de televisão, que teriam subido de quatro horas e 36 minutos em 2011 para cinco horas e trinta e três minutos em 2012, um aumento apreciável de consumo. Os especialistas consultados pelo jornal indicavam que, com a crise, as pessoas ficam mais tempo em casa e o entretenimento e a procura de notícias sobre a própria crise explicavam tal crescimento. Com bom senso, a jornalista encontrava outra explicação: a mudança da medição de audiências. No fim de contas, a TVI passou de 25,7% para 24,2%, a SIC de 22,7% para 21,6%, a RTP de 21,6% para 13,9% e o cabo de 25,4% para 36,8%. O serviço público baixava cerca de um terço e as telecomunicações com a televisão por cabo arrecadavam a liderança. Na passagem de fim de ano, o programa da TVI arrasara: a disputa entre Rúben e Mara, da Casa dos Segredos, rendeu uma média de 1,8 milhões de espectadores.

O presidente da RTP indicara que a decisão sobre a privatização da empresa seria discutida e conhecida no dia 10 (hoje). O gabinete do ministro da tutela desmentiria esta informação, dizendo que quem marca a agenda é o conselho de ministros e não o responsável da RTP (Público, 4 de Janeiro). No dia seguinte, o Expresso contava que o dossier da RTP já não estava nas mãos do ministro da tutela mas directamente nas do primeiro-ministro. A pressão do parceiro da coligação (CDS) sobre a não privatização da RTP era relevada.

A 8 de Janeiro os jornais destacavam a nova grelha da RTP a arrancar na próxima semana. Com mudanças profundas da grelha (80% de programas novos), forte aposta na produção nacional e números (custo: 55 milhões de euros, menos 20% que em 2012). Concursos no horário nobre acabam, mantendo-se apenas o Preço Certo. O noticiário principal (Telejornal) diminui para a duração de 40 a 45 minutos, a que se segue o programa 360% (tema do dia).

Ontem, era noticiado o aumento de capital da RTP em 344,5 milhões de euros, aprovado pelo governo em Dezembro último.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

II Congresso Anual de História Contemporânea

A Rede de História Contemporânea, constituída por diversos centros de investigação nacionais, vai realizar o II Congresso Anual de História Contemporânea, nos dias 16 a 18 de Maio de 2013, na Universidade de Évora, organizado pelo Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência (CEHFCi), da Universidade de Évora, e pelo Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM), das Universidades do Porto e do Minho. Ver mais em http://congressohc2013.blogspot.pt/.

As emissões da Rádio Universitária do Minho

A Rádio Universitária do Minho tem vindo a ter cortes de emissão devido a cortes de electricidade. Tal resulta de uma disputa com a Rádio Antena Minho. Desde o começo da década de 1990, as duas rádios partilham instalações em Santa Marta das Cortiças e, a partir de 1997, também com a Rádio Comercial, partilham também os respectivos encargos. As divergências entre as duas estações de rádio surgiram em 2008 por causa da propriedade do emissor de Santa Marta das Cortiças. A Rádio Antena Minho outorgou uma escritura de justificação notarial, para efeitos de registo de aquisição, por usucapião, do prédio no qual se encontrava instalado o emissor, declarando-se legítima possuidora, com exclusão de outrem, e há mais de vinte anos do imóvel. A RUM impugnou judicialmente a dita escritura de justificação notarial, no Tribunal Judicial de Braga, mas a sentença proferida em Junho de 2012 atribuiu a propriedade do espaço à Rádio Antena Minho. A RUM interpôs recurso, aguardando a decisão. Entretanto, os cortes de electricidade sucedem-se e as emissões da estação não são regulares.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Pedro Amaral e Rui Manuel Amaral lêem as “Notícias em três linhas”, de Félix Fénéon, traduzidas por Manuel Resende

Próximo sábado, 12 de Janeiro, pelas 17h00. Gato Vadio (rua do Rosário, 281, Porto).

"Felix Fénéon (1866-1944), é um paradoxo andante: funcionário público no Ministério da Guerra, era também jornalista, anarquista e crítico de arte; editor de Mallarmé e Rimbaud, e modelo, diz-se, do Monsieur Teste de Valéry, ele, a quem todos os escritores do tempo muito ficaram a dever (assevera André Gide), passou na vida sem deixar obra literária. Não deixou obra, mas, ao lermos as suas "Notícias em Três Linhas", sentimos uma quase impressão poética. São simples "casos do dia" espremidos para as "breves" do jornal "Matin", entre Maio e Novembro de 1905, e editadas em livro muito mais tarde por Jean Paulhan. Outros fizeram "breves" como estas, outros salpicaram de humor as aventuras irrisórias da gente mais ou menos comum - mas talvez ninguém como ele tenha levado a brevidade às portas da poesia e às alturas dum sarcasmo frio como as bombas sem explosivos ("As bombas de Fénéon são os seus artigos", dizia Mallarmé)".

Manuel Resende

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=ZkXcnDGEUDU

Teorias da Comunicação (2)



A segunda teoria que retiro do sítio http://www.utwente.nl/cw/theorieenoverzicht/ é a do enquadramento nas organizações [framing, em inglês]. O conceito de enquadramento é relacionado com a tradição do agendamento, mas alarga o seu âmbito. Assim, pelo enquadramento entende-se que os media focam a sua atenção em determinados acontecimentos (agendamento) e lhe atribuem um significado, pelo que o impacto do conceito é elevado. Se os media atribuem interesse a alguns acontecimentos, tornados notícias, isso leva as pessoas a pensarem nesses tópicos e acontecimentos (e a negligenciar, certamente outros). É uma espécie de pensamento do agendamento, com este a poder ser uma escolha dos jornalistas, mas também de fontes políticas ou da opinião pública, que constituem os organizadores [gatekeepers, em inglês] da informação. Estes produzem e as audiências recebem e consomem. O enquadramento é, portanto, uma noção abstracta que serve para organizar e estruturar os significados sociais. É, igualmente, a qualidade da comunicação que leva a que se aceite um significado em vez de outro. O que implica um efeito profundo da forma como os membros de uma organização compreendem o mundo. O enquadramento consiste em três elementos: linguagem, pensamento e previsão. A linguagem ajuda-nos a compreender ou lembrar uma informação e age na transformação de uma situação. A linguagem conduz ao pensamento e reflecte a nossa perspectiva de ver o mundo. Pela previsão, há uma antecipação ditada pela experiência anterior e que nos conduz a um novo enquadramento. Alguns dos enquadramentos incorporam metáforas, histórias (mitos, lendas), tradições (ritos, cerimónias), slogans e ideias âncora, artefactos, contraste. Os enquadramentos incluem ideias como guerra fria, guerra contra as drogas, batalha contra o cancro.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Jeff Buckley

Jeff Buckley lançou em 1994 o álbum Grace ("There's the moon asking to stay / Long enough for the clouds to fly me away / Well it's my time coming, I'm not afraid to die / My fading voice sings of love, / But she cries to the clicking of time", da letra de Grace, dele e de G. Lucas). Ouvida a versão tocada no concerto em Paris, no Olympia, no ano seguinte, ela soa a um enorme grito - de liberdade, de imensidão, de amor. Não deixo muito tempo sem a voltar a ouvir mais o seu lancinante Hallelujah (Leonard Cohen), a versão mais poderosa que conheço desta canção.

Além destas e de outras músicas, ele cantou Je n'en connais pas le fin ("I used to know a little square / So long ago, when I was small /All summer long it had a fair /Wonderful fair with swings and / All I used to love my little fair /And at the close of every day / I could be found, dancing around / A merry-go that used to play / Ah, mon amour / À toi toujours /Dans tes grands yeux / Rien que nous deux"). O Olympia era uma sala de referência para Beckley: ali tinham cantado ou tocado Edith Piaf e os Velvet Underground, que ele adorava acima de tudo. Por outro lado, ele não compreendia o enorme sucesso que tinha entre os franceses. Talvez o respeitassem pela poesia e pelo lirismo das suas canções. Estava a habituar-se a pequenos concertos dados pela América onde se misturavam o entusiasmo e a crítica. Mas os dias 6 e 7 de Julho de 1995 na cidade francesa representariam pontos altos da sua carreira.

Antes, passara pela mesma Paris, em Fevereiro de 1995, no Bataclan, e participaria, após o Olympia, no Festival de Música Sacra em Saint-Florent-le-Viel. Cantaria depois do músico do Azarbeijão Alim Qazimov, cuja voz e tambor assustaram Beckley a ponto de querer anular a sua participação. Acabaram os dois por cantar What Will you Say ("Mother dear, the world's gone cold / No one cares about love anymore / What will you say / When you're seen my face 7 Father do you owe me / Do you know me / Do you even care / What will you say /When you're seen my face").

Quando voltou aos Estados Unidos, Jeff Beckley já tinha vendido meio milhão de discos, mas apenas um terço no seu país. Após uma vida de errância, procurava a estabilidade. Ele acabou por morrer afogado no rio Wolf, um afluente do rio Mississipi, em Memphis, em 1997, quando tinha apenas 30 anos e estava a preparar o seu segundo disco, seguindo uma maldição de família: o seu pai Tim também morrera muito jovem.

 Agora, diz uma notícia, a vida do cantor vai ser ponto de partida para três filmes este ano, um deles baseado na biografia oficial (Mistery White Boy), de Jake Scott, com produção executiva da sua mãe, Mary Guibert.

Ver mais informação sobre o cantor em http://www.jeffbuckley.com/.

[texto a partir do livro que acompanha o disco Live a l'Olympia]

Isto é que me dói

O actor José Tiago está doente com uma úlcera. Entra no hospital e contesta os regulamentos: quer a porta fechada (para evitar ruídos do exterior), quer afixar na parede o quadro de um casal nu, quer um analgésico mais forte. Discute com os enfermeiros, a enfermeira-chefe (uma religiosa), o médico, o director do hospital, com argumentos imbatíveis.

O médico é a personagem que mais se opõe ao actor. Para aquele, o seu saber é científico, ao passo que o actor tem um saber feito de empiria, é um mero produtor de enunciados. Ele critica a anterior vida desregrada do actor (fumo, bebidas, sexo). Acusa-o e diz que o problema dele é um pulmão infectado pelo consumo de tabaco e drogas ilegais. O controlo do corpo em duas perspectivas antagónicas segundo o médico e segundo o doente. Em jogo, está um saber contra um poder, como escreveu Michel Foucault.

Tudo muda quando o actor revela ser licenciado em medicina mas não se intitular médico por não exercer a profissão. Agora, a discussão centra-se em torno do problema físico de um colega. Perversidade ocasionada pela alteração da renomeação de um saber superior, se voltarmos a Foucault.

A comédia de Paulo Pontes, Isto é que me dói, fora interpretada em 1977 por Raul Solnado, actor que fundara o Villaret. José Raposo, que veste a pele do actor num hospital, presta-lhe homenagem antes da peça começar. Outro palco de teatro e outros espectadores, muitos anos depois, apreciam a mesma peça. Apesar de ficção, a história podia ser real. O hospital, assim como a escola, a prisão e o quartel são formações disciplinares, em que regras e punição estão sempre presentes, ainda para regressar outra vez a Foucault.

Além de José Raposo, a peça conta com Sara Barradas, Fátima Severino, Miguel Raposo, Ricardo Raposo, Joel Branco e Joaquim Nicolau, e é encenada por Francisco Nicholson. Sala a precisar de mais espectadores, apesar da graciosidade e leveza da comédia, com o actor principal, no final da representação a saudar Ada de Castro (1937), a fadista e actriz que estava ao nosso lado mas que nós não identificáramos.

sábado, 5 de janeiro de 2013

II Congress of History and Sport - Call for papers

May 30 and 31, 2013

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
Lisbon, Portugal

Call for papers

Organization
Grupo de História e Desporto (Group for History and Sport), from the Instituto de História Contemporânea (IHC) of Universidade Nova de Lisboa and Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX of Universidade de Coimbra – CEIS20.

International Congress with papers accepted in Portuguese, English, Spanish and French.

Proposal submissions until February 15, 2013 to: historia.desporto@gmail.com
Submission results: March 15, 2013

Proposals: title, abstract (500 words), 3 key-words and curriculum (200 words)

Goals
The Grupo de História e Desporto (Group for History and Sport – GHD) gathers researchers from several institutions, with the main goal of promoting cooperation, research and studies in the field of sport history. The GHD also organizes events for History and Sport at the national and
international levels. In the Portuguese case, the interest in the history of sport is an important research focus. The GHD also organizes an annual congress, whose goal is the discussion and the production of knowledge in the various aspects of the intersection of history and sport. The theme for the 2013 congress is the Sport in the Ibero-american Space.

Subject
In 2013 is the centenary of the Portuguese-Brazilian relations in football, a very important issue in both countries – in 1913 a Portuguese football team visited Brazil for the first time in history. To mark these event and to promote a sport history research about the international relations between Iberian Peninsula and American countries, the II Congress of History and Sport will be dedicated to Sport in the Ibero-american Space, in different perspectives in sport, including social, economic, political, religious, media, culture, ethics, cultural, artistic, structural and others.

Call for papers
We seek abstracts of no more than 500 words from persons interested in participating in the II Congress of History and Sport. Please include three key words related to your proposed paper, a brief curriculum vita, academic affiliation and contact information (including email and telephone). Papers can be presented in Portuguese, English, Spanish and French.

Proposals should be submitted via email to: historia.desporto@gmail.com

Important dates in 2013
February 15 – Closing deadline for proposals
March 15 – Notification of abstract acceptance
May 1 – Final program announced

Fees: 25 euros and 10 euros (students)

Organizing Committee
Francisco Pinheiro, CEIS20 da Universidade de Coimbra
João Tiago Pedroso de Lima, NICPRI da Universidade de Évora
Manuela Hasse, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa
Maria Fernanda Rollo, IHC/FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Nuno Miguel Lima, IHC/FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Rita Nunes, Academia Olímpica de Portugal/Confederação do Desporto de Portugal

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Simplesmente Maria

No passado dia 29 de Dezembro de 2012, a SIC Notícias, no programa Perdidos e Achados, passou um documentário dedicado a "Simplesmente Maria", o folhetim radiofónico de maior sucesso (acedido em 1 de Janeiro de 2013), de onde retiro todo o material deste texto. Emitido pela Rádio Renascença a partir de Março de 1973, das 13:30 às 14:30, teve duzentos episódios, que passaram para além do 25 de Abril de 1974, data da mudança de regime político no país, o que fez perigar a continuação da radionovela. Esta contava a história de Maria Ramos, uma rapariga de 20 anos, analfabeta e com oito irmãos, chegada de uma pequena aldeia a Lisboa para trabalhar como empregada (criada de servir, na designação da época), enviando todo o dinheiro ganho para a família.

Maria (interpretada por Francisca Maria, já falecida) acabaria por conhecer um jovem de boas famílias a acabar medicina, Alberto (João Lourenço, actual responsável pelo Teatro Aberto), de quem engravidou e teve um filho, Tony (interpretado por Carlos Queiroz, a trabalhar actualmente no Reino Unido) [Francisca Maria, na imagem]. A família de Alberto, que condenou o romance entre ele e Maria, mandou-o para África. Outras personagens principais seriam a patroa de Maria (Adelaide João no papel), Teresa, a criada da casa ao lado (com Mimi Gaspar no papel), Carlos, o amigo de Alberto (desempenhado por Rui Mendes), que namorava Teresa. Se Teresa critica a jovem criada de trabalhar muito e lhe dava dicas para se relacionar com a patroa, Carlos gracejava sobre os avanços da conquista de Alberto.

A radionovela traçava uma realidade social das décadas de 1950 e 1960, quando jovens mulheres arribavam à grande cidade para trabalhar em casas abastadas. Na história, Maria, por exemplo, trazia uma autorização do pai para trabalhar, marca significativa da época e da condição da mulher. Original da Argentina, com Tomé de Barros Queiroz como produtor e Paulo Renato como director, a radionovela teve um enorme impacto na sociedade portuguesa em grande transformação. Na altura, as alterações tecnológicas favoreciam a escuta, sendo habitual as pessoas levarem os seus pequenos rádios transistorizados ao ouvido, como hoje se vêem as pessoas a telefonar.

Não se conhecia a identidade das personagens. Esse segredo aumentava o mistério e a curiosidade em volta de Simplesmente Maria. Só agora é que se terá revelado publicamente o nome de Francisca Maria, então com 29 anos, no papel de Maria Ramos. Mas, na época, o nome do actor que desempenhava o papel de Tony, o filho de Maria, foi revelado acidentalmente. Carlos Queiroz casou-se (na vida real) com Rossalyn Edwards e a revista Plateia conseguiu revelar que ele era a personagem Tony, o que o obrigou a pedir desculpas a toda a equipa de produção da radionovela, por ter quebrado a obrigação de não mostrar a sua identidade.

Então, Francisca Maria vinha dos programas radiofónicos infantis da Emissora Nacional, Mimi Gaspar, a mulher do produtor Tomé de Barros Queiroz tinha 40 anos e uma actividade ligada ao canto lírico e ao teatro e João Lourenço e Rui Mendes eram já dois actores confirmados. A história, como escrevi acima, provinha da Argentina, assente em contornos reais, com a verdadeira Maria a chegar a ser proprietária de lojas de roupa, depois de se dedicar à costura, recebendo apoio de um homem mais velho.

A radionovela passou a telenovela no Brasil, através da TV Tupi, ao cinema em Espanha e a história de Maria também chegou à Rússia. Em Portugal, a presença de uma criança na história levou a que a produtora (e a Renascença) recebessem presentes, como brinquedos, cartas e dinheiro. A Maria, por seu lado, eram enviadas máquinas de costura, para ajudar na sua nova carreira.

Em 1973, a radionovela foi acompanhada pela produção de uma revista semanal, ao passo que a cantora Tonicha fazia sucesso com a cantiga Simplesmente Maria, uma adaptação do original.

A peça transmitida na SIC tem a duração de 17:03 e é de autoria da jornalista Isabel Osório.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A intimidade nos media

O que é a intimização? Para Stanyer, que trabalha em Intimate politics (2013) no domínio dos actores políticos, o conceito começa no modelo de esferas ou arenas em que o político actua (pp. 12-13; p. 152). São três as esferas: privada, público-popular, instituições e processos políticos.

Intimização é o processo da narrativa do relato público de actos de intimidade, neste caso de políticos. Pode também se aplicar a personalidades célebres ou celebridades. A informação do (e sobre o) político circula continuamente entre estas esferas. Inclui não apenas a vida interna (e os seus pontos chave como aniversários), a relação com colegas e familiares (incluindo relações extra-conjugais) e espaço da vida pessoal (lar, férias).

A intimização é a publicitação da informação e das imagens destes três domínios (p. 15). A vida privada dos políticos tornou-se um facto da comunicação política em muitas das democracias mais avançadas do mundo. O autor opera com um quadro que inclui escândalo, consenso e dissensão, pelo que a intimização envolve os fluxos de informação pessoal não escandalosa, com divulgação de actividades pelos media, e informação escandalosa sem o consentimento do político visado (p. 17). Ele fornece uma análise comparativa de sete países: Alemanha, Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido. Stanyer, na sua investigação, separa os Estados Unidos e o Reino Unidos dos restantes países. Isto porque aqui o nível de exposição consensual e de escândalo é mais elevado, com os media desses dois países a considerarem que os assuntos pessoais dos políticos têm um elevado interesse jornalístico (p. 153).

A intimização existe num universo em que os políticos estão envolvidos numa cultura voyeurística, uma cultura de imagens e informação reveladas sobre os outros, uma atmosfera de total exposição, em que não há espaços para segredos (p. 19), que os media exploram para proveito próprio (venda de mais exemplares, concorrência de mercado). A isso, Stanyer chama cultura do voyeurismo ou terapêutica (p. 20). Do político, espera-se que saiba adaptar-se, sobreviver e viver nessa revelação permanente da sua vida face às expectativas dos outros (os votantes, os simpatizantes e os opositores).

Um assunto transversal ao livro é o do relacionamento sexual dos políticos, extra-marital ou de orientação sexual (p. 154). Países como a Alemanha, nos anos estudados por Stanyer, são menos atreitos a notícias que países como os Estados Unidos e o Reino Unido. O anterior presidente francês, Sarkozy, emergiu em termos de revelações da sua vida íntima, quando se divorciou e voltou a casar, fenómeno menos jornalístico que nos países de língua inglesa, observa Stanyer. Este indica diversos factores: as tecnologias da comunicação (a internet permite libertar rapidamente as informações mesmo que escandalosas), a tabloidização, a combinação de condições micro e macro relacionadas com os media, o ambiente político e elementos sociais e culturais.

A incursão no domínio privado foi lamentado pelos teóricos clássicos como Hannah Arendt e Richard Sennett, pois a revelação de gostos pessoais significa a transformação da esfera pública num espectáculo mediático, com despolitização da sociedade civil (p. 161). O livro fornece um olhar científico sobre as fronteiras, e a sua atenuação, entre esfera pública e esfera privada dos políticos. O estudo comparativo permite ver quais foram as reacções de políticos como Tony Blair ou Silvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy em dados momentos da sua vida política.

Questões metodológicas são levantadas na investigação (pp. 26-27): estudam-se apenas os líderes nacionais ou também os líderes dos principais partidos? Que períodos de amostragem, apenas os das eleições? E examinam-se todos os media, incluindo a internet? E como se forma o tom de análise em termos de escândalo ou informação de consenso?

Fico com a leitura de Berlusconi, cujas revelações sobre actividades extra-conjugais se ampliaram em 2009 e 2011. Já em 2009, a sua mulher Veronica Lario publicitara a sua separação do primeiro-ministro e empresário dos media (p. 119), usando os media de oposição a Berlusconi, La Repubblica e La Stampa (e ainda Corriere della Sera). Stanyer segue o texto essencial de Hallin e Mancini sobre os media europeus, autores que chamaram a atenção para a polarização dos media italianos entre esquerda e direita. Isto é, em Itália há um sector de imprensa hostil a Berlusconi, garantia para a exposição da posição de Veronica Lario. Mulheres como Noemi Letizia, que chamara papi a Berlusconi, Patrizia D'Addario, a quem aquele dissera para o esperar na cama de Putin enquanto ele tomava um duche (o presidente russo oferecera-lhe uma cama) ou Ruby "Corta-corações" (ou Karima el-Mahroug ou Ruby Rubacouri), conhecida das festas bunga-bunga (pp. 120-121), permitiram fortes críticas na imprensa nacional e internacional.

Mas Stanyer vai além e conclui que os processos de intimização de Berlusconi não partem de pesquisa dos media mas de investigação judicial, como foi o caso bunga-bunga, pois em jogo estava o facto de Berlusconi pagar relações sexuais com menores (abaixo dos 18 anos). Na linguagem do autor, são factores micro ou macro sociais e culturais que alargam esta esfera da dissensão e da intimização.

James Stanyer é docente na Universidade de Loughborough, onde ensina na área de estudos dos media. Um seu livro anterior, The creation of political news. Television and British party political conferences (2001), foi um instrumento inspirador para uma investigação que eu e duas colegas fizemos em 2001-2002 sobre partidos políticos, congressos e televisão. Mais tarde, Stanyer participou numa conferência internacional organizada pelo CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo).

Leitura: James Stanyer (2013). Intimate politics. Cambrige e Malden, MA: Polity, 225 p.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O encanto do museu Machado de Castro

Muito recentemente, o Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra) reabriu as suas portas. Tem uma magnífica colecção de escultura, com imagens esculpidas em pedra, madeira, marfim e barro. Muitas dessas obras foram retiradas de antigas igrejas ou conventos e aqui enquadradas, com uma forte visibilidade e destaque. Relevo ainda a ourivesaria, a pintura, a joalharia e os têxteis.

As obras do renovado museu percorrem um longo período histórico, com particular incidência na idade media, no renascimento e no barroco, além dos contactos com outros povos e culturas, como é o caso da indiana. Uma tapeçaria preencheu o meu encanto, como aliás deixei entrever em texto aqui (22 de Julho último), sob o título de viagem no museu:

"Hoje, no museu Machado de Castro, a viagem foi dada pela leitura das imagens de uma colcha indo-portuguesa do século XVII, que pertence à colecção de têxteis do museu. O pano e o seu bordado serviram de elemento físico e pretexto para compreender a viagem, o sincretismo das culturas portuguesa e indiana, a influência religiosa do cristianismo e do budismo, as histórias que uma tapeçaria nos conta como se fosse uma banda desenhada no corpo de linho bordado a fios de seda. Cultura e arte (também visíveis num objecto de uso comum como uma colcha, toalha ou tapeçaria), comércio e poder (trocas económicas e supremacia política e militar), tecnologia (da caravela à nau), religião (a conversão ao cristianismo) e procura intensa de produtos daquelas terras longínquas da Ásia que os portugueses trouxeram para a Europa em concorrência com outras rotas (como a da seda), em termos de especiarias mas também objectos estranhos à nossa cultura".