quinta-feira, 30 de junho de 2005

NEGÓCIOS DA CHINA

Durante muito tempo, negócios da China era uma expressão que significava fazer um bom negócio. Talvez por influência de Macau, enclave chinês sob administração portuguesa até ao final do século XX. Daí também se falar em árvore das patacas, fruto da grande movimentação de dinheiro, dado Macau ser uma zona de muito jogo (e outras actividades) [a moeda local chamava-se pataca]. Nos últimos anos de administração portuguesa do território, os funcionários públicos e outros empregados destacados em comissão de serviço no território regressavam com dinheiro e com redes de amizade. Estas eram úteis quando um deles alcançava ou era nomeado para um posto importante na administração pública ou numa empresa. Funcionava o espírito do grupo de Macau - ninguém se esquecia de quem ali estivera.

Nos últimos anos, houve uma inversão de valores e conceitos. O que vem da China é mau: os produtos baratos competem com os nossos e deitam abaixo empregos e empresas. Muitas empresas deslocalizam-se para aquele enorme país. De bom negócio com a China passou-se ao oposto.

Vem agora a campanha do banco Santander. Não sei a proposta do banco, mas quando diz Ganhar é lucrar com a China deve estar a propor voltar à fase dourada em que tudo o que vinha daquela zona do Globo era útil e interessante para os nossos negócios. Vou investigar!
A EMISSORA NACIONAL SEGUNDO NELSON RIBEIRO

O autor distingue três períodos na vida da Emissora Nacional (EN) desde o seu arranque até ao final da Segunda Guerra Mundial: 1) de 1933 a Julho de 1935, 2) de Agosto de 1935 ao final de 1940, e 3) de 1941 a Fevereiro de 1945. Período experimental, posse de António Ferro como dirigente máximo da EN e alteração de programação atendendo à próxima derrota da Alemanha na guerra são elementos determinantes dessas três fases da estação oficial.

Nelson Ribeiro entende que Salazar não deu muita importância à radiodifusão; daí o atraso na constituição da rede de onda curta para irradiar programas e propaganda até às colónias. Contudo, e apesar disso, houve um controlo político sobre todos os que falavam ao microfone, tendo de perfilar o ideal do Estado Novo. Momentos marcantes da EN seriam os começos da Guerra Civil de Espanha (1936) e da Segunda Guerra Mundial (1939). Apesar da neutralidade, a EN tendeu para as forças nacionalistas de Franco e houve uma permissibilidade à transmissão de notícias do país de Hitler.

O estudo agora lançado faz também luz da importância de António Ferro, o ideólogo do regime, o da política do espírito. Referência às outras estações importantes da época - Rádio Clube Português e Rádio Renascença -, análise da programação da estação do Estado e um forte enquadramento teórico da propaganda como gestora da ideia de emissora do regime são outros dos contributos do livro de Nelson Ribeiro. A meu ver, imprescindível a sua leitura para quem queira estudar o período entre 1933 e 1945, em especial a radiodifusão portuguesa.

quarta-feira, 29 de junho de 2005

LIVRO A EMISSORA NACIONAL NOS PRIMEIROS ANOS DO ESTADO NOVO 1933-1945

De Nelson Ribeiro (ed. Quimera) - lançamento hoje, pelas 18:30, na Universidade Católica Portuguesa (Lisboa).

Espero escrever algumas linhas acerca do livro, mal o consiga ler (embora eu conheça já a tese de mestrado que deu origem ao livro, e que já comentei aqui no blogue).
JOSHUA BENOLIEL NA LISBOAPHOTO 2005

[imagem parcial da fotografia de Joshua Benoliel - "Embarque do Corpo Expedicionário Português para a Flandres", 1917 - retirada do álbum LisboaPhoto 2005, p. 62]

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Chovera ou prometia chover e era Inverno. As duas mulheres à esquerda transportam guarda-chuvas e os seus casacos compridos estavam abotoados. O chão parece um pouco enlameado, devendo sujar os sapatos de fivela e, presumo, de pequeno salto de ambas as mulheres. Atrás, uma terceira mulher tem um rosto mais entristecido. De lenço negro, possivelmente já se havia despedido do namorado ou marido, a caminho da Flandres, onde muitos portugueses morreriam na frente da batalha (La Lys, 9 de Abril de 1918). Talvez o namorado fosse o soldado de bigode que vemos à direita, cabisbaixo, já a caminhar.

O rapazio, do lado esquerdo da imagem, acompanha a marcha dos soldados entre o medo e o espanto da movimentação. Verifico a cor da pele deles, muito meridional. Mas fixemo-nos agora no casal da frente.

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A rapariga, de rosto muito fino e estatura mediana, tem os olhos semicerrados. O soldado pega meigamente no queixo da mulher prestes a rebentar em choro, após o último beijo. Eles sabiam que a despedida podia não ter regresso. Na mesma mão onde segura o guarda-chuva, tem um pequeno embrulho preso por corda. Não se sabe se o embrulho se destinava ao soldado, já de mochila às costas, de um pequeno haver dela ou de peça de roupa para entregar a uma cliente (efabulemos que ela era costureira).

À parte estes dramas pessoais, o quadro deve ser compreendido ao nível mais vasto da sociedade. Depois de se ter comprometido com o país que não enviaria tropas para a frente da batalha da Primeira Guerra Mundial, Afonso Costa, primeiro-ministro, mudou de ideias. O país atravessava uma conjuntura política e económica difícil; melhor não ficou, arrastando-se por entre o descontentamento e a escassez de bens de primeira necessidade, enquanto chegavam as notícias das primeiras baixas em combate. A repressão interna teve lugar no Verão e Outono desse mesmo ano de 1917. No final do ano, Sidónio Pais assumia o poder, instaurando uma ditadura militar (no final de 1918, Sidónio seria assassinado).

Possivelmente, o namorado daquela mulher ainda muito jovem (19 anos? 20 anos?) não regressou ao cais da estação de Santa Apolónia. Qual terá sido o percurso da rapariga? Arranjou outro namorado, casou e teve filhos? Ou ficou viúva para toda a vida? Que alegrias teria, passados os anos de juventude?

A acompanhar as fotografias de Joshua Benoliel há um texto de Emília Tavares, em português e inglês. Retiro um pequeno excerto: "As imagens que este novo tipo de jornalismo [em cujo fotojornalismo se insere Benoliel] produziu são o reflexo de uma nova relação visual na sociedade de 1900, em que a cultura urbana, com todos os elementos a ela associados (comércio, transportes, lazer, movimento, luz, trânsito, arredores, favorecidos, desfavorecidos, vistas gerais, pormenores, lapsos de tempo, revoluções, homenagens, escala humana, signos), participou de forma imbricada e determinante".

Esta e outras imagens de Benoliel podem ser vistas na Cordoaria Nacional (relevo para imagens do rei D. Carlos e família e implantação da I República), juntamente com filmes do começo do século XX, integradas na LisboaPhoto 2005, cujo álbum reproduzo abaixo a capa [Hannah Starkey, The dentist, 2003, prova cromogénea, Interim Art/Maureen Paley, Londres] (assim como o do Salão Lisboa 2005, de ilustração e banda desenhada).

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terça-feira, 28 de junho de 2005

GANHAR PRÉMIOS EM RÁDIO É BOM

Eis a conclusão a tirar da notícia de hoje do Media Network Weblog, sobre as medalhas ganhas pela secção inglesa da Radio Netherlands. Foram seis medalhas no prestigiado concurso Radio Programming and Promotion do Festival de Nova Iorque, que reconheceu "o melhor trabalho mundial" em rádio. Um painel de especialistas internacionais teve como variáveis de análise: valores de produção, organização, apresentação da informação, criatividade e uso do meio.

O anúncio dos vencedores ocorreu ontem, no 24º festival de Programas de Rádio Internacional, em Nova Iorque.
ROTEIRO CULTURAL ATINGE CEM NÚMEROS

O 30 Dias em Oeiras atinge o 100º número. Parabéns à autarquia de Oeiras pela informação mensal que presta aos seus munícipes. Haverá uma comemoração a 8 de Julho.

Do programa cultural do presente mês, e que consta na edição nº 99, pode ainda ver o filme Mar adentro, de Alejandro Amenábar, no cine-municipal (auditório Eunice Muñoz), hoje a partir das 18:00, com preços oscilando entre €2 e €3, ou visitar o Projecto Terminal (hangar K7, Fundição de Oeiras).
NOTÍCIAS DE JORNAIS


1) O adeus às cassetes (Diário de Notícias, 27 de Junho)

O texto de Nuno Galopim lembra o fim próximo da cassete áudio, criada em 1963 pela Philips. A cassete ganhou a adesão dos consumidores, em títulos pré-gravados e em fitas virgem, prontas a gravar. Elas chegaram a comportar 120 minutos de gravação e haviam substituido as velhas fitas magnética em rolo. Agora é a sua vez de desaparecerem devido aos CDs e às formas digitais de gravação. O pico de vendas, escreve Galopim, deu-se em finais dos anos 1980.

2) O consumidor como actor de publicidade (Le Monde, 25 de Junho)

A publicidade nos media procura distinguir-se da paisagem dos anúncios diários, para evitar o alheamento às suas mensagens, escreve Laurence Girard, enviado do jornal ao festival de filme publicitário em Cannes. Primeiro, uma campanha de televisão tem sequência em outros suportes, como a rádio, a internet e os cartazes de rua, mas também se pode fazer acompanhar por um videojogo ou por um DVD. Um construtor de automóveis, Volvo, escolheu fazer pequenos programas que representam cenas da vida quotidiana, filmadas no interior do veículo, e difundidas na internet.

Agora, tenta-se o marketing viral, com a publicidade a obter um maior impacto. Mas também se procura a publicidade lúdica, como a do anúncio do jornal britânico The Economist, criado pela agência BBDO em Londres. Um cartaz de rua representa uma lâmpada: de cada vez que um transeunte passe pelo cartaz, a lâmpada acende.

3) Ainda há literatura de cordel (The New York Times, suplemento que acompanhou a edição do Le Monde, de 25 de Junho)

No Brasil, continuam os poetas a ler os seus poemas de cidade em cidade, de mercado em mercado. Vêm de tempos muito antigos, e os textos nascem de velhas lendas, como a rapariga que bateu na mãe e se tornou num cão ou a rapariga que casou 14 vezes e continua virgem. Ou acontecimentos mais recentes, como a morte de uma criança devorada por um leão, quando ela se aproximou do circo, escreve Larry Rohter. Há sempre um lado cómico mas um outro moral. Poetas de cordel e cantadores percorrem o nordeste brasileiro, cantando mas também vendendo os seus pequenos livros até 32 páginas com poemas que podem ter apenas seis linhas.

Com a rádio, a televisão e, agora, a internet, o foco de interesse da literatura de cordel mudou, para atrair as audiências. Os intelectuais de São Paulo e Rio de Janeiro são coleccionadores ou admiradores dos panfletos de cordel, e a estética desta literatura pode ver-se na cultura popular, incluindo a música pop. Os governos federais e de Estado usam o cordel para promover a segurança, o conhecimento político e as medidas de saúde.

4) Os trabalhos do provedor de leitor do El Pais (19 e 26 de Junho)

Sebastián Serrano escreveu este domingo sobre como se dá o cálculo das manifestações. A organização de uma manif fala sempre em números elevados, a polícia e os representantes do governo em números mais baixos. Como calcular. Explica o provedor: o jornal utiliza mapas dos locais por onde circula a manif e aplica técnicas digitais para obter uma superfície com um dado número de metros quadrados. A partir daí estima o número máximo de assistentes por metro quadrado [a imagem da página refere-se à recente manifestação convocada pelo Forum da Família em 16 de Junho].

No domingo anterior, Serrano dedicara-se a analisar as fontes confidenciais. Por regra, o jornalista deve indicar as fontes de onde obteve a informação. Mas em casos extremos, como no terrorismo, essa regra precisa de ser ponderada, por razões de segurança de quem a dá. Mas, ouviu o provedor de um jornalista experiente, nesses casos deve haver outras fontes identificadas que reforcem a informação.

5) O jornal Blitz em mudanças (Diário de Notícias, 27 de Junho)

Nasceu em 1984, quando um grupo de jornalistas resolveu fazer uma publicação sobre música, moda, publicidade e cinema. Ao fim de um ano, o Blitz já dava lucro, o que surpreendeu quem o dirigia na altura, escreve agora Sónia Correia dos Santos.

Em 1992, o jornal foi comprado pela actual Impresa (SIC, Expresso, Visão). Depois de um período de crescimento, as vendas baixaram. O aparecimento da internet não terá sido alheio a essa queda, ocorrida em 1999. Já antes, em 1995, o jornal atribuía prémios de música.

Agora, entra em nova fase. Espero que o Blitz volte a ter êxito. Assinado: um leitor regular dos primeiros anos do jornal.

segunda-feira, 27 de junho de 2005

LISBOA: CIDADE REMEDIADA, ENVELHECIDA, AGARRADA À TELEVISÃO

Retirei esta frase de artigo saído ontem no jornal Público (caderno Local Lisboa), assinado por João Pedro Henriques, que parte de um estudo preliminar de Manuel Villaverde Cabral, investigador do ICS (Instituto de Ciências Sociais). Cerca de um terço da população desta cidade tem um rendimento mensal líquido igual ou inferior a €800 e mais de 50% um rendimento inferior a €1500. Mais de um terço dos lisboetas (35,5%) tem para cima de 45 anos. Em termos de classes sociais, as profissões científicas, quadros técnicos e médios são as mais representativas (41,6%), seguindo-se os assalariados do sector terciário (29,9%), trabalhadores manuais assalariados (14,3%), patrões, dirigentes e profissões liberais (9,1%), pequeno patronato comércio e indústria (3,9%) e trabalhadores manuais independentes (1,3%). Relativamente a práticas religiosas, quase 80% dos respondentes - que nunca aparecem quantificados - declararam ter actividade nula ou rara. O estudo tem o título Cidade & Cidadania e procura traçar um perfil eleitoral dos lisboetas. Daí que se tenha procurado avaliar a exposição da população à informação política: ela vem da televisão, a que se seguem a rádio, os jornais e a internet.

Por questões de trabalho, estou a ler um conjunto de livros sobre públicos de cultura e sua formação. Um dos textos mais antigos mas mais marcantes é o de José Machado Pais, ele também sociólogo do ICS, e colegas, editado em 1994 e chamado Práticas culturais dos lisboetas. Fico-me pela análise ao impacto da informação cultural sobre a população. Mais de 50% desta não tinha conhecimento das principais realizações culturais. Obviamente, trata-se de um estudo com mais de dez anos de existência e os canais de promoção e divulgação da informação cultural aumentaram e podem ter mais sucesso. Retenho outro dado do mesmo estudo: os jovens eram os maiores protagonistas da cultura de saída (consumo cultural fora do lar), uma quase interdição aos de mais 65 anos.

Estes dados são de proveniência diferente e estão desfasados mais de dez anos no tempo. Mas será que mudou? Ou ainda cristalizou mais, no sentido de consumos mais reduzidos dado que a população envelheceu?

Talvez valha a pena reflectir na carta aberta de António Mega Ferreira hoje no Público, em que, a propósito de uma polémica alimentada por um colunista do jornal, ele defende não um casino e três teatros ou um jardim para o Parque Mayer mas uma zona com habitações. Lisboa tem perdido habitantes para as periferias e quem vive dentro da cidade está a envelhecer. Ainda é uma população remediada, mas continuará a sê-lo por muito tempo, à medida que tem mais anos de idade e deixa de ser profissionalmente activa?

Adenda colocada às 21:30

Também há similitudes com a realidade no Porto. Segundo o texto de Augusto Santos Silva e colegas, Públicos para a cultura (2000), no universo dos não-praticantes de cultura, o grupo dos mais velhos representa um valor elevado dos que têm na televisão quase o único elemento de cultura de massa. Mas a televisão penetra em quase todas as condições sociais, com apenas 3% a declararem não a ver. Claro que, quantos mais recursos sociais detidos, menor é a dependência da televisão (2004: 45).

Harold Lasswell

Harold Lasswell (1902-1978), psicólogo e investigador nas áreas de política e das ciências sociais, é bastante conhecido pelo seu modelo de comunicação: quem diz o quê a quem, por que canal e com que efeito. O primeiro quem controla a mensagem, o segundo quem é a audiência ou receptores, o quê é a matéria comunicada, o canal conduz à análise dos media, o efeito é a reacção do público.

Um dos mais importantes trabalhos de Lasswell foi Propaganda technique in world war (1927), em que desenvolve o conceito de propaganda (de novo na ribalta aquando da guerra no Iraque, na Primavera de 2003). Para Lasswell, a propaganda tem quatro objectivos prioritários: 1) mobilizar o ódio contra o inimigo, por meio de histórias de grande atrocidade; 2) manter a amizade dos aliados; 3) preservar a amizade e procurar a cooperação dos que se mantêm neutros; 4) desmoralizar o inimigo. A propaganda, segundo Lasswell, é a técnica de influenciar a acção humana através da manipulação das representações, como símbolos, por meio de rumores, relatos, imagens e outras formas de comunicação social.


Lasswell estudou particularmente a campanha governamental que fez alterar a opinião pública americana de uma posição anti-guerra para uma de pró-guerra e contra a Alemanha (I Guerra Mundial). Ele via na propaganda um utensílio essencial para a gestão governamental da opinião, isto é, a necessidade de gerar o apoio das massas ao seu governo. Mais tarde, Carl Hovland e um grupo de psicólogos de Yale editavam um livro, onde se descreviam experiências efectuadas durante a I Guerra Mundial sobre o exército americano, também a propósito da propaganda (1949).

Estávamos no começo da Mass Communication Research, a cargo de Lasswell, e centrada em dois eixos: os efeitos das mensagens dos media e a análise de conteúdo para descobrir as razões da influência directa total sobre as audiências, então atribuída aos media. A teoria linear da agulha hipodérmica – um modelo directo de causa e efeito – procurava trabalhar a forma de melhor influenciar os públicos. Lasswell foi, sucessivamente, professor nas universidades de Milikan, Chicago, Columbia e Yale.

Passagem do modelo da agulha hipodérmica para o efeito limitado dos media

Menos interessado em dividir o acto de comunicação nas várias partes e mais interessado em examinar o todo face ao processo social global, Lasswell considera as três funções do processo de comunicação: 1) vigilância sobre o meio ambiente, que revelam ameaças e oportunidades que afectam a comunidade, em termos de valores; 2) correlação de forças entre os componentes da sociedade, 3) transmissão da herança social (Lasswell, 1978: 117).

Este texto, inicialmente impresso em 1948, mostra a transição feita pelo autor da teoria hipodérmica para a dos efeitos limitados. Ele destaca os líderes grupais especializados, que desempenham papéis específicos de vigilância sobre o meio e conduzem estruturas de atenção, proporcionando uma determinada condutibilidade da mensagem (1978: 107). Além disso, as mensagens ocorrem dentro do Estado mas envolvem mais os canais familiares, a vizinhança, os grupos e os contextos locais (1978: 109), podendo existir a comunicação em dois sentidos (a retroacção). Estava-se na segunda função apontada pelo autor, a correlação de forças entre os componentes da sociedade, e que conduz ao terceiro elemento do processo social: a transmissão de valores de geração para geração. Ideais como esclarecimento, respeito ou bem-estar sucedem ao longo das gerações como valores pilares de uma sociedade (1978: 111), os miranda (termo latino que designa os valores dignos de admiração e respeito), moldados e distribuídos nas instituições, como o lar e a escola.

Leituras: Harold Lasswell (1978). “A estrutura e a função da comunicação na sociedade”. In Gabriel Cohn (org.) Comunicação e indústria cultural. S. Paulo: Companhia Editora Nacional (original de 1948) (pp. 105-117), ou
Harold Lasswell (2002). “A estrutura e a função da comunicação na sociedade”. In João Pissarra Esteves (org.) Comunicação e sociedade. Lisboa: Livros Horizonte e CIMJ (pp. 49-60)

domingo, 26 de junho de 2005

ALMOÇO DE BLOGUEIROS, ONTEM EM VILA NOVA DE GAIA

Ontem, não pus qualquer mensagem no blogue. Razão: ter rumado até Vila Nova de Gaia, para participar num almoço de blogueiros, organizado pelo Orlando Braga, do blogue Letras Com Garfos.

Foram cerca de 35 comensais, alguns já habituais nestas confraternizações. Dias atrás, quando escrevia sobre Benedict Anderson e as suas comunidades imaginadas, pensei na blogosfera. Mas acho que se está a estabelecer um patamar paralelo ou acima ao enunciado por Anderson, o das comunidades identificadas num objectivo. Há regularidades que começo a detectar nestas reuniões de comensais da blogosfera, que vieram (foram) da Grande Lisboa, do Grande Porto, Guimarães, Aveiro, Beja, Faro, numa demonstração de criação de amizades ainda que informais. Descobri que há blogueiros(as) que se conhecem há muitos anos, outros que são vizinhos na cidade onde moram, têm profissões iguais.

Como não posso colocar imagens que tirei ao grupo, por combinação prévia, fica uma vista muito estreita do restaurante Tromba Rija, onde os comensais se reuniram. E também um pormenor da feira de antiguidades (umas mais que as outras) da ribeira de Gaia e a fachada de um edifício a lembrar as cerâmicas da zona da rua Soares dos Reis, uma memória desprezada com este vigor.



LEITURAS DE JORNAIS

1) Sida extinta

Eis um título o mais errado possível de uma breve publicada ontem no Expresso, na página 32. Um Governo não decreta a extinção de uma doença. Pode declarar o fim de uma comissão de acompanhamento da doença, que foi o caso. O título foi assim construído porque o texto se inseriu na coluna de Últimas, sem espaço para mais.

Não posso comentar a pertinência da extinção da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida (CNLCS), por não ter elementos avaliativos da justeza da medida, exactamente na semana em que a estrutura (embora com outro nome) comemorava vinte anos de trabalho. Mas, se o Governo tiver razão, significa uma de duas coisas: 1) a doença está controlada e não justifica um departamento especial para o seu acompanhamento, com integração adequada num alto-comissário para a saúde, onde se envolvam doenças igualmente mortais como sida, cardiovasculares e oncologia, 2) a estrutura estava burocratizada e não produzia trabalho concreto.

Recordo somente a génese da estrutura ligada à sida. Ela arrancou em 20 de Junho de 1985, após notificação das primeiras mortes no ano anterior. A designação inicial foi Grupo de Trabalho da Sida e contou com a liderança de Laura Ayres. Mais tarde, a designação mudou para CNLCS, em Abril de 1990, mantendo a mesma responsável. Após a sua morte, por doença cardiovascular, em Janeiro de 1992, o lugar foi preenchido por Machado Caetano e Odete Ferreira, esta no final do mesmo ano de 1992. Durante cerca de dez anos, foi Odete Ferreira a imagem da CNLCS. Uma mudança governamental operou a sua substituição, num momento em que a sida deixava as primeiras páginas dos jornais como elemento de terror e descontrolo sanitário.

Espero regressar com este tema lá para o Outono, explicando o modo como a imprensa tratou a doença ao longo de cerca de quinze anos.

2) Televisão no celular

Segundo Andrew Murray-Watson, do Sunday Telegraph de hoje, a televisão no telefone móvel será uma realidade em breve. Comenta ele, se cada britânico consome à volta de 18 horas semanais em televisão, por que não introduzir uma televisão móvel?

Todos os principais operadores de celulares estão a ultimar as suas ofertas. Esta semana coube a vez à Virgin Mobile, em parceria com a British Telecom, apresentar um serviço que permite aos seus clientes terem um telemóvel com televisão. As experiências ainda decorrem com um pequeno número de clientes em torno da autoestrada M25. O serviço comercial será lançado em 2006 se a prova piloto tiver sucesso. Há, neste momento, oferta de três canais - Sky News, Sky Sports News e uma estação de música, a Blaze. O Sunday Telegraph experimentou a tecnologia e concluiu que ela funciona. Trata-se do DAB. Dia sim dia não ou mês sim mês não, escreve-se que o DAB não serve, que está ultrapassado. No Natal passado, foi o sucesso de vendas de receptores de rádio em DAB; agora, a promessa de televisão no telemóvel através de DAB.

Entretanto, a concorrência experimenta outras tecnologias. A Orange usará a rede 3G (terceira geração de celulares). Contudo, a resolução de imagem não é tão boa como a do DAB, embora seja pioneira, pois já oferece comercialmente o serviço a £10 mensais (grosso modo: €15 mensais), que inclui o Big Brother e um canal de corridas de cavalos, aos escassos clientes que aderiram. Uma terceira tecnologia espreita e dá pelo nome de DVB-H (digital video broadcast-handheld), em desenvolvimento pela O2 em Oxford. Um analista terá dito que o DVB-H será o VHS do Betamax do DAB (traduzido por miudos: o Betamax era um sistema de gravação vídeo de melhor qualidade que o VHS, mas este acabou por triunfar graças ao marketing das empresas que o comercializaram; o mesmo poderá acontecer com o DAB, ultrapassado pelo DVB-H).

Aguardam-se desenvolvimentos tecnológicos. Duas coisas são, porém, certas: 1) o DAB não é para desprezar; 2) a televisão não vai morrer por causa da internet, pois canais temáticos e a pagamento estão a encontrar outras formas de distribuição.

3) RSS (Really Simple Syndication) ou como criar o seu próprio jornal

No mesmo Sunday Telegraph de hoje, Guy Dennis fala-nos do RSS (Really Simple Syndication) - o modo como as notícias estão a ser distribuidas na internet e as grandes implicações que isso terá na forma dos grupos mediáticos fazerem dinheiro. Trata-se de um software que organiza as notícias de acordo com o interesse do consumidor da internet, agregando-as de uma determinada maneira. A escolha determina, digamos, notícias vencedoras e notícias perdedoras. Por isso, há uns que são entusiastas e outros que nem por isso. Aliás, RSS tanto pode querer significar Really Simple Syndication como Rich Site Summary!

Muitas organizações noticiosas têm oferecido dois serviços em conjunto: o conteúdo de uma história nelas produzidas e a agregação e selecção de outras geradas por agências noticiosas. O RSS pode alterar o conceito e permitir aos leitores escolherem o que querem receber em termos de matérias. Haverá ainda alterações quanto ao design de páginas web e na publicidade. A grande esperança é que o RSS chame a atenção de audiências para um história específica e, a partir daí, para outras partes do sítio, o que pode rentabilizar os investimentos publicitários.

A primeira vez que eu li sobre RSS foi no blogue Intermezzo, de Daniela Bertocchi, o que ilustra a vanguarda da sua responsável.

4) A escola da Bauhaus em exposição em Barcelona

Não resisto a reproduzir esta página da revista do El Pais de hoje [conto com a benevolência do editor do jornal em não me cobrar direitos de autor, pois se trata de uma página magnífica, como a que é publicada na página seguinte da revista, uma aguarela de Vasili Kandinski para o director da Bauhaus, o arquitecto Walter Gropius].

A Bauhaus foi a mais influente escola artística alemã entre 1919 e 1933, quando o nazismo a fechou. Agora a exposição em Barcelona (sala Caixaforum) mostra a vida e as festas organizadas por professores da escola, como Mies van der Rohe, Gropius, Kandinski, Paul Klee. Para quem viajar até à Catalunha, a não perder. Eu fico-me com o texto de Ignacio Vidal-Folch.

[post acabado às 20:54]

sexta-feira, 24 de junho de 2005

JORNAIS DESPORTIVOS COM MAIS PÁGINAS VISTAS NO ONLINE

Segundo o estudo Netpanel da Marktest, as três primeiras posições no ranking dos jornais e revistas online com mais páginas visitadas em Maio são ocupadas por jornais desportivos: Bola online (9,2 milhões de páginas), Record online (7 milhões) e Jogo online (quase 4 milhões).

Contudo, em termos de jornal online mais acedido, o Público online continua à frente, seguidos da Bola online, Record online e Diário Digital. Lê-se ainda no mesmo trabalho: "Em Maio, 691 mil portugueses com quatro e mais anos acederam a sites de jornais, revistas ou de notícias portugueses, o que representa 53,1% dos internautas desse período. Neste mês observou-se um acréscimo no número de visitantes destes sites, que receberam mais 2,8% de utilizadores únicos do que em Março e mais 10,4% do que no mês homólogo de 2004. A média diária de utilizadores únicos de sites portugueses de jornais, revistas ou notícias foi idêntica à verificada no mês anterior, com 132 000, mais 16,8% do que no mesmo mês do ano anterior".

Como comentário principal à informação disponibilizada pela Marktest: a tendência do online segue a da leitura dos jornais em papel, em que o desportivo ganha à informação geral (e de qualidade). Neste estudo, o registo vai especialmente para o número de páginas acedidas mas também para o acesso aos sítios.

CURSO O CINEMA E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA IMAGEM DIGITAL

A realizar na Universidade do Algarve e com a seguinte estrutura:

Dia 28, pelas 11:00 - ante-estreia, com a conferência Hollywood and New Media: A Brief History, por Susan Murray (New York University).

Dia 4 de Julho, pelas 14:00 - conferência de abertura As artes visuais e a plasticidade operativa do digital, por Miguel Leal (artista plástico e professor da FBAUP).

Seminários: 1) Modos de enunciação no ciberespaço, por Arlindo Machado (Universidade de São Paulo -USP), de 4 a 8 de Julho, das 14:00 às 16:00, e 2) Cinema digital: passado, presente e futuro, por Javier Ruiz (Universidad Europea de Madrid), nos mesmos dias, das 16:00 às 18:00.

A MÚSICA NOS ANOS 40 EM PORTUGAL

A música em Portugal nos anos 40 é um texto escrito por João de Freitas Branco e publicado em volume da Fundação Calouste Gulbenkian, que recolheu todas as intervenções proferidas num colóquio realizado em Abril de 1982, com o título genérico Os anos 40 na arte portuguesa - a cultura nos anos 40. Aí se incluem textos de Joel Serrão, Nuno Portas, Rui Mário Gonçalves, o já referido Freitas Branco, Tomaz Ribas, Luís Francisco Rebello, João Bénard da Costa, David Mourão-Ferreira, Eduardo Lourenço e José Augusto França.

A rádio nos finais dos anos 1930

João de Freitas Branco, no seu texto, dedica alguma atenção à rádio e à sua importância - para além do ensino oficial, das salas de espectáculos e da indústria fonográfica - na formação musical das gerações de meados do século XX. Ele parte de um "comentário à escolha de pessoas em postos cruciais da acção cultural no campo da música" (1982: 62). Embora em muitas das áreas as pessoas nomeadas fossem claramente identificadas com Salazar, na rádio pública muitas delas foram escolhidas apenas pela estrita competência e que, embora dando "garantias de não militância «subversiva" [,] não eram propriamente adeptos da situação política" (idem). O ministro da tutela era Duarte Pacheco, que nunca aderiu ao partido da União Nacional, e morreu ainda jovem, vítima de acidente de viação.

Escrevia Freitas Branco: "O resultado foi uma programação que, desde os concertos da Sinfónica e das suas orquestras-satélites (Genérica, Popular, de Câmara) e as emissões do Quarteto de cordas e do Trio com piano até às transmissões de obras gravadas em disco, não correspondeu às expectativas das mentalidades mais retintamente situacionistas" (idem). Mas, mais tarde, com a direcção de António Ferro, a partir de 1941, manter-se-ia a qualidade de programação: "Suponho ter sido sua [de Ferro] a ideia duns serões de estúdio, é claro que em directo, nos quais os intérpretes, elém de tocar ou cantar as peças programadas, deveriam conversar um pouco uns com os outros. A experiência não resultou, mas os serviços aproveitaram a maré para emissões regulares de música viva, pelos nossos melhores executantes, ou por estrangeiros que por cá se encontravam, em geral refugiados de guerra e de perseguições políticas ou raciais" (Branco, 1982: 63). Sem pertencerem aos quadros da Emissora Nacional, brilharam dois nomes: José Viana da Mota e Guilhermina Suggia. E houve uma boa quantidade de primeiras audições, bastando consultar os volumes do Arquivo musical português, de César Leiria.

Leitura: João de Freitas Branco (1982). "A música em Portugal nos anos 40". Vários, Os anos 40 na arte portuguesa - a cultura nos anos 40. Lisboa: Gulbenkian, pp. 55-75

quinta-feira, 23 de junho de 2005

NOVA LINHA EDITORIAL DA BBC

A BBC adopta, desde hoje, uma nova linha editorial. Esta considera que a exactidão (precisão ou acurácia) é mais importante que a velocidade do que se diz. O compromisso da estação oficial inglesa tem a ver com o comportamento mantido durante (e depois) da guerra do Iraque. Também o uso de gravações secretas será escrutinado, no sentido de prestar um contrato adequado com as audiências da BBC (curioso o pormenor do registo: audiência e não público ouvinte ou telespectador). Ética e valor são os padrões que a estação quer manter preservados, escreveu em comunicado Stephen Whittle, responsável pela política editorial da BBC.

Fonte: European Journalism Centre.
NA MINHA CIDADE NÃO ACONTECE NADA

Na minha cidade não acontece nada. Lisboa no cinema (anos 20 - cinema novo) é um texto de Tiago Baptista publicado no último número da revista Ler História. Um título tão (pouco) saboroso significa um texto intrigante? Ou interessante?

Trabalhando na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, obviamente que Tiago Baptista iria escrever sobre cinema. Melhor: sobre a representação cinematográfica de Lisboa entre o cinema mudo e o cinema novo (anos 1960). A sua tese é que, "salvo raríssimas excepções, Lisboa quase não surgiu nos filmes portugueses [até à década de 1960] e que as suas escassas representações retrataram menos uma realidade arquitectónica e urbanística concreta e reconhecível do que uma determinada ideia de cidade".

Há uma parte do texto aqui referenciado que quero destacar, a que diz respeito a Leitão de Barros e ao seu filme Lisboa, crónica anedótica (1930). Barros e António Lopes Ribeiro, vindos da crítica de cinema, e outros como Jorge Brum do Canto e Manoel de Oliveira desempenharam um papel de relevo "na defesa das vanguardas cinematográficas europeias e na actualização do cinema português", escreve Tiago Baptista. Mas esse caminho seria desviado com a afirmação do regime, caso das obras de Lopes Ribeiro. Curiosamente, o filme Lisboa, crónica anedótica teve um registo anormal; daí o interesse nele. É que Leitão de Barros mostrava no seu filme a Lisboa suja, vigarista e "cano-de-esgoto" (Baptista, 2005: 172).

Era o tempo da lei dos cem metros - pequenas películas exibidas antes da longa metragem em cada sessão. Isto levou à proliferação de más pequenas metragens que, com o tempo, foram esquecidas e destruídas porque, entendeu-se, a prata contida nas películas era mais valiosa que o seu conteúdo (hoje, muitas dessas imagens teriam um valor incalculável). Mas era também o tempo em que se pensava num "género específico de «filmes documentários de exportação»", o que não se encontrava no filme de Barros, como anotou o crítico de cinema, Alberto Armando Pereira. O filme, com o saloio e o conto do vigário, afirmava-se contra-corrente, sem qualquer alusão à cidade moderna, monumental, do anúncio luminoso, das avenidas novas e de António Ferro.

A pressão foi forte, por parte dos críticos como dos distribuidores, que Leitão de Barros se viu obrigado a fazer uma segunda versão, de exportação para o mercado brasileiro [imagem do realizador retirada do sítio do Instituto Camões]. As imagens menos gratificantes do original seriam substituídas pelos aspectos monumentais da cidade. O filme inicial mostrava um saloio (habitante rural dos arredores de Lisboa) a apalpar um manequim, rebanhos de carneiros a atravessarem as avenidas novas, as peixeiras do Cais do Sodré com os seus filhos nus dentro das canastras onde antes estava o peixe vendido.

Leitura: Tiago Baptista (2005). "Na minha cidade não acontece nada. Lisboa no cinema (anos 20 - cinema novo)". Ler História, 48: 167-184. Preço do volume: €13,10

quarta-feira, 22 de junho de 2005

PROGRAMA PRELIMINAR DO II ENCONTRO DE BLOGUES

Já existe um programa preliminar do II Encontro de Blogues, a decorrer na Universidade da Beira Interior (Covilhã), nos dias 14 e 15 de Outubro. Assim:

Sexta-feira – 14 de Outubro
14:00 – Recepção e Acreditação
15:00 – Início das actividades dos Grupos de trabalho
18:00 – Sessão de Abertura –
- Presidente da UCP [não sei descodificar a sigla] – António Fidalgo
- Presidente do DCA [idem para a sigla] – Paulo Serra
Conferência de Abertura
22:00 – Noite Weblog

Sábado – 15 de Outubro
10:00 – Continuação das actividades dos Grupo de Trabalho
11:00 - Sessão 1 – De olho na blogosfera
12:30 – Intervalo para almoço
14:00 – Sessão 2 – A blogosfera vista pela blogosfera
17:45 – Intervalo para café
18:00 – Sessão 3 – Horizontes da Blogosfera
19:30 - Encerramento
21:00 – Jantar Convívio
24:00 – Convívio Weblog

Embora esta informação ainda não esteja disponível no blogue do II Encontro de Blogues, aconselho a que façam uma visita a este endereço. Observação: gosto muito, mesmo a sério, do logótipo do encontro - parece-me ter saído das mãos de um jovem pai (ou mãe), às voltas com um brinquedo do filho (um cavalinho?).

Recordo que o primeiro encontro de blogues decorreu na Universidade do Minho (Braga) decorreu em Setembro de 2003. Recupero aqui a opinião de um dos elementos presentes nesse encontro: "Gostei de ter participado no encontro. O José Luis [Orihuela] e o Manuel Pinto convenceram-me definitivamente do potencial da ferramenta para uso educativo e as restantes discussões ajudaram-me a abandonar a minha - confesso - quase total ignorância sobre o tema. Gostei, sobretudo, da franqueza com que se discutiram as coisas e guardo, para mim, um momento que me pareceu significativo do que este encontro pode gerar de positivo em futuras realizações conjuntas - a constatação, por parte do Fernando Zamith, de que ninguém se lembrou de criar uma comissão, para elaborar um relatório preliminar sobre a eventual constituição de uma associação de bloguers. Gostei, ainda, que o Carlos Baquero e alguns dos seus camaradas do Departamento de Informática da UM tenham mostrado interesse em partilhar com esta comunidade (que lhes é estranha) parte da já vasta experiência adquirida na sua outra comunidade (vide GilDot)". [Luís António Santos, do blogue Atrium, em texto arquivado no Encontro de Weblogs].
ESCOLA CANADIANA DE COMUNICAÇÃO (III)

Marshall McLuhan

[continuação das mensagens de 19 e 20 de Junho e adaptado de Rogério Santos (1998). Os novos media e o espaço público. Lisboa: Gradiva]

Na era das auto-estradas da informação, um dos mais famosos sociólogos dos anos 60, Herbert Marshall McLuhan, converteu-se em profeta dos tempos vindouros. Antigo professor de literatura inglesa, McLuhan notabilizou-se por livros como A galáxia Gutenberg e Understanding media.

mcluhan3.JPGmcluhan1.jpg

Em A galáxia de Gutenberg, examina a tecnologia mecânica que resultou do alfabeto e da máquina impressora (McLuhan, 1977: 371). O autor considera que a invenção da imprensa trouxe a fragmentação ao universo sensorial, com a estrutura visual a substituir a primitiva galáxia acústica e táctil. A imprensa multiplicou as informações visuais e submeteu o homem à organização linear de elementos discretos e uniformes. Estávamos na era de Gutenberg: os caracteres impressos no livro produzido em série originariam profundas transformações no homem e na sociedade saídas do séc. XVI, tais como o nacionalismo em política, a perspectiva na pintura renascentista, a substituição da poesia pela prosa na literatura, o individualismo no usufruto da cultura, a uniformidade e repetitibilidade (McLuhan, 1977: 161; McLuhan, 1979: 197).

Projectava-se a ideia de cadeia de montagem, mesmo antes da revolução industrial. McLuhan regista a dissolução da galáxia Gutenberg em 1905, com a descoberta da curvatura do espaço (1977: 340). Aparece uma nova galáxia, a de Marconi, e vislumbra-se a hipótese de fim da hipertrofia visual em benefício de um novo equilíbrio sensorial. Se as sociedades fechadas dependiam da palavra, do tambor e de outros media auditivos, a idade da electrónica anunciava a nova forma de tribo, a aldeia global.

mcluhan2.jpgNo outro dos seus livros, Understanding media, McLuhan considera que os media são extensões dos sentidos do homem e das suas funções: a roda como extensão do pé, a escrita como extensão da vista, o vestuário como extensão da pele, os circuitos eléctricos como extensão do sistema nervoso central (1979: 390). Ainda não era o computador, mas ele estava próximo de se tornar um elemento massificado.

Media quentes e media frios

McLuhan defendia que os media alteram a relação do homem com o seu meio envolvente. Na televisão, por exemplo, não interessa tanto o programa em si mas o modo de recepção, totalmente diferente de outros modos (como o livro, a escola ou o museu). Daí a sua metáfora: o meio é a mensagem, a relação do receptor com o referente.

Para ele, os media electrónicos dividem-se em quentes e frios – quanto maior for o número de elementos de informação numa mensagem e mais densa a substância informacional, mais quente é a mensagem. Assim, um retrato é quente e uma caricatura é fria; uma fotografia e um filme são quentes e a imagem televisiva é fria (constituída de um número limitado de pontos). A "temperatura" da mensagem liga-se à participação do receptor: numa mensagem quente, o sentido é dado pelo emissor; numa mensagem fria, o sentido é dado pelo receptor que está implicado na comunicação.

O livro Understanding media construiu-se em torno da electricidade, tecnologia não centralizada, mas descentralizada [há, aqui, uma forte influência de Harold Innis, que trabalhei recentemente], garantindo a flexibilidade de múltiplos centros (como seria, nos nossos tempos, a internet). A iluminação enquanto extensão da energia é um exemplo de como as extensões alteram a percepção. Com a tecnologia eléctrica, o homem prolonga, ou projecta para fora de si mesmo, um modelo do próprio sistema nervoso central. Devido à sua acção de prolongar o sistema nervoso central, a tecnologia eléctrica parece favorecer a palavra falada e participativa, e promover os usos do telefone, da rádio e da televisão.

A filosofia de McLuhan é optimista. Escritos nos anos 60, uma época de expansão e afirmação da cultura de origem anglo-saxónica, os seus livros marcariam uma geração mas caíram no limbo do esquecimento nos anos seguintes. Com o crescimento das tecnologias de informação, o seu nome era recuperado e a sua leitura procurada de novo.

Leituras: McLuhan, Marshall (1977). A galáxia Gutenberg. S. Paulo: Companhia Editora Nacional
McLuhan, Marshall (1979). Os meios de comunicação como extensões do homem. S. Paulo: Cultrix

terça-feira, 21 de junho de 2005

REVISTA MEDIA & JORNALISMO

Saíu o nº 6 da Media & Jornalismo, com o título de capa Investigação e globalização. A recente vinda do investigador Pertti Alasuutari, professor finlandês de sociologia e editor do European Journal of Cultural Studies, serviu para uma entrevista e um artigo assinado por ele. Ele tem trabalhado a construção das identidades no quotidiano, a recepção mediatizada e as audiências, bem como as questões da metodologia na pesquisa social.

Outros textos pertencem a Lídia Marôpo, Maria João Silveirinha, Rogério Santos, Catarina Burnay e Estrela Serrano. A Media & Jornalismo pertence ao Centro de Investigação Media e Jornalismo e é editada pela MinervaCoimbra.
CAPITALISMO DE IMPRENSA

Saíu em português o livro de Benedict Anderson, Comunidades imaginadas (em colecção das Edições 70), que eu já destaquei aqui no blogue. Trata-se de um texto fundamental para a compreensão dos mecanismos que promovem (e promoveram desde sempre) o nacionalismo. Mas é a análise da interacção entre capitalismo e imprensa no livro de Anderson que me fascina e me leva a escrever sobre ele.

Por capitalismo de imprensa, o autor entende um conceito vasto que cobre a edição livreira desde o séc. XVI e que se traduz num conhecimento que vive da reprodução e da disseminação (se quisermos, podemos aqui associar textos de Walter Benjamin, Harold Innis e Marshall McLuhan, que escreveram sobre o tema). Seguindo um livro de referência, de Lucien Febvre e Henri-Jean Martin (L'apparition du livre, 1958), Anderson detém-se no mercado inicial de leitores de latim e no aproveitamento posterior das línguas vernáculas para uma crescente produção de livros. As obras de Lutero representariam um terço dos livros em língua alemã vendidos entre 1518 e 1525 (p. 67). Entre 1522 e 1546 surgiram 430 edições das suas traduções da Bíblia.

Faziam-se novos públicos, incluindo comerciantes e mulheres, que não dominavam o latim mas línguas vernáculas, e instituiam-se instrumentos de centralização administrativa na Europa moderna. As nações debutavam apoiadas na língua e na imprensa. A principal característica da língua é a capacidade de gerar comunidades imaginadas, construir solidariedades particulares (p. 176). O fundamental do livro impresso é a manutenção de uma forma permanente, através da sua reprodução infinita.

Num outro lugar do texto, Benedict Anderson estuda a imprensa americana, que começara por ser um apêndice do mercado. Escreve ele: "As primeiras gazetas continham - para além de notícias sobre a metrópole - informações comerciais (datas de partida e chegada de navios, preços habituais de determinads mercadorias em determinados portos), bem como sobre as nomeações políticas nas colónias, os casamentos nas famílias ricas, etc." (p. 93). Esta imprensa adquire um carácter particular, pois se um crioulo (nascido numa colónia, apesar de descendente de metropolitanos europeus) poderia ler um jornal de Madrid, por exemplo, embora nada encontrasse sobre o seu mundo, o funcionário peninsular, mesmo que morasse na mesma rua, evitaria ler o jornal da colónia.

segunda-feira, 20 de junho de 2005

DOIS ANOS DE BLOGOUVE-SE

Para comemorar os dois anos do seu blogue, aniversário a comemorar no próximo dia 27, João Paulo Meneses, do Blogouve-se, vai afixar um guia ético e técnico que pauta o seu comportamento de blogueiro. À hora a que escrevo, ele ainda não está escrito no blogue.

Para mim, trata-se de uma forma muito profissional de trazer questões éticas e deontológicas a um terreno marcado pela liberdade com poucas regras definidas. Protocolos de bom comportamento - ou, como agora se diz: boas práticas - nunca fizeram mal a ninguém. Daí eu achar que o J. P. Meneses faz muito bem em publicar o seu código. Depois da rádio (Tudo o que se passa na TSF), ele lança bases para a blogosfera. Os meus parabéns!

Nota acrescentada às 22:37: Referencio o começo do código ético e técnico de J. P. Meneses: "Pretende-se que este guia seja uma forma de estabelecer uma relação mais transparente com os eventuais leitores ou uma maneira de a clarificar. Há, ainda, um objectivo suplementar: diz-se, muitas vezes, que não há ética na blogosfera e que, por isso, ela dificilmente poderá ser uma referência. É um contributo;
"1. Obviamente, este GET não é um repositório dos códigos éticos/deontológicos ou dos manuais de estilo jornalístico. Porque não precisa (não é jornalismo) ou porque seria redundante (quando são princípios devidamente incorporados)".
ESCOLA CANADIANA DE COMUNICAÇÃO (II)

Harold Innis

[este texto segue muito de perto a obra de James W. Carey, Communication as culture, editada em 1992]

O modelo cultural norte-americano entende ser o crescimento da tecnologia em geral – imprensa, literacia, tecnologias da comunicação – uma narrativa do progresso. A história das tecnologias da comunicação torna-se a história do aumento do conhecimento humano.

É contra este enquadramento que se deve ler a obra de Harold Innis. Para ele, cada fronteira (geográfica) possui uma fileira de apoio (back tier). Os interesses da fileira de apoio são determinados pela extensão com que os produtos da fronteira fortalecem a economia, havendo mais complementaridade do que concorrência de produtos, e acentuando a sua posição estratégica. No continente norte-americano, a primeira fileira de apoio era a Europa.

Mercados de peles, peixe e madeira

O desenvolvimento do continente americano foi determinado pelas políticas e lutas das capitais europeias. As consequências destas políticas e conflitos foram esboçados nos estudos de Innis sobre os mercados sobre peles, peixe, madeira. Com o declínio gradual da influência da Europa, a fileira de apoio mudou-se para os centros metropolitanos da América do Norte – Canadá e América – mas o controlo efectivo passou para Nova Iorque e Washington relativamente às fronteiras do Canadá e dos Estados Unidos. Através dos estudos da produção e comercialização do papel e da pasta de papel, conclui-se que as formas mecanizadas da comunicação eram responsáveis por novos tipos de relações de império e de fileira de apoio e fronteira.

Innis viu no crescimento no final do séc. XVIII e no séc. XIX um processo contínuo de descentralização e recentralização que se movia numa forma dialéctica com as pequenas comunidades do interior (hinterland) a tentarem escapar à influência das metrópoles, mas a serem absorvidas mais tarde. Antes da revolução americana, as mensagens moviam-se num eixo leste-oeste entre Londres e as colónias. Em geral, as colónias comunicavam umas com as outras através de Londres. As notícias nos primeiros jornais americanos eram exclusivamente europeias na origem, e a comunicação era mais forte entre as cidades portuárias e a Inglaterra do que entre as cidades e as zonas interiores da própria América. As cidades americanas estavam isoladas relativamente umas às outras e ligavam-se mais às cidades portuárias e às capitais europeias.

Nova Iorque como novo centro de comunicações e tráfego comercial versus linha ferroviária da Canadian Pacific

Nova Iorque substitui Londres. No começo do séc. XIX, afirma-se como o centro americano da comunicação e de controlo das estradas do comércio e da comunicação com o interior. Nova Iorque mantinha contactos com a Europa por via marítima, enquanto a informação entre as cidades passava agora por Nova Iorque. A hegemonia desta metrópole fortaleceu-se com a construção do caminho-de-ferro de Chicago a Nova Orleães. Nova Iorque e os seus comerciantes, empresas e elites passaram a controlar um sistema de informação cada vez mais centralizado que liga a fileira de apoio do norte e actua mesmo como um fornecedor de muitas cidades canadianas.

As estradas do comércio da cultura delineadas pelo canal (do rio Hudson) e pelo caminho-de-ferro foram alteradas pelo telégrafo, revistas, filmes, telefone, radiodifusão e aviação. Mas Nova Iorque mantém-se central no fluxo de comunicação e cultura, com a importância do corredor Nova Iorque-Washington e as ligações metrópole-interior fluindo de leste e oeste. Há um corredor oriental (de Nova Iorque a Washington) na comunicação americana que criou o monopólio de conhecimento nas notícias e no entretenimento.

Innis descobriu que a linha ferroviária da Canadian Pacific seguia a rota do velho comércio das peles, o que o levou a interessar-se pelas matérias-primas económicas (peixe, peles, madeira e pasta) que tinham sido a base da economia canadiana. Para ele, o desenvolvimento do Canadá e dos Estados Unidos constituiu uma extensão, no Novo Mundo, do poder e das políticas europeias – Espanha, Inglaterra, França. A América do Norte seria, assim, constituída por três bandas largas: o norte do Canadá, com as rotas do comércio das peles ligando a Nova França e a Europa; o sul da América, com matérias-primas como o tabaco e o algodão, para a Inglaterra; e entre as duas a economia mista do norte da América. O continente, como um todo, representava a adaptação da cultura europeia à nova geografia. Os modelos de comércio não eram uma resposta aos factores locais mas eram controlados, mesmo no início do séc. XIX, pelas políticas de Londres, Madrid e Paris.

Dos estudos do negócio das peles germinaram duas ideias que serviram os seus posteriores estudos de comunicação. A primeira foi a pergunta: o que facilitou a grande migração das pessoas e da cultura europeias, levando-as do perímetro da Europa para o “novo mundo”? A segunda ideia foi a implantação da teoria dos centros de comércio. A expansão da Europa na América do Norte baseou-se numa fileira de invenções: na construção de navios, na navegação e na arte de fazer a guerra. Em cada país foram as melhorias na comunicação que constituíram o impulso central: barcos de maior velocidade, instrumentos de navegação eficazes, imprensa.

Imprensa

A imprensa encorajou a expansão coordenada e sistemática dos impérios europeus. Primeiro, encorajou a centralização da autoridade nacional através de um código legal uniforme, uma língua normalizada, um sistema escolar uniforme, e uma administração centralizada capaz de integrar províncias e regiões separadas (ideias que McLuhan vai aproveitar). Segundo, permitiu a descentralização da administração nacional através da forma durável da comunicação. Foi a imprensa e a navegação que permitiram quebrar as fronteiras da geografia e alargar até ao “novo mundo”.

A rápida expansão da indústria jornalística da América, após a invenção da penny press, intensificou a procura americana pela pasta e pelo papel canadianos. O Canadá foi projectado como economia de matérias-primas a fornecer à Inglaterra e aos Estados Unidos. Muitas das decisões centrais ao desenvolvimento do Canadá foram feitas em Londres, Nova Iorque e Washington. Para balancear as suas importações, os Estados Unidos exportavam capitais, bens e, crescentemente, cultura. Nos seus estudos sobre o papel, Innis descobriu o verdadeiro duplo condicionamento do Canadá: os Estados Unidos importavam matérias-primas para impressão do Canadá e exportavam produtos acabados a partir das matérias-primas canadianas: jornais, livros, revistas e publicidade. Eis o dilema do país: apanhado entre a procura do papel e o fornecimento americano dos jornais, livros e revistas, estava ameaçada a independência do Canadá. Daí, Innis estudar as relações entre as rotas do comércio e as rotas da cultura, argumentando que as mudanças na tecnologia da comunicação afectam a cultura ao alterarem as estruturas pela mudança do carácter dos símbolos e da natureza da comunidade.

Às culturas relacionadas com o espaço ele opõe as culturas relacionadas com o tempo: culturas com interesses no tempo-história, continuidade, permanência, contracção; cujos símbolos dependiam da confiança – oral, mito-poética, religiosa, ritualista; e cujas comunidades se enraizavam no local – laços íntimos e uma cultura histórica partilhada. Os media relacionados com o espaço são leves e portáteis e permitem a extensão no espaço.

Leitura: James W. Carey (1992). Communication as culture. Nova Iorque e Londres: Routledge (pp. 134-161)

domingo, 19 de junho de 2005

LEITURAS DE JORNAIS

1) livros que respondem às nossas dúvidas

Em qualquer ocasião, mas em especial em épocas de crise (económica, social, moral), surgem livros com respostas às nossas dúvidas e que apontam o caminho para o futuro, de modo imperturbável. Parece, assim, haver dois mundos: os que têm dúvidas (seres normais) e os que apenas têm certezas. Há, assim, grandes ideias e soluções para os nossos problemas; basta ler o livro adequado ao momento.

Eis a proposta de Bryan Appleyard, no Sunday Times de hoje, que destaca os títulos mais vendidos segundo o New York Times: 1) Freakeconomics, que aplica a teoria económica a quase todas as formas de actividade humana, 2) The world is flat, que revela o modo como tudo está a mudar com a globalização, 3) Blink, que sugere que podemos saber de tudo sem pensarmos em nada, 4) On bullshit, perspectiva filosófica sobre a corrupção de linguagem e verdade dos políticos e dos relações públicas [melhorei a tradução], 5) Collapse, sobre o falhanço das sociedades. Cada um à sua maneira, continua Appleyard, é sobre tudo e procura transformar o nosso entendimento do mundo através de uma "grande ideia".

Cáustico, ele acrescenta outros títulos: Felicidade, Tudo o que é mau é bom para você, Mundos paralelos. E não esquece Tom Peters, Em busca da excelência, que foi traduzido para português e eu me obriguei a ler na época. A estes prospectivadores ou futurólogos, o colunista chama wossers, palavra que me pôs à nora para encontrar um termo adequado na nossa língua. Por isso, procurei mais à frente entender-me com Appleyard, que menciona um professor de economia, Paul Ormerod, que escreveu um livro chamado Porque falham muitas coisas. Elas falham porque todas as grandes ideias económicas estão erradas. Ormerod sugere um modelo biológico para a teoria económica, dada a complexidade do mundo humano. O seu livro é anti-wosser - atrever-me-ia agora a traduzir por anti-iluminado -, equilibrando a crença desmesurada quando se fala no progresso tecnológico e nas grandes ideias.

Por isso, se vê o mundo por um ângulo negativo, não se fie muito nos que prometem explicações e soluções para o seu problema ou os do mundo. As grandes ideias - grandes mas rígidas - residem no plano teórico. O que precisamos, aconselha o colunista, é de serenidade, aceitação, pequenas alegrias. A que acrescentaria, da minha lavra: deve-se continuar a trabalhar e a tratar com os outros - vizinhos, colegas e simples desconhecidos - em busca de soluções pequenas e imperfeitas que sejam.

2) será que a imprensa regional de Vila Real é o espelho do país?

Em dois dias seguidos, o jornal Público trouxe notícias alarmantes sobre a imprensa regional de Vila Real. Ontem, foi o caso do secretário de Estado Ascenso Simões não aceitar uma entrevista sua concedida ao jornal Notícias de Vila Real, pois não fizera a revisão da mesma. Isto obrigou a uma reimpressão de 2750 exemplares. Hoje, vem o caso do presidente da câmara de Vila real, Manuel Martins, que não gostou da sua fotografia impressa num jornal, o que obrigou a uma reimpressão de 500 exemplares.

Se estes dois exemplos não são únicos no país, a comunicação social regional não tem qualquer credibilidade, dependendo completamente dos poderes (central e autárquico). Quando se aproximam eleições a nível local, isto é preocupante.

3) Os pequenos irmãos

Do que o El Pais fala é das câmaras digitais (em máquina ou no celular), que conhecem uma procura enorme. Isto traz uma vantagem e um problema, segundo escreve Patricia F. de Lis. Comecemos pelo problema: os especialistas em intimidade acham que a proliferação das câmaras acaba com a privacidade tal como a conhecemos. Há ginásios nos Estados Unidos e no Reino Unido que proibem os seus sócios ou frequentadores de entrarem como telemóveis com câmara. Recentemente, no Japão começaram a circular carruagens destinadas somente a mulheres, porque havia homens que tiravam imagens à roupa interior de mulheres que usavam mini-saia. Mas também pode haver espionagem industrial, pelo que a americana Sprint está a oferecer aos seus clientes empresariais celulares sem câmara.

A vantagem: a câmara representa o triunfo da democracia. Ou como dizia uma frase anarquista numa parede há muitos anos: "a polícia protege-nos, mas quem nos protege da polícia"? Os defensores das máquinas encontraram uma expressão própria: "vigilância ao contrário". Sabemos que hoje podemos estar a ser seguidos por uma câmara: no supermercado, na auto-estrada, à entrada de um prédio. Ora, por via disso, qualquer tentativa dos cidadãos se protegerem do Estado e das empresas está condenada ao fracasso. O acesso geral a máquinas fotográficas digitais faz com que participemos em vigilantes de quem nos vigia ou em que arranjemos imagens para defesa pessoal em caso de complicação.

Do que não escapamos é do grande irmão (big brother) que Orwell descrevia no seu livro 1984, a sociedade da vigilância.
ESCOLA CANADIANA DE COMUNICAÇÃO (I)

Chama-se escola canadiana de comunicação à dos teóricos que destacaram os media como influenciando a sociedade (Harold Innis, Marshall McLuhan, Derrick de Kerckhove). Esta escola tem uma forte componente de determinismo tecnológico, em especial os dois últimos pensadores. O determinismo tecnológico refere-se à ideia que a tecnologia é o agente da mudança social e liga-se ao valor de progresso, considerando a tecnologia como factor independente, com propriedades, curso de desenvolvimento e consequências (Murphy e Potts, 2003: 11-12). Esta perspectiva salienta que uma inovação técnica com sucesso, se implementada a uma escala suficientemente vasta, gera um novo tipo de sociedade.

Innis (1894-1952) trabalhara a partir de realidades tecnológicas e sociais como a electricidade e a recentralização do império económico (da Inglaterra aos Estados Unidos), do poder e do conhecimento a partir da electricidade (que prometera descentralização, liberdade e democracia) [imagem de Innis retirada do sítio Critical Mass]. O autor canadiano, que detecta uma relação metrópole-hinterland, num país, com fileiras produtivas de apoio de outro país ou império, considera que um determinado meio de comunicação (ou transporte) é capaz de gerar uma sociedade diferente, pode servir de motor da própria história.

Innis aplicou factores históricos e geográficos à análise dos transportes, comércio e media, enquanto opunha uma cultura baseada na oralidade a outra assente na electricidade. Para ele, a tradição oral era do domínio do diálogo, dos valores e da especulação filosófica. Ao invés, a cultura da electricidade é a da sensação e da mobilidade. Se a cultura oral significa preservar os elementos de estabilidade, o poder eléctrico e dos media electrónicos traduzem-se em crescimento imperial e tecnologia.

McLuhan, ao descrever as sociedades onde impera a electricidade como sendo abertas e se interligando, olhou a electricidade de modo diverso (optimista) de Innis (pessimista) . Em McLuhan, com a ideia de aldeia global, de acesso livre da informação e da troca livre da informação, anuncia-se a rede (a internet), como exemplo de contra-cultura.

Leituras: Andrew Murphy e John Potts (2003). Culture & technology. Nova Iorque: Palgrave Macmillan
Filipa Subtil (2003). "Uma teoria da globalização avant la lettre. Tecnologias da comunicação, espaço e tempo em Harold Innis". In Hermínio Martins e José Luís Garcia (coords.) Dilemas da civilização tecnológica. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais [trata-se de um magnífico texto, ainda por cima acessível em português]
James W. Carey (1992). Communication as culture. Nova Iorque e Londres: Routledge
Jorge Pedro Sousa (2003). Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e dos media. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa

[continua]

sábado, 18 de junho de 2005

OBRIGADO À SAPATEIRA DA NET

Pelos comentários profundos e inteligentes colocados aos meus posts recentes. Mas esconder-se atrás de um nickname quando se cita Virilio não é tão simpático como eu gostaria. Opções...
ÁLBUNS DE IMAGENS

Vale a pena espreitar os álbuns de imagens de Mário Pires no blogue retorta.net. Eles são concertos, ensaios e instrumentos. Faltam apenas os sons.

SERVIÇOS SONAE

Os jornais referiram-se ontem ao novo pacote de serviços de telecomunicações e media oferecidos pela Sonae (Sonaecom). Segundo o Público, telefone, acesso à internet por banda larga e televisão vão custar €22,5 mensais. Quando abrir o serviço, vou logo aderir - é que só para a TV Cabo (televisão e internet) pago €56,4 mensais, muito mais do dobro do que será oferecido pela Sonae. E aqui não entra em linha o custo mensal do telefone fixo.

O artigo do Público, assinado por Rui Jorge Cruz, é muito curioso pela informação que coloca. O sistema a usar - ADSL2+ (variante do ADSL) - proporciona débitos elevados (10 Mbps), fornecendo, em tempo real, filmes e outros conteúdos. Uma das ofertas mais relevantes vem do "clube de vídeo", com milhares de filmes disponíveis, noticiários e desporto.

Pode desdobrar-se o artigo do Público em quatro partes: 1) parceria efectuada anteontem entre a Soanecom e a RTP, para esta disponibilizar emissões e conteúdos nos serviços daquela, 2) declaração de Almerindo Marques (RTP), esperando que "este seja o primeiro de outros projectos" celebrados com outros operadores (e os canais da RTP na TV Cabo não são uma parceria?), 3) declaração de Paulo Azevedo (Sonaecom), em que este serviço permitirá "maior escolha para o consumidor" e em que "as novas oportunidades serão tanto para os utilizadores como para os criadores de conteúdos", 4) declaração de Luís Reis (Sonaecom), para quem o serviço em oferta, o 3.Play, chegará (poderá chegar) a 95% de lares de Lisboa e Porto e a 45% de lares com acesso à rede telefónica fixa, após ter a garantia do acesso às respectivas centrais telefónicas, embora aqui possa haver problemas "resultantes do estado destas linhas [de cobre da Portugal Telecom].

O artigo do Diário de Notícias, assinado por Filipe Morais, cobre outras informações, complementares daquelas. A Sonaecom propõe-se fornecer inicialmente 100 canais, mas tem o objectivo de chegar aos mil, "com o utilizador a poder organizá-los por ordem de preferência". Mas os dois parágrafos iniciais são a parcela mais importante da peça: a Sonaecom propôs à France Télécom sair da Optimus, Novis e Clix para entrar com mais 23,7% na holding (em espécie, através da emissão de 70 milhões de novas acções), isto se o ministério da Economia viablizar o negócio. Há, assim, um reforço de capital na empresa mãe das telecomunicações da Sonae mas uma retirada directa do negócio dos telefones celulares.

Isto pode indiciar a fragilidade do negócio dos móveis e um recentrar na actividade combinatória telecomunicações (fixas e móveis)/media electrónicos/entretenimento. O que conduz à perda do argumento principal na queixa recentemente apresentada em Bruxelas face à existência de duas redes (fixa e cabo) da PT.

Observação final: o Público pertence ao grupo Sonae, o Diário de Notícias ao grupo Portugal Telecom. Por muita independência existente nas redacções, as notícias dos jornais face aos seus próprios grupos não são negativas, mas já o são face aos grupos concorrentes.
Post dedicado às leitoras do blogue

SAPATARIAS

14.jpgO livro de Jane Eldershaw, escritora e ilustradora de revistas como a New Woman e a Vogue Australia, de onde é natural, é um texto divertido. A edição em língua inglesa é do ano passado, a madrilena MAEVA editou-a em espanhol já este ano, simplificando o título para Los zapatos de mi vida.

O que se lê na portada do livro? São as memórias ilustradas, cheias de humor e sabedoria da vida de uma mulher através dos sapatos. Sim, para Eldershaw, pode contar-se uma vida olhando para os sapatos que uma pessoa - neste caso, uma mulher - usa. Misto de antropologia, sociologia, economia, ilustração e non sense, eis um livro leve para consumir num dia quente de Verão, enquanto se experimenta um calçado ligeiro.

O ponto de partida é: a prova mais reveladora dos seus valores básicos reside no seu calçado. Escreve a autora: "Depois de anos a sair com rapazes cheguei a uma conclusão indiscutível: é assombroso o número de coisas que podes chegar a saber de um indivíduo baixando o olhar até essa parte do seu vestuário" (p. 71). Por norma, os homens desesperam porque as mulheres perdem tempos infindos a ver montras de sapatos. Explica Eldershaw que isso se deve a uma velhíssima divisão de tarefas que vem desde a pré-história: os homens, fanfarrões, dedicavam-se à caça de antílopes com lança, as mulheres, precavidas, recolhiam frutos e cuidavam das coisas domésticas. Comprar sapatos tem a ver com esta recatada tarefa de recolecta (p. 109). E, com a idade, a mulher aprende a usar sapatos cómodos e práticos, libertando-se das restrições de manter um aspecto perfeito na sua actividade profissional.

Como não posso reproduzir as belas imagens do interior do livro - pois não pedi antecipadamente autorização, e incorro em pena legal se o fizer -, deixo abaixo imagens das muitas sapatarias da Avenida de Roma, aqui perto de casa, para regalo dos olhos de quem quiser.

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17.JPGDesejo muitas boas compras. Conselho: compre calçado confortável, adequado à estação. Mas pode adquirir sapatos coloridos, abertos, às tiras, com salto ou quase sem ele. Há duas semanas, se a memória me não falha, o Expresso trazia recomendações em termos de vestuário e calçado aos empregados da Caixa Geral de Depósitos, cuja sede fica perto da Avenida de Roma. Aí encontra um outro tipo de conselho!