sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Jogar Futebol com as Palavras

MCA3Ao fim da tarde de hoje, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi lançado o livro Jogar Futebol com as Palavras. Imagens Metafóricas no Jornal "A Bola", de Maria Clotilde Almeida, Bibiana de Sousa, Paula Órfão e Sílvia Teixeira, em edição da Colibri.

Conforme a introdução da obra, ela "tem como objectivo desconstruir as metáforas e mesclas em notícias do jornal A Bola recolhidas entre 2002 e 2013, à luz do paradigma cognitivo", num total de cerca de cinco mil ocorrências recolhidas daquele jornal desportivo. No final da mesma introdução, as quatro autoras concluem que "A Bola estimula as nossas mentes imaginativas, que se afiguram ferramentas indispensáveis à nossa sobrevivência intelectual no mundo actual.

As imagens retóricas não são supérfluas, mas antes construtoras da realidade futebolística em dimensões culturais mais vastas" (p. 14). Muitos dos títulos do jornal são metáforas muito ricas, em que o leitor é cúmplice e partilha uma cultura baseada no cinema, na gastronomia, nas emoções e no amor, nos domínios da guerra, da natureza, da tecnologia, do sobrenatural, da economia.

Alguns dos títulos analisados seriam: Incerteza na última jornada da liga: juízo final? (Maio de 2007), Recheio de Figo (Agosto de 2006, quando Luís Figo representava o Sporting em jogo contra o Inter de Milão), Dragão sobre rodas (Agosto de 2006, quando o F.C.Porto adquiriu um novo autocarro), Cristiano Ronaldo eléctrico (Março de 2007), Plantel vai emagrecer (Agosto de 2007), Confronto de almirantes (Agosto de 2005, sobre os treinadores de dois clubes que se iam defrontar). A imprensa desportiva e o futebol em particular constituem "um manancial para o estudo das estruturas responsáveis pelas formações linguísticas" (p. 90).

O livro foi apresentado por Manuel Frias da Silva (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e Eduardo Cintra Torres (Universidade Católica Portuguesa). Na sessão de apresentação, entre outras pessoas, estiveram o vice-reitor da universidade e o director da Faculdade de Letras da universidade.

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Entre a música clássica e a música ligeira, a partir de Serra Formigal

Numa recente comunicação que fiz em congresso, referi a distinção entre música séria e música ligeira. Chamaram-me a atenção para a primeira designação. Sim, eu não actualizara a designação para música clássica ou erudita. Recupero uma história sobre a música séria, a partir de um texto de José Manuel Serra Formigal (25 de Novembro de 1963). Ignoro se ele publicou o magnífico texto sobre a relação entre música clássica e música ligeira, de que publico aqui um pequeno excerto:

“Não negamos portanto à música ligeira a possibilidade do bom gosto, da originalidade, do encanto. Há exemplos dela no passado e no presente. Apenas reconhecemos que por um lado ficará, mesmo essa, sempre música ligeira pelas razões apontadas e também que a grande massa da música assim designada atualmente tocada e adorada pelas massas não é desse cariz mas do que atrás apontamos. Tal estado de coisas produz uma equivalência e até inversão de valores de que o cinema, a rádio, as revistas de atualidades, etc., nos evidenciam diariamente. São raras, por exemplo, nas nossas revistas de actualidades da rádio, as referências a celebridades da música séria que também actuam na rádio, enquanto que abundam as fotografias, os artigos e os títulos na glorificação de qualquer pseudo-vedeta da música ligeira. Fizeram escola os filmes americanos em que se estabelece o diálogo entre a música séria e a ligeira quase sempre em proveito desta. Como corolário verifica-se que os honorários dos artistas ligeiros são fabulosos. Por exemplo, entre nós, o Francisco José ou o Rui Mascarenhas são milionários ao pé de um Vasco Barbosa ou de um Álvaro Malta quanto aos seus rendimentos artísticos; um [Johnny] Halliday deixa a perder de vista um [Ernest] Ansermet” [1883-1969].

José Manuel Serra Formigal (1925-2011), jurista, diretor do Teatro da Trindade e da Companhia Portuguesa de Ópera que ali foi residente, e presidente do conselho de administração do Teatro Nacional de São Carlos. Foi grande cultor da música clássica e entusiasta da ópera em Portugal. Na Emissora Nacional (actual RDP, do grupo RTP), ocupou o lugar de Chefe de Repartição de Programas Musicais.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tim Suter sobre o serviço público de media

Ontem, integrado na conferência organizada pela RTP, Tim Suter, consultor da BBC para o projecto Vision 2020 da European Broadcasting Union (EBU), falou do que se espera do serviço público de media nos próximos anos (ouvir o início da sua comunicação no podcast abaixo). Por serviço público de media pode definir-se a conjugação e articulação, nos media (rádio, televisão e internet), de serviços de interesse prestados aos cidadãos e às comunidades por parte do Estado na promoção da democracia e no fortalecimento do bem comum.

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Tirei algumas notas do que ele disse, nomeadamente as principais características dos media actuais. Estes precisam de estar atentos às múltiplas escolhas, pois diferentes aparelhos e ecrãs chamam a atenção do cidadão e consumidor. De outras características dos media, detive-me em: 1) entrada de novos parceiros e actores de media, 2) concretização do cidadão como criador, 3) o que os indivíduos fazem com os aparelhos de comunicação (blogues, YouTube, jornalista-cidadão), e 4) interatividade dos media.

Tudo isto representa uma grande expectativa em termos de responsabilidade e abertura (incentivar e aceitar contributos). Suter demonstrou as diferenças com um passado recente e identificou a necessidade de redefinir o âmbito do serviço público de media, de encontrar respostas para novas parcerias, atrair as populações mais jovens, adequação às novas tendências de consumo. E centrou a discussão na obtenção de novas formas de financiamento, dado os modelos presentes estarem a esgotar-se, caso do financiamento do Estado. Ao mesmo tempo em que se propõe um retorno à sociedade, a alternativa económica, que julgo inegavelmente neoliberal, é buscar modelos de financiamento orientados para o mercado. Mas não é isto o que as empresas comerciais fazem? Por isso, o equilíbrio - disse ele ou concluí eu do que ouvi dele - entre qualidade e audiência parece resultar numa aposta muito difícil.

Pode acontecer mesmo estarem a fazer-se experiências, desprezando a experiência e o orgulho e a crença individual e de grupo dos profissionais do serviço público e a marca que está representada na empresa de serviço público, que mais tarde vão custar caro. Claro que acredito em outras palavras e ideias de Tim Suter, tais como haver o interesse do serviço público acompanhar as mudanças tecnológicas, liderando-as se possível, conhecer as suas audiências, saber recrutar bem o seu pessoal, estabelecer parcerias sólidas com produtores independentes e empresas concorrentes (em algumas actividades, presumo, seguindo o pensamento de Suter). O mesmo consultor adiantou ainda a importância de criar pluralismo interno e diversificação de conteúdos.

sábado, 16 de novembro de 2013

I Congresso da Sociedade Civil

Durante o dia, no I Congresso da Sociedade Civil, no ISCTE (Lisboa), oito grupos de discussão - ensino e ciência, emprego e empreendedorismo, ordens profissionais, saúde e desporto, família e solidariedade, ambiente e desenvolvimento rural, e cidadania e minorias - estabeleceram uma discussão sobre sociedade civil e serviço público de media (rádio, televisão e internet) a partir de dois pontos, o primeiro ligado à proposta do contrato de concessão em discussão pública e o segundo sobre qual a melhor forma da sociedade civil ter um papel mais interveniente no serviço público de media.

Um documento base do ISCTE [apresentado apenas oralmente] trazia algumas das ideias da proposta do contrato de concessão: quatro novos canais da RTP (sociedade civil, música, educação, infanto-juvenil, que as estações comerciais já contestaram), a perda pela RTP da posição de produtora de conteúdos, passando a uma situação residual. Por outro lado, o documento do ISCTE estimava em 8,5 milhões de euros a concretização do canal de sociedade civil, valor sustentado por comparabilidade com o valor de dois milhões de euros do Porto Canal e cerca de um milhão do CM TV.

sociedade civil

À tarde, oito relatores dos grupos apontariam as conclusões, de que destaco algumas, como o interesse da sociedade civil (instituições públicas e privadas, ordens profissionais, organizações não governamentais, cidadãos) numa maior participação nos media públicos. Uma das questões discutidas foi o binómio canal próprio versus conjunto de programas específicos. Apontou-se o segundo como o mais viável quer financeiramente quer em termos de construção de uma grelha de programas, propondo-se a dinamização dos actuais e com programas formativos, como se fosse uma escola pública, para mostrar e partilhar valores e competências e divulgar obras e boas relações, numa linguagem simples e de proximidade, capaz de alterar mentalidades. Falou-se também de programas com conteúdos apelativos. A criação de um novo canal traria mais segmentação e perda de audiências.

Foi realçada a vontade de manter a RTP, dado ser uma das marcas portuguesas mais fortes (dentro do país, na diáspora e nos países de língua portuguesa), com a consequente defesa do valor produtivo - e a contestação ao projectado contrato de concessão, em especial a sua cláusula 19, que indica a perda da capacidade produtiva da empresa em troca dos papéis de agregadora e distribuidora. A sociedade civil, foi destacado por vários relatores, apresenta ideias e estimula conteúdos mas não tem competências técnicas para produzir conteúdos. Houve quem se referisse a este caderno de encargos como utópico, mas necessário para ser um motor nacional capaz de contrariar o pessimismo e a desconfiança no tempo actual. Sugeriu-se ainda a formalização desta corrente civil de opinião, pelo que se esperam novos passos em breve.

Na sessão de inauguração do congresso, o ministro Poiares Maduro referira três elementos centrais do programa do governo relativamente ao serviço público. O primeiro é o relacionado com o novo contrato de concessão que define a missão estratégica da empresa (produção cultural, produção independente, regulação da qualidade do audiovisual). O segundo ponto identifica a estabilidade do financiamento, com uma prevista transferência consubstanciada no contributo audiovisual (taxa através da factura da electricidade) e independente de decisões anuais do governo. O terceiro e último ponto diz respeito ao modelo de governação da RTP, com a criação de um conselho geral independente, o que vai obrigar a mexer nos estatutos da empresa RTP. Esta nova entidade terá entre as suas funções a nomeação do Conselho de Administração da RTP. Apesar do bom trabalho desenvolvido ao longo do dia por mais de cem participantes, uma crítica feita à organização do evento foi a colocação de informação sobre resultados do congresso ainda antes dele começar, como se lê numa notícia do Expresso de hoje, além de dois comunicados produzidos pela agência Lusa ao longo do dia, veiculando a ideia de viabilidade financeira de um canal próprio para a sociedade civil. Isto não coincide com a apresentação de resultados no final da tarde pelos relatores dos diversos grupos, como escrevi acima.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Cultura e Estado em discussão, ontem à noite

Ontem à noite, dentro do Festival-IN Inovação e Criatividade, falou-se de indústrias culturais e criativas, jornalismo cultural e orçamentos do Estado dedicados à cultura (Com ou sem Estado? Cultura sob Respiração Assistida), num colóquio organizado por Cláudia Camacho (AntiFrame), com Dora Santos Silva, Rui Matoso e eu próprio. Antes do colóquio, passeei pelos pavilhões 1 (indústrias culturais) e 3 (indústrias criativas), como os designei. Museus, design, tecnologias, artes visuais e performativas, moda, joalharia e espaços das universidades foram algumas áreas que percorri.

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Morte de Rui Valentim de Carvalho

Esta semana, morreu Rui Valentim de Carvalho, editor de Amália Rodrigues - entre 1952 e 1999 - e administrador da Valentim de Carvalho durante mais de 50 anos. Admirador da sua música, ele foi o editor de Amália Rodrigues de 1952 até ao ano de falecimento da fadista. Quando se torna seu editor, ele tinha 21 anos e ela 32 anos. Da notícia de onde extraio a informação (http://www.ionline.pt/artigos/mais/rui-valentim-carvalho-editor-exemplar/pag/-1), David Ferreira, sobrinho de Rui Valentim de Carvalho, contaria: "Tinham uma relação próxima, ele ia para o estúdio, não ficava fechado no gabinete. Naquelas famosas sessões em que ela levava arroz de pimentos e pastéis de bacalhau, ele estava lá. Também assiste a espectáculos pelo mundo fora e defende-a quando o fado de Amália choca muitos. Estava sempre do lado dela". Depois de 1974, quando as estéticas musicais eram outras, um momento difícil para Amália, conotada com o antigo regime, ele foi muito amigo dela, acontecendo o mesmo quando esteve doente. Ele criaria os estúdios Valentim de Carvalho, na década de 1960. Após a primeira gravação de Amália para a Editora Valentim de Carvalho, nos estúdios de Abbey Road (Londres), ele teve a vontade de fazer um estúdio semelhante no nosso país. Nos estúdios de Paço d’Arcos gravaram nomes como Júlio Iglésias, Cliff Richard, Shadows, Vinícius de Moraes e Rolling Stones. Além de Amália Rodrigues, ele trabalhou com outros grandes nomes do fado e da música como Carlos Paredes, Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Carlos Ramos, Lucília do Carmo, Max, Maria Teresa de Noronha e Fernando Farinha, mas também com Quarteto 1111, Sheiks e Duo Ouro Negro, Rui Veloso, GNR e António Variações. Da mesma notícia que li (http://www.ionline.pt/artigos/mais/rui-valentim-carvalho-editor-exemplar/pag/-1), o musicólogo e especialista em fado Rui Vieira Nery apontaria que ele era um “editor exemplar [e] pessoa muito afectuosa, muito requintada e culta”. E acrescentaria: “No universo da indústria discográfica, há normalmente uma obsessão com o lucro. No Tim, como era conhecido, sempre vi o fascínio pela música, a paixão pela arte, a vontade de fazer coisas que ficassem como legados artísticos importantes”. Aos treze anos, ele vai trabalhar para a empresa fundada pelo tio em 1914. Nesse momento, ainda estudava no ensino técnico. A Valentim de Carvalho começou por vender gramofones e instrumentos musicais. Depois, tornou-se a primeira editora discográfica portuguesa.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Rádio Clube Lusitânia

O Congresso Internacional Censura ao Cinema e ao Teatro começou ontem e decorre até amanhã na Universidade Nova de Lisboa. É o "culminar [de] dois anos de trabalho onde o foco da investigação incidiu sobre a censura e mecanismos de controlo da informação ao cinema e ao teatro antes, durante e após o Estado Novo português", realizado por uma equipa do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo) e financiado pela FCT. O congresso, na perspectiva dos organizadores, "pretende ser um espaço aberto de debate e abranger o estudo da censura sobre diversos e amplos aspectos, privilegiando abordagens interdisciplinares e actuais que se integrem nas principais questões científicas internacionais, na discussão teórica e em metodologias de trabalho inovadoras com resultados relevantes".

Numa das mesas da manhã de hoje, discutiram-se os arquivos (da censura) na óptica do arquivista (Paulo Tremoceiro, da Torre do Tombo) e Tiago Rodrigues (que montou uma peça a partir de registos de censura a peças de teatro) [imagem abaixo, estando ao centro Joaquim Paulo Nogueira].

censura

À tarde, eu falei sobre uma estação de rádio do Porto, Rádio Clube Lusitânia (1938-1945), encerrada pelo regime do Estado Novo, e do seu proprietário Júlio Augusto Nogueira (1905-1968). Abaixo um texto da Vida Mundial Ilustrada (9 de Novembro de 1944, em texto assinado por Fernando Curado Ribeiro), que seria usado como uma das provas para encerrar a estação, dada a orientação do proprietário da rádio a favor do estabelecimento da democracia em Portugal, já no final da II Guerra Mundial.

RCL

domingo, 10 de novembro de 2013

António Ferro

acciaiuoliAntónio Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo (2013) é o novo livro de Margarida Acciaiuoli, que se segue ao portentoso Os Cinemas de Lisboa. Um Fenómeno Urbano do Século XX (2012), agora em segunda edição, e do qual, infelizmente, ainda não fiz aqui qualquer comentário. O livro António Ferro está dividido em quatro capítulos: A arte de falar entre linhas, a política do espírito, a campanha do bom gosto, edições e revisões.

Por razões pessoais, li primeiro os capítulos do meio e depois os outros e gostei mais daqueles do que destes. A escrita de Margarida Acciaiuoli é agradável, o livro está muito bem documentado (e acompanhado de muitas imagens) e existe uma reflexão de fundo sobre uma das mais marcantes personagens do século XX português. Numa das teses do livro, António Ferro preparara-se para ser o homem da cultura e da propaganda de Salazar, quando, após as entrevistas aos ditadores europeus, incluindo Mussolini e Hitler, ele fez o mesmo com Salazar: "selecciona assuntos, projecta cenários, e acelera a necessidade de tornar conhecido o pensamento de Salazar" (p. 78). Durante cinco dias ao longo de duas a três horas por dia, os dois falaram. O Diário de Notícias, onde Ferro era jornalista, publicou. Era a força da palavra que triunfava.

A entrevista foi em Novembro de 1932, em Setembro de 1933 era criado o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), liderado por António Ferro. Mil contos foi a verba do primeiro ano para a actividade da propaganda, coisa pouca se se relacionar com os 3% do orçamento do Estado italiano ou os 14 milhões de marcos do ministério da Propaganda alemão (p. 103). Mas Ferro começou a aplicar a sua política do espírito. Exposições de arte moderna (pintura e escultura), fotografia e cinema, prémios artísticos e literários, o bailado Verde Gaio, arte popular e passagem do SPN para o SNI (Secretariado Nacional de Informação) em 1944, são os principais tópicos trabalhados no segundo capítulo do livro de Margarida Acciaiuoli. A campanha do bom gosto é a aplicação das ideias de António Ferro ao turismo, à revista Panorama, ao modelo das pousadas. O capítulo é também espaço para o balanço de catorze anos de actividades do SPN/SNI.

No final de 1949, as homenagens a Ferro traçariam esse balanço. Ele divulgara o nome e a obra de Salazar, mas também a arte, a literatura, as qualidades do povo, disse António Eça de Queirós, subdirector do Secretariado e seu sucessor na Emissora Nacional (p. 342), num longo panegírico. A rádio também lhe estava grata: com Ferro, fora lançado o Gabinete de Estudos Musicais (GEM), inaugurado o Emissor Regional do Norte (1943) e o emissor de Castanheira do Ribatejo (1945). Na circunstância, Ferro falaria da gente mais sensível da vida portuguesa: escritores, artistas, jornalistas (p. 344). Numa das cerimónias de homenagem, os homens do regime estavam juntos com o pai da propaganda nacional, como Augusto de Castro, director do Diário de Notícias, António Lopes Ribeiro, Diogo de Macedo, Leitão de Barros, João Ameal e outros (p. 345).

António Ferro saía contente pela actividade desempenhada, mas sabemos, através da biografia da sua mulher, Fernanda de Castro, que ele queria continuar. A questão, explica Margarida Acciaiuoli, é que o final da II Guerra Mundial trouxera alterações profundas e o esforço da propaganda, entretanto mudado para informação, precisava de novos protagonistas. Salazar perpetuou-se no poder mas não os seus colaboradores.

O livro agora editado dá uma visão muito completa do período e traça a história do homem e da sua obra, o SPN/SNI. Ferro fez de Portugal o seu teatro e foi o seu encenador, defende a autora do livro. A meu ver falta uma coisa: o trabalho da censura exercido por aquele organismo do Estado Novo e que foi marcante na definição da ausência de novas políticas estéticas, sem esquecer as perseguições políticas individuais. Apesar de elementos de modernidade, que se foram atenuando à medida que os anos passavam, e do sucesso das actividades fora, nomeadamente as exposições universais, o país fechou-se mais sobre si. A década de 1960 ilustraria isso, já com novos responsáveis.

Leitura: Margarida Acciaiuoli (2013). António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Lisboa: Bizâncio, 432 p., 18 €

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Amadeu ao fundo

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A exposição no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian chama-se Sob o Signo de Amadeo - um Século de Arte. Mas a obra de Amadeu Sousa Cardoso está no fundo, numa cave. Devia estar à entrada. Parece que a sua organização funcionou na lógica do supermercado: quando quero comprar água ou leite tenho de percorrer toda a superfície até chegar lá, obrigando-me a ver tudo e talvez a comprar algo que não tinha pensado antes. Até chegar a Amadeu, a exposição fez-me algum tédio.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Absolutribut

lojaNum 2 de Setembro, publicava-se: "A Absolutribut é essencialmente uma loja de roupa em segunda mão. Como o próprio nome indica, a loja é um tributo ao «Absoluto», a todas as marcas e todos os géneros de vestuários até hoje inventados : hippie, anos 70, anos 80, gótico, punk, grunge, entre muitos outros. Convidámo-lo a criar o seu próprio estilo na fusão de diversas relíquias que possa encontrar! Envolva-se num ambiente acolhedor e encontre peças únicas em óptimo estado" (Absolutribut, twice upon a time).

Gostei de conhecer a jovem e empreendedora proprietária da loja [na foto aqui] (ver imagem da montra aqui, em que falei sobre lojas de roupa em segunda mão, o que provocou a escrita de cem comentários na mensagem). Ela andava a arranjar tempo para visitar o MUDE (Museu do Design e da Moda), pois queria diversificar, aprender e inovar.

Agora, que passei pelo local, a loja tinha desaparecido. Esta havia sido inaugurada a 15 de Novembro de 2010, com a informação: "com horário alargado das 9 às 21 horas. Venha visitar-nos, e quem sabe, encontre as peças ideias para renovar o seu guarda roupa". Eu suspeitava de qualquer coisa, pois no último S. João não houve montra enfeitada para o concurso como nos anos de 2011 e 2012. Lembro-me de ter comentado com ela a montra de 2011, que estava muito bonita. O pequeno sapo em cerâmica no chão à entrada não foi suficiente para evitar o encerramento.

A minha rua Chelsea ficou mais triste, tornou-se quase só uma passagem de autocarros em direcção à parte oriental da cidade.

Actualização (9:08, 11 de Novembro de 2013): afinal, e apenas por meu desconhecimento, a vintage store, como se intitula, mudou de sítio, mantendo-se na mesma zona (rua Formosa, 194, Porto).

domingo, 3 de novembro de 2013

O vosso pior pesadelo, pelo Teatro Art'Imagem

art'imagemO Vosso Pior Pesadelo, original de Manuel Jorge Marmelo e encenado por José Leitão, do Teatro Art'Imagem, é uma peça muito violenta. As personagens são três: o prisioneiro (Pedro Carvalho), o cabo (Miguel Rosas) e o coronel (Flávio Hamilton). O prisioneiro é um comediante que, por fazer humor com a política e a corrupção, foi considerado terrorista e preso e condenado a grandes sevícias. O comediante-prisioneiro, a cada tortura física e mental, respondia com um sorriso ou uma graça, o que desconcertava os algozes.

A acção decorre à volta de uma jaula onde o preso Alfa Um permanece isolado, sem direitos. Mesmo ler é algo que lhe é dificilmente concedido, um prazer de apenas quinze minutos diários. O cabo não compreende a ironia e a cultura do prisioneiro, nem isso é importante para a sua ocupação: a de cuidar de Alfa Um e inibir nele qualquer gesto, acto ou pensamento subversivo. Afinal, o cabo é um elo de uma cadeia que nem sequer se esgota no coronel, indivíduo pérfido ou com taras de ordem psicológica.

Há um espírito de obediência a um chefe ausente mas que manda. O comediante é o único que não pertence ao universo dos dois militares, mas acaba por detectar humor e alguma subversão no coronel, num jogo de alto risco físico para si. A postura realista dos actores acentua, para quem a vê a peça, a componente dolorosa do texto. Assim, o texto aborda temas atuais como a situação europeia e Portugal, o modo como as políticas dos países se deterioram e levam a questionar os direitos dos cidadãos, a democracia, a violência e perda de liberdade. Pergunta-se: de que têm medo os cidadãos.

No começo da peça, cada actor apresentou-se: estado civil, filhos e situação profissional. A última caracterizo-a como alarmante - o trabalho de ator é cada vez mais precário, o que se tornou uma boa ligação à peça.

Do Teatro Art'Imagem, vira em 2012 Madrugada, como escrevi aqui.