sábado, 30 de abril de 2016

Jardim Zoológico de Vidro

Fiquei a pensar na expressão de Jorge Silva Melo, o encenador de Jardim Zoológico de Vidro, de Tennessee Williams, no Teatro da Politécnica, pelos Artistas Unidos: "Derrotados, sim, abandonados, sem hipótese, deixados para trás, com a electricidade cortada e contas por pagar, vencidos: mas estes são os invencíveis, esses sonhadores que Tennessee Williams cantou".

Da trilogia encenada por Jorge Silva Melo das obras de Tennessee Williams (Thomas Lanier Williams III, 1911-1983) - Gata em Telhado de Zinco QuenteDoce Pássaro da JuventudeJardim Zoológico de Vidro -, esta parece mais intimista, talvez porque a sala que recebe a peça permite que o espectador esteja mais perto dos atores e entenda melhor o que dizem e o modo como o expressam. Mas há o mesmo universo das outras peças que decorrem no Missouri, com fazendeiros, homens de sucesso e de fracasso, embora a trama se urda no seio de uma só família, com a entrada de um forasteiro no final da peça.

Aqui, na cidade de S. Louis, o fracasso parece momentaneamente compensado pelo sonho: arranjar um pretendente para a filha que coxeia, incentivar o filho a ter um melhor emprego. Mas aquela, Laura (Vânia Rodrigues), tímida, refugia-se na coleção de peças de vidro representando animais e aquele, Tom (João Pedro Mamede), frequenta o cinema em busca de aventuras que a vida de empregado num armazém de calçado não tem. A única voz realista é a do jovem Jim O'Connor (José Mata), convidado para jantar e, possivelmente, apaixonar-se e casar com a rapariga daquele lar que parou no tempo em que o marido e pai se foi embora sem nunca mais dar sinal, a não ser um postal sem endereço. E tudo se esclarece quando a empresa de eletricidade desliga o fornecimento, por falta de pagamento.

Publicada em 1945, a peça seria o primeiro grande êxito do dramaturgo na Broadway. Tom reflete a personalidade do autor. O seu pai, vendedor de sapatos viajante, alcoólico e viciado em jogos de aposta, aparece na peça como empregado dos telefones de longa distância até um dia desaparecer. Para fugir ao mundo caseiro insuportável, Williams ter-se-ia refugiado no seu quarto pintado de branco e com miniaturas de animais de vidro. Talvez Laura se assemelhe à sua irmã, Rose, com sintomas de esquizofrenia desde jovem e submetida a uma lobotomia. A história da peça decorre na década de 1930, quando os Estados Unidos viviam os problemas da grande depressão financeira e os indivíduos por mais que lutassem quase sempre perdiam, desempregados, deserdados, escorraçados, arredados de tudo por uma estranha força do destino - o capitalismo.

Compreendo a frase de Jorge Silva Melo, quando fala de vencidos que são sonhadores invencíveis: a mãe Amanda (Isabel Muñoz Cardoso) tem uma grande persistência em enfrentar os problemas e inventa soluções para eles. Infelizmente, ela está desfasada da realidade e os resultados não são adequados.

Tradução de José Miguel Silva, cenografia e figurinos de Rita Lopes Alves, luz de Pedro Domingos, coordenação técnica de João Chicó, produção de João Meireles e assistência de encenação de António Simão. Fotografia de Jorge Gonçalves.


sexta-feira, 29 de abril de 2016

O sonho de Ricardo Isidro, o médico da coxinha do Tide

Ricardo Isidro e Lily Santos Frias foram os célebres protagonistas dos folhetins Tide, da Rádio Graça, que, depois, vieram a ser conhecidos pelos folhetins da Coxinha. Ele encarnava a personagem de um médico, ela a de uma deficiente (coxeava). Propôs-se operá-la e torná-la uma pessoa normal. Mas apaixonou-se por ela. Após a morte da esposa do médico, este ficou livre e casou com a antiga coxinha. O enredo lento da história, no tocante à agonia de Raquel, a má da radionovela, exasperou as ouvintes do programa das 14:30. O rápido casamento e o nascimento de uma criança fizeram chegar à estação roupas para bebé, numa confusão entre ficção e realidade. O detergente patrocinador dos folhetins cessou a sua ligação à rádio em 1961, mas ficou marcada na cultura popular radiofónica essa relação, nomeadamente com a Rádio Graça.

Profissionalmente a trabalhar num escritório, Ricardo Isidro reaparecia no mundo da rádio em 1968 e confessava-se: estava perto dos cinquenta anos de idade sem conseguir realizar o seu sonho de sempre: viver de e para o teatro (Plateia, 21 de janeiro de 1969).


quinta-feira, 28 de abril de 2016

Ruy Castelar e Noite é Nossa

Noite é Nossa foi um programa das 3:00 às 6:00 em Rádio Clube Português de 1967 a 1975: "muitos ouvintes, que toda a noite trabalham nos mais diversos misteres, escolhem a nossa música e as nossas palavras como companhia para as suas labutas". Música do jazz ao ié-ié, da cançoneta romântica ao fado sentimental, lia-se na notícia (Plateia, 9 de abril de 1968).


quarta-feira, 27 de abril de 2016

Teatro Aberto na gestão da EGEAC?

A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou hoje a passagem de alguns museus para a EGEAC (Empresa Municipal de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural), leio na edição em linha do Diário de Notícias. A mesma notícia indica quais os museus que a EGEAC gere: Museu de Lisboa (núcleos Torreão Poente do Terreiro do Paço, Palácio Pimenta, Santo António, Núcleo Arqueológico da Casa dos Bicos e Teatro Romano), Museu do Aljube, Museu Bordalo Pinheiro, Galeria da Mitra, Projeto Africa.Cont e dois edifícios situados no Largo de Santos e na Avenida Calouste Gulbenkian. A proposta passaria com os votos favoráveis do PS, Cidadãos por Lisboa (eleitos nas listas socialistas) e Parque das Nações por Nós (PNPN), a abstenção do BE, PSD e PAN e os votos contra do CDS-PP, MPT, PCP e PEV.

No lote, aparece também o Teatro Aberto. No sítio deste teatro, continua a ler-se: "O Novo Grupo de Teatro – Teatro Aberto - foi fundado em 1982 por profissionais de teatro ligados aos primeiros grupos de teatro independente em Portugal. Foram seus fundadores, entre outros: João Lourenço, Irene Cruz, Francisco Pestana e Melim Teixeira".

Espero por mais notícias para confirmar ou não a informação.


terça-feira, 26 de abril de 2016

Teatro amador na empresa

Hoje, ao final da tarde, foi lançado o livro de Carmen Zita Monereo, A Empresa na Cultura. O Teatro Amador e a Criação de Novos Públicos da Cultura, na sala do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. A apresentação coube-me (ver abaixo ficheiro pdf), eu que orientara a sua dissertação de mestrado na Universidade Católica Portuguesa.


[imagens retiradas da página do Facebook de Pessoas@2020]

Após a apresentação do livro, seguiu- se o debate sobre As Artes no Desenvolvimento da Cultura Organizacional [da esquerda para a direita:  Maria Duarte Bello, da Comissão Promotora do Pessoas@2020, moderadora, Natália Correia Guedes, presidente da Academia Nacional de Belas Artes, Carlos Pimenta, encenador e gestor cultural, Inês de Medeiros, vice-presidente da Fundação Inatel, e Nuno Barra, administrador do Grupo Vista Alegre-Atlantis, imagem minha].


Liberdade de expressão

Ontem, nas comemorações de 25 de abril de 1974, uma das ideias centrais dos discursos políticos foi liberdade de expressão. Mas a data não identifica apenas a formação de partidos ou movimentos políticos. O período foi cheio de surgimento de entidades, de associações de caçadores e de profissionais de golfe, associações de moradores e de pais em escolas secundárias, cooperativas culturais, de consumo e de habitação, editoras e livrarias a sindicatos, confissões religiosas (Testemunhas de Jeová, Baha'is, evangélicas), clubes físicos e espirituais orientais (judo, karaté, ioga) e associações artísticas.

A Associação Portuguesa de Evangelização (registo notarial de 5 de março de 1975) tinha no seu segundo artigo o objeto: "fomentar a proclamação do evangelho de Jesus Cristo, através da pregação pública, distribuição de literatura, emissões radiofónicas e televisionadas, exibição de filmes e outros meios". A Arco - Centro de Arte e Comunicação Visual (registo notarial de 27 de janeiro de 1975) propunha a "atividade de promoção, divulgação, experimentação e ensino das artes visuais, de desenho de equipamento e ambiente, das artes gráficas, comunicação visual e animação cultural, assim como das artes em geral, e ainda a prática de quaisquer outras manifestações culturais e de investigação". Se os estucadores formaram a Artistuque - cooperativa operária dos estucadores associados do Barreiro em registo notarial de 10 de dezembro de 1974, o Grupo Recreativo Zip-Zip da Fomega (freguesia da Caparica, concelho de Almada, registo notarial de 24 de março de 1975) tinha como objetivo "promover o recreio dos seus associados através de récitas, festas recreativas, saraus, bailes, jogos lícitos e teatro amador".

De repente, o mundo parecia em expansão total. Em que as indústrias culturais e criativas, a arte, a comunicação e o entretenimento brotavam energicamente. Chamo a atenção para pormenores não despiciendos - conceptual (grupo profissional operário do Barreiro promove uma cooperativa para elevar a sua atividade à categoria de arte) e legal (o termo lícito aplicado a jogos indica a existência de uma fronteira que o grupo recreativo de Almada quis traçar).

domingo, 24 de abril de 2016

Documento sobre o Museu da Rádio

Em abril de 1976, o Diário da República publicava o estatuto da RDP (Radiodifusão Portuguesa), empresa que resultara da nacionalização e fusão da rádio decidida em novembro de 1975. Num dos artigos, era incluída a criação de um museu nacional da rádio (e outro a criação de uma fonoteca nacional). A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD) contestou esse articulado.

Na altura, o presidente da comissão administrativa da RDP, major João Figueiredo, viu-se obrigado a responder ao ministro da Comunicação Social através do chefe de gabinete, com data de 2 de junho de 1976. O major Figueiredo recordava que, por iniciativa de trabalhadores das antigas estações Emissora Nacional e Rádio Clube Português, se reunira uma apreciável quantidade de material com interesse histórico. Apesar de o presidente da comissão administrativa da RDP manifestar muito interesse na criação do museu da rádio, ele não deixava de considerar que tal significava um encargo suplementar ao objeto fundamental da empresa: a prestação do serviço público de radiodifusão.

José Nascimento foi um desses obreiros do museu da rádio. Outro foi Manuel Bravo, aliás seu responsável durante a permanência do museu na rua do Quelhas.









sábado, 23 de abril de 2016

À espera de Scheherazade


O tema deste ano dos Dias da Música é a viagem de Phileas Fogg à volta do mundo em oitenta dias, um dos livros mais conhecidos de Júlio Verne. Ontem, ouviu-se Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, entre outras peças.

terça-feira, 19 de abril de 2016

85 anos de Rádio Clube Português

Se Rádio Clube Português ainda existisse, faria hoje 85 anos de emissões. Aqui, recordo a notícia publicada no jornal Diário Popular de 19 de abril de 1971, a publicitar a programação especial da estação nos seus 40 anos de vida.

A estação era, então, um grupo multimedia, atendendo a que comprara outras estações (Rádio Alto Douro e Rádio Ribatejo), iria estabelecer-se em Luanda com uma rádio (1973), e a preparar a entrada em canal de televisão angolano prometido (que não chegou a abrir), comprava um avião para fazer a cobertura de eventos em direto, como a volta em bicicleta a Portugal, comprava o cinema GL (Nimas) e criava a editora Imavox. A marca original Rádio Clube Português desapareceu em 2 de dezembro de 1975, com a nacionalização da rádio e da televisão. Mais tarde, a marca reapareceu mas voltou a desaparecer.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

NewsMuseum (Sintra)

Hoje, integrado num grupo, visitei o NewsMuseum (Media Age Experience), em Sintra, cuja inauguração está apontada para 25 de abril próximo (gentileza de Luís Paixão Martins).

A ideia do museu nasceu um ano atrás e teve 80 colaboradores a trabalhar até chegar ao momento de apresentação pública, num espaço de 900 metros quadrados, mesmo no centro de Sintra. Destaques, para mim, da recriação de espaço de emissão de rádio, do lounge e interatividade com imagens, páginas e vídeos (históricos e depoimentos de profissionais e investigadores, que narram a história do media e do jornalismo ao longo de várias salas (de guerra, fotojornalismo, desportivo, jornalismo e cinema, sala dos imortais, ética e liberdade de imprensa, realidade virtual - desmaterialização dos media), cada qual com o seu curador (profissional ou especialista que apresenta o conteúdo da sala, equipamentos de televisão.

A jóia do museu é a torre de Babel, uma enorme coluna que acompanha a altura dos diversos andares, com ecrãs ligados a 90 canais de televisão. Mas ainda a sala da propaganda, com cartazes políticos ao longo das últimas décadas, em que se pode colar um cartaz (isto é, simular a sua colagem), com um mural do criador de murais do MRPP junto a um busto de António Ferro, dentro da ideia de contradição máxima: o que é próximo e o que é distante.Ou a sala dos duelos, de que recordo o debate Soares-Cunhal (e a frase: "olhe que não, olhe que não"). Diretor: Rodrigo Manuel Botelho Moniz Moita de Deus (pelo nome, descobre-se logo ser bisneto do fundador de Rádio Clube Português, Jorge Botelho Moniz) [numa das fotografias a "colar" um cartaz]. Ver mais em NewsMuseum.

Já estou a ver o Newsmuseum a ganhar o prémio de melhor museu do ano. Pelo conteúdo, pelas ideias inovadoras nas diversas salas e pelas tecnologias de interatividade!




[António Ribeiro, António Mocho, João David Nunes, Luís Paixão Martins, Joaquim Furtado, Rogério Santos à porta do #NewsMuseum. Ligados à Rádio, desta ou daquela maneira. — com António RibeiroAntónio MochoJoão David Nunes,Joaquim Furtado e Rogério Santos em Vila De Sintra]



quarta-feira, 6 de abril de 2016

Notas sobre António Cartaxo

António Cartaxo nasceu em 1934 na Amadora mas era para ter nascido em Bragança. Filho de militar, a sua errância levou-o a Angola, mas também a Évora e Portalegre (onde se recorda de ter aprendido Carmela, Se me Quieres Escribir e outras canções republicanas da Guerra Civil de Espanha, que o levaria a fazer um programa muitos anos depois). E ainda, devido à independência económica da mãe e sua separação do pai, Estoril (onde ela trabalhar) e Lisboa (liceus Passos Manuel e Camões). As suas memórias levam-no igualmente ao Colégio Moderno, onde aprendeu com Álvaro Salema, Mário Dionísio, Rui Folha e Morgado Rosa. Além de algumas piratarias, como tirar fruta (figos) dos campos vizinhos quando morava no Alentejo e entrada no campo do Benfica com o cartão de sócio do irmão, que o atirava para fora do terreno depois de ele próprio ter entrado. Adepto confesso do Benfica, ganharia uma medalha de atletismo no ano de 1951-1952. A licenciatura em Letras tirou-a enquanto trabalhava, primeiro como arquivista do Metro de Lisboa, depois a cumprir o serviço militar na Biblioteca do Estado-Maior do Exército.

Se a primeira parte do livro Quase Verdade como são Memórias se intitula "Outrora", a segunda parte leva o nome "Londres e Depois", onde regista todo o trabalho na secção portuguesa da BBC, o seu despedimento (objeto central do livro que escreveu com Jorge Ribeiro, BBC Versus Portugal. História de um Despedimento Político), realização e sucesso do programa Você Gosta de Beethoven? e feliz carreira na Antena 2 (para ele e para os imensos ouvintes dos seus programas), onde desenvolveu um ofício de mais de quarenta anos - o de colar música e palavra. Entre 1963 e 1975, período em que foi funcionário da BBC, ia quase todos os dias a um concerto de música clássica (grande música, como escreve), e que serviu de base conceptual para os seus programas em Portugal (as notas que foi tirando ao longo dos concertos serviram como matéria-prima futura).

Na secção portuguesa, o que mais gostava de fazer era dar notícias sobre a situação do Portugal ditatorial, expondo o que aqui era censurado e proibido - presos políticos, tentativas goradas de manifestações, notícia do assassinato de Humberto Delgado e sua origem política. Mas a BBC não queria ofender muito o regime da ditadura. Quando o país assistiu à revolução de 1974, António Cartaxo e Jorge Peixoto foram acusados de apresentarem uma visão de esquerda e alvo de sanções, que culminariam em tribunal e com o despedimento. A história que o autor narra em ambos os livros faz pensar na situação analisada no livro de Nelson Ribeiro sobre a BBC na época da II Guerra Mundial: o dissidente Armando Cortesão seria afastado por influência indireta de Salazar e do embaixador Armindo Monteiro (2014, Salazar e a BBC).

Quer a análise académica de Nelson Ribeiro quer a descrição mais emotiva de António Cartaxo, porque viveu pessoalmente uma situação muito delicada, revelam uma BBC que não corresponde à imagem que temos da estação pública britânica: independência e rigor. Cartaxo conta a história de divulgação quase clandestina de situações muito graves em Portugal, aproveitando, por exemplo, os programas de fins de semana, quando não havia tanto controlo do que era dito. O livro BBC Versus Portugal. História de um Despedimento Político enumera a hierarquia da secção portuguesa e sua relação com as áreas superiores de decisão e revela a linha tendenciosa e não independente da BBC.

A censura interna a António Cartaxo e Jorge Ribeiro começaria com as denúncias do deputado conservador Winston Churchill neto de a secção portuguesa da BBC irradiar propaganda pró-comunista. Entre julho e agosto de 1975 os dois profissionais da BBC eram suspensos. O julgamento considerando-os culpados por erros de emissão ocorreria em janeiro de 1977. Foi nesse período que os dois fizeram o programa Você Gosta de Beethoven?, apresentado e vencedor no concurso pró-música de Rádio Budapeste, uma espécie de compensação moral.

O período que António Cartaxo considera áureo na secção portuguesa seria o de 1970-1974, com colegas como Manuela de Oliveira, Paulo David, Jorge Ribeiro, António Borga, José Júdice, Carlos Alves e Joaquim Letria, em que incluiu as reportagens que fez da campanha eleitoral de 1973 em Portugal. Neste ano, António Cartaxo receberia um Special Award (prémio especial) pelas realizações radiofónicas ao longo da sua permanência na BBC. Se tinha dificuldades em entrevistar políticos da oposição, por recomendação ou resposta negativa da linha hierárquica, era mais fácil entrevistar cantores da resistência na qualidade simples de artistas: José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho e padre José Fanhais.

Em 1978, através do Instituto de Cultura Portuguesa, António Cartaxo seria leitor de português em Varsóvia. A experiência letiva mantê-la-ia durante vinte anos na Universidade Clássica em Lisboa. O livro Quase Verdade como são Memórias acaba quase aqui, sem antes referir brevemente as suas relações sentimentais com Beatriz, Manuela e Rosa, mãe do seu filho António Maria. O livro seria Prémio Alçada Baptista da Sociedade Portuguesa de Autores (2012). Agora, o autor recebeu o prémio da rádio Igrejas Caeiro 2016.

Leituras: António Cartaxo (2009). Quase Verdade como são Memórias. Lisboa: Colibri, 157 páginas, 15 euros
António Cartaxo e Jorge Ribeiro (1977). BBC Versus Portugal. História de um Despedimento Político. Lisboa: Editorial Estampa

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Um livro sobre a editora Romano Torres

As edições Romano Torres constituem o nome de uma empresa livreira de grande significado em Portugal. Ela foi conhecida por fornecer edições populares no preço e nos gostos.

A alma da editora foi a literatura infantil e popular, com abertura ao romance histórico, ainda no final do século XIX. A coleção "Biblioteca de Recreio", iniciada em 1888, combinaria obras de referência, divulgação, história e romances. A coleção foi uma estratégia editorial para desenhar o catálogo da Romano Torres, que se prolongou por décadas e que se traduziu numa novidade à época: a especialização.

Os romances de aventuras nas coleções Salgari, Manecas e Gigante marcaram o conhecimento da juventude masculina de gerações, já na primeira metade do século XX. A coleção Azul, orientada para um público feminino, composta de novelas sentimentais e referenciada como a biblioteca ideal da família. Dito de outro modo: a biblioteca como lugar simbólico que incorporava novas relações temporais, acumulação, leitura e difusão.

Por outro lado, pseudónimos escondiam autores portugueses, que se identificavam apenas como "tradutores", o que lhes trazia mais liberdade quanto a histórias, lugares e fantasias. O tradutor era o elemento central no modo de circulação principal do livro a partir do século XIX, permitindo que textos romanceados europeus mas de línguas estrangeiras chegassem às mãos de leitores ávidos de novidades. Walter Scott, Dumas pai e filho, Emilio Salgari, Charles Dickens, Emile Zola, Jane Austin, as irmãs Brontë (Emily e Charlotte) e Odette de Saint-Maurice seriam alguns dos autores privilegiados pela editora.

Um terceiro fator marcante é a viabilização do negócio dentro de uma estrutura familiar. A editora Romano Torres nasceria do trabalho e conhecimento de tipógrafos, litógrafos e profissionais ligados à impressão, que criaram competências e negócios entre tipografias e editoras em torno do livro e do didatismo. A Romano Torres insere-se na regra da maioria das empresas que começam com um nome de família, com as chancelas das editoras a revelarem dois universos: empresarial e profissional.

O livro agora publicado revela uma faceta que não deixo de destacar: o arquivo organizado da empresa e a generosidade do último proprietário, Francisco Noronha e Andrade, doar o arquivo para melhor tratamento e divulgação de um espólio cultural marcante. Isso ilustra uma estabilidade empresarial ao longo da sua existência, em especial pela conservação da sua propriedade e identidade numa família.

O projeto, corporizado em torno de Daniel Melo e da sua equipa, chamou-se "Romano Torres: um arquivo histórico representativo da edição contemporânea", foi apoiado financeiramente pela Fundação Calouste Gulbenkian e em termos logísticos pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dentro do Centro de História da Cultura. Além do arquivo, o projeto promoveu encontros, edição de revistas e criou um sítio na internet. O livro tem capítulos escritos por Daniel Melo, João Luís Lisboa, Afonso Reis Cabral, Joanna Latka e Patrícia Cordeiro. A capa do livro tem ilustração de António José Ramos Ribeiro, trabalhada para aparecer na História Ilustrada da Guerra de 1914.

Leitura: Daniel Melo (2015). História e Património da Edição - a Romano Torres. Famalicão: Humus, 153 páginas, 8,5 euros

sábado, 2 de abril de 2016

Abandono da informação de "última hora"?

Os media digitais de qualidade estão a repensar o conceito de notícia de última hora. "Abrandar o ritmo noticioso e permitir que os leitores digiram a informação com mais tempo", segundo escreveu ontem o jornal Público.

Os exemplos são os dos jornais britânicos The Times e The Sunday Times (grupo News Corp, de Rupert Murdoch), que vão adotar o modelo editorial de "abandono da cobertura noticiosa ao minuto e pela aposta no tratamento aprofundado das histórias do dia", ainda segundo a mesma notícia. Os títulos passam, assim, a ser atualizados online em três momentos diários: 9:00, 12:00 e 17:00. A decisão parece estar em oposição à tendência das edições online dos media mundiais difundirem informação ao minuto. Um objetivo maior será o de escrever textos mais profundos e compreensivos para os leitores que se interessam por saber mais sobre o mundo e parte da ideia que um leitor não absorve completamente mais do que cinco ou seis temas por dia.