sexta-feira, 30 de março de 2018

Media e Portugal Contemporâneo em congresso

O Congresso Os Media no Portugal Contemporâneo: da Ditadura à Democracia, a realizar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a 18 e 19 de outubro de 2018, "pretende refletir sobre o papel dos meios de comunicação social – com ênfase na imprensa, na rádio e na televisão – no longo período da ditadura e nos primeiros anos da democracia portuguesa. Incluem-se neste quadro os media portugueses da metrópole e das províncias ultramarinas portuguesas. Numa perspetiva interdisciplinar, procura-se também discutir metodologias e problemáticas ligadas ao estudo do passado dos media. A par de sessões plenárias com apresentações acerca dos vários meios de comunicação social nos dois períodos, bem como de problemáticas principais e desafios que se colocam à história dos media, será reservado espaço a sessões paralelas, organizadas a partir de propostas de comunicações, que incidam sobre a ditadura até à década de 1980".

A organização apela à participação no congresso, através da submissão de propostas enquadradas em temas como media e sociedade, media e poderes político e económico, práticas e rotinas de trabalho, ruturas e continuidades, discursos, censura(s), legislação e regulação, olhares estrangeiros, cinema, cartaz e mural, publicidade e relações públicas, e metodologias e fontes para a história dos media. Outros temas serão aceites, desde que se refiram ao período cronológico definido, até ao dia 31 de Maio de 2018, para o endereço: congresso.media.portugal@gmail.com.

Livros sobre rádios locais (2)

Emília Amaral (1923) frequentou o ensino liceal e coordenou a Cruz Vermelha Portuguesa, presumo que em Águeda, de onde é natural. Publicou diversos livros, entre os quais Águeda Deste Século (1992) e Maria, a Aguedense (2002).

Do prefácio de A Nossa Voz Através da Rádio Botaréu (2003), assinado por Fernando Cardoso, ficamos a saber que este livro está composto de textos escritos e lidos por Emília Amaral (Espaço Literário) em programas da Rádio Botaréu (Águeda): Caixa de Surpresas (1992-1994), Terra Livre e Em Direto (1994-2000). Com ela, colaboraram a jornalista e locutora Irene Costa e o capitão Mário Barbino (no primeiro dos programas). Invariavelmente, a autora começava o programa assim: "sim, Maria Irene, mas primeiro as minhas boas noites aos senhores ouvintes", a significar uma pergunta inicial da locutora e o horário do programa. O programa tinha, com frequência, convidados, o que permite pensar em tertúlias radiofónicas em torno de temas aguedenses.

Nos seus textos, a autora falaria de Águeda, localização, padroeira Santa Eulália, lendas, praia fluvial, romarias e procissões, ranchos, filarmónicas, Carnaval, Páscoa, Natal, bailes, magustos, matança do porco, jogos, canções, escolas primárias e doenças. Cada texto tem a dimensão de duas a três páginas.

O livro é uma síntese de uma realidade social e cultural, creio eu, espelho da vida de uma cidade de média dimensão, em que as pessoas se conhecem e diligenciam por ter estruturas próprias, das quais se regozijam. Numa cidade grande como Lisboa não haveria, certamente, um tipo de programa como o emitido pela estação de Águeda. A razão da minha observação é a apresentação de uma instituição local, o CEFAS (Centro de Formação e Assistência Social), obra do padre José Camões (pp. 20-21). Para o seu desenvolvimento, organizaram-se cortejos de colheitas. A música de grupos musicais serviu para atrair as pessoas, levadas para o adro da igreja, com leilão de coelhos, galinhas, pombos, milho, ovos, feijão, batatas e bolos regionais. No Carnaval, um grupo de jovens mandavam parar os automóveis perto da ponte para angariar fundos junto dos seus condutores e uma equipa de senhoras deslocou-se a empresas industriais para obter tijolos, fechaduras, parafusos e pregos.

Do livro, como se fosse um manual de antropologia urbana, destaco também as quatro páginas dedicadas ao teatro em Águeda (pp. 71-74). Emília Amaral apresenta-nos o teatro da Fábrica, onde antes estivera a fábrica da cera, cerca de 1910, onde se representaram peças de autoria do dr. Toy (António Homem de Mello), dos Vitalinos e do dr. Adolfo Portela. No Salão da Senhora Baronesa, para além dos bailes, representou-se Astrólogo Mendes (Fernão Corte Real, 1918). Outras peças: Rosas de Todo o Ano (Júlio Dantas) e A Madrugada (Fernando Caldeira). No Salão da Senhora Baronesa, efetuar-se-iam os ensaios da música de Águeda, dirigidos por Godofredo Duarte. No Aguedense Pathé Cinema, além dos filmes, havia variedades. A autora lembrava-se de O Barril à Venda Nova (Serafim Soares da Graça), Gaiato de Lisboa e Grão de Bico. O Cine-Teatro de Águeda (Orfeon), inaugurado em 1943, veria a revista Águas do Botaréu (Francisco Lima, 1946). Emília Amaral destacaria ainda a Juventude Católica Feminina, com récitas, o Salão Cultural da Escola Central de Sargentos, o CEFAS (1967) e o Cine-Teatro S. Pedro (1980).

Igualmente, houve destaque à música e músicos de Águeda: Banda Velha de Fermentelos, Conjunto Musical Swing Águeda Jazz, cinco irmãos Duarte, atuantes durante 22 anos (1943-1965) e Orquestra Típica de Águeda (1970). E a outras instituições como ARCA (Associação Recreativa e Cultural de Águeda), Aero-Clube de Águeda e Sociedade Hípica de Águeda, e personalidades da cidade: Manuel de Sousa Carneiro, Fernão Marques Gomes, João Breda, António Filomeno Carneiro, Adolfo Portela, Carlos Alberto Marnoto e António Homem de Mello.

A autora, cujo programa fez entre os seus 69 e 77 anos, mostrava uma grande juventude e abertura a questões presentes, com o pormenor que se lia também nos jornais regionais em papel. Digo isto ao ler o texto respeitante a uma convidada, Maria Antónia Morais (edição de 25 de janeiro de 2000): "Aos sete anos - na companhia dos seus pais - foi para Lisboa, começando aí a instrução primária, a qual veio terminar em Águeda sob a orientação da professora D. Laura Brinco. Paralelamente, aprendeu o catecismo e fez a sua primeira comunhão solene. E depois de completar um curso secundário, integrou-se no curso de Relações Públicas e Humanas. [...] A nossa convidada casou aos 22 anos, em Benfica, na Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Foi seu marido um jovem formado em Gestão de Empresas e advogado dos Sindicatos. Ambos resolveram adotar um menino - o Ângelo".

O marido da convidada pertencia à extrema-esquerda e seria preso pela PIDE em 1972. Após abril de 1974, ela aderiu ao PSD. A separação deu-se 16 anos depois do casamento. Ela voltaria a casar, em 1990, com o maestro e capitão Amílcar Morais. Retiro aqui uma observação: enquanto o segundo marido era nomeado, o primeiro permanecia ligado apenas à profissão. Parecia um lapso freudiano.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Paulo Barreto

Sobre Paulo Barreto, já escrevi aqui, a 4 de junho de 2011. O livro O que se Ouvia e Via ao Balcão do Portela, a história de vida de um empregado de balcão em Vila Praia de Âncora, saíra em 2010. Escritor e pintor, define-se como "repentista".

Agora, espera-se uma exposição de quadros a acrílico debaixo do tema incêndios, tragédia que se abateu no país o ano passado e que o impressionou muito. Enquanto não vem a exposição, fica aqui uma aguarela dele (Repouso, 2015), uma homenagem aos barcos artesanais entretanto desaparecidos.


terça-feira, 27 de março de 2018

Entregue o Prémio Igrejas Caeiro (SPA) a José Manuel Nunes

Foi hoje ao final da tarde que José Manuel Nunes recebeu o prémio carreira de rádio Igrejas Caeiro (de que destaco as atividades de realizador do programa Página 1 e presidente da RDP). Nos vídeos abaixo, o elogio de João Coelho (também antigo dirigente da RDP) e José Jorge Letria (presidente da Sociedade Portuguesa de Autores), além do lembrar de memórias próprias do realizador de rádio agora premiado.


Livros sobre rádios locais (1)

Capa do livro: Maria Silvana Violante Machado
Para estudar as rádios locais não basta apenas encontrar fontes primárias. A edição de um livro sobre poesia pode conter informação útil sobre a programação de uma rádio, como acontece no livro de Ana Machado, O Poeta, a Rádio e o Povo, de quase 300 páginas.

A autora colaborou com um programa na Rádio Fundação (Guimarães). Não dito de modo explícito, creio que os poemas seriam apresentados nesse programa, versando conversas telefónicas, diálogos entre a poetisa no estúdio e os ouvintes, o pulsar de novos e velhos, as boas e más notícias, o folclore, o associativismo, tendo como pano de fundo a solidariedade, a amizade e o humanismo, com a música como pretexto (prefácio de Barroso da Fonte, diretor do jornal Poetas & Trovadores). O mesmo Barroso da Fonte enaltece o papel deste modo de fazer rádio local, com um papel social e cívico de muita importância no final do século XX.

O livro divide-se em três partes, separadas por imagens: poesia solta, diálogo com a rádio e o povo, desabafos da sua vida menos boa, evidenciando a crise empresarial na Coelima (março-abril de 1991), onde teria trabalhado. Aliás, outro introdutor da obra, António Feliciano, remete a autora para o Orfeão da Coelima. Dois dos poemas mais sentidos de Ana Machado dirigem-se a uma estagiária de psicologia na Coelima, Luísa, nesse momento de crise, quando as notícias davam conta do (previsível) despedimento de duas mil pessoas: "Disso vamos ter fé / Pela Coelima vamos lutar / Com a ida a Guimarães a pé / No futuro vamos apostar" e "Esta marcha foi feita / Com a Luisinha a animar / Deu-nos a coragem perfeita / Para o Vale do Ave reivindicar". O poema acaba com um beijinho de Ana Machado e de Goretti, certamente outra colaboradora da Coelima. Um dos poemas dedicado à estagiária descreve-a com olhos azuis, óculos e cabelos compridos aloirados, a arranjar logo um namorado dentro da Coelima, o qual pensaria em entrar para a universidade nesse ano.

Ana Machado (1954) exerceu funções de secretariado no domínio da psicologia e formação profissional (1970-1996) e na câmara municipal de Guimarães, na Divisão de Ação Cultural e Social (desde 1996). Ligada ao folclore e às danças de salão, era, à data da edição do livro, presidente do grupo Regional Folclórico e Agrícola de Pevidém, presidente da Associação de Folclore e Etnografia de Guimarães e membro dos corpos diretivos da Federação de Folclore Português e da Sociedade Musical de Pevidém.

Leitura: Ana Machado (2006). O Poeta, a Rádio e o Povo. Guimarães: Editora Cidade Berço

segunda-feira, 26 de março de 2018

Rádio Clube Lusitânia

Nunca ouvi Rádio Clube Lusitânia nem a voz do seu proprietário, Júlio Nogueira, mas, para mim, ele é um herói. A sua estação começou a emitir em 17 de julho de 1939, muito pouco tempo antes do começo da II Guerra Mundial, embora o sopro da violência nazi já se fizesse sentir. Júlio Nogueira tinha uma empresa de serração (importação e exportação de madeiras).

A sua programação, incluída na mesma frequência que outras estações do Porto (Grémio dos Comerciantes da Rádio, com emissor a centralizar as emissões, Ideal Rádio, ORSEC, Eletromecânico, Portuense Rádio Clube e Rádio Clube Invicta), era composta por palestras (cultural, feminina), programas (ligeiro, popular, música de concerto e música gravada), teatro radiofónico e rubrica semanal O Meu Jornal. Num dos blocos desta rubrica, Júlio Nogueira defendeu a rádio como arte, criticou as rubricas de discos pedidos com dedicatórias (tipo: "posso pedir um disco? dedico o disco à minha namorada") e fez a apologia dos grupos dramáticos. Entre os colaboradores encontravam-se Armando Leça, Pedro Homem de Melo, maestro Raul Lemos e Rui Luís Gomes.

Finalizada a II Guerra Mundial, e pensando que o regime de Salazar iria acabar, Júlio Nogueira fez uma programação em defesa da democracia e da liberdade de expressão. A polícia política prendeu-o e a licença de radiodifusão foi cassada, nunca mais emitindo mesmo com outras propostas.

sábado, 24 de março de 2018

A Família Anjos segundo Alexandra de Carvalho Antunes

Sobre os livros de Alexandra de Carvalho Antunes, já escrevi aqui (O veraneio da família Anjos. Diário de Maria Leonor Anjos, 1885-1887, em 2007) e aqui (Cais da Pedra e Cais Real. Planos Joaninos para a Marinha de Lisboa, em 2017).

Hoje, coube a vez ao lançamento do livro A Família Anjos. Modelo de Ascensão Social e Económica no Século XIX (2018), apresentado por Pedro Neves (ISEG) na Casa Sommer, Arquivo Histórico Municipal de Cascais (pequeno excerto, abaixo).



O livro, além da introdução, divide-se em três partes: 1) os Anjos no lugar do Cabeçudo, Sertã, com reconstituição biográfica, 2) comércio com a África Ocidental e a indústria têxtil, 3) modos de habitar, fortunas e legados. Com doutoramento em arquitetura (património arquitetónico), há um evidente gosto em juntar a arquitetura e a história, visível nos outros livros que aqui comentei. No presente livro, seguindo o exemplo do diário de Maria Leonor Anjos e o veraneio da família, nomeadamente expresso na casa de Algés, hoje Centro de Arte Manuel de Brito, a autora debruça-se sobre três gerações de empreendedores da família, as duas primeiras com nascimento na Sertã (apelidos Lopes e/ou Ferreira), a primeira pioneira na vida comercial em Lisboa, atraindo para aqui diversos sobrinhos e outros indivíduos sob o nome Anjos, porque viviam nessa zona da cidade, e que receberam ensinamentos e apoio financeiro para o início da atividade comercial (p. 264).

A autora debruçou-se também sobre a origem e composição social da firma Anjos & Cª, encontrando designações ligadas ao comércio e à indústria têxtil. A empresa mais duradoura, ocupando quatro gerações, existiu de 1833 a 1931 (p. 265). Os irmãos António, Flamiano e Policarpo manteriam a vida comercial associada a investimentos em fiação, estamparia e tinturaria de algodões, a que se seguiriam investimentos fundiários e na banca. Alexandra de Carvalho Antunes, ao estudar a família Anjos enquanto membro da classe mercantil e capitalista dos séculos XIX e XX português, identificou os fatores decisivos do seu sucesso, tais como a entreajuda e coesão familiar, a diversificação e complementaridade e de interesses económicos e o estabelecimento de parcerias (p. 266).



Edição da Mazu Press, 398 páginas, 45 euros, prefácio de Jorge Fernandes Alves.

sexta-feira, 23 de março de 2018

José Manuel Nunes é prémio Igrejas Caeiro

Parabéns a José Manuel Nunes pelo Prémio Igrejas Caeiro, da Sociedade Portuguesa de Autores. É uma distinção pela sua carreira de radialista.


quarta-feira, 21 de março de 2018

Manuel Couto Viana

A biografia de Manuel Couto Viana (1897-1970) pode ser vista de dois ângulos: o artístico e o político. Eu prefiro o primeiro, mas não deixarei de falar do segundo.

Antes de eclodir a I Guerra Mundial, ele ligou-se a exposições que marcaram o primeiro modernismo português. Ele fez capas de livros de autores de Viana do Castelo, cartazes de festas - como as apresentadas aqui -, ilustrações em jornais e revistas, decoração de exposições, récitas teatrais e organização de cortejos. Foi ainda editor e redator principal do Notícias de Viana.

Na cultura, a sua campanha mais divulgada foi a do renascimento do uso da indumentária das lavradeiras vianesas, que seria tema muito usado nos seus desenhos e aguarelas.

Casado com a asturiana (de Oviedo) Maria Romana González de Lena y Carreño, ele foi pai de Maria Manuela Couto Viana (1919-1983), Maria Adelaide Couto Viana (1921-1990) e António Manuel Couto Viana (1923-2010). Este último publicou o livro Ferro-Velho: Memórias e Estudos (1990), editado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, com textos de desenhos do seu pai, permitindo melhor reconstituir a biografia de Manuel Couto Viana.

Dos três cartazes aqui presentes sobre a Romaria da Agonia (Viana do Castelo), há uma continuidade de dois deles, porque feitos quase em sequência cronológica, antes e depois da participação do artista na I Guerra Mundial, onde integrou o Corpo Expedicionário Português como alferes miliciano. No primeiro (1912), há quatro figuras típicas isoladas e duas peças de conjunto, ao passo que no segundo (1914), o artista resume a informação a duas peças de conjunto. Uma figura de conjunto é comum nos dois cartazes, na parte inferior deles, o lado festivo. As outras imagens revelam trajes e instrumentos de trabalho.

O terceiro, que dei mais destaque, já é uma produção de 1933, quando o seu programa estético atinge um grau superior: o traje da mulher lavradeira vianesa (com posses na terra). Não tenho conhecimentos para poder indicar uma influência dos Delaunay (em Vila do Conde), junto a Amadeu Sousa-Cardoso e julgo que o programa de António Ferro, de recuperação da cultura popular, ainda não estava no terreno. O traço não é tão saboroso como em Sonia Delaunay mas é igualmente rico em termos de cor e pormenor: o traje visto de frente e de trás, com apontamentos do lenço na cabeça, as chinelas pretas com meia branca, os bordados do avental e as jóias. Aqui, já comentei o traje usado pela filha Manuela, que recupero abaixo, onde também são visíveis os adereços do lenço branco e do pequeno saco, além da imponência das filigranas.


[Maria Manuela Couto Viana com o traje de Meia Senhora, ao lado de Luísa Cerqueira com traje de Mordoma, na Festa do Traje (década de 1950, catálogo do Museu do Traje de Viana do Castelo)]

O lado menos interessante da biografia de Manuel Couto Viana, para mim, é o político. Depois de frequentar engenharia na universidade de Charlsttenburg, em Berlim (1912-1914), e combatido em França pelo exército português, no regresso a Viana do Castelo foi presidente da Associação Comercial da cidade, vereador da câmara municipal em força política monárquica e vice-cônsul de França. Se, em 1933, foi nomeado delegado distrital do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (INTP), em 1945 seria convidado para Secretário da Junta Central das Casas do Povo, em Lisboa.

Um dos seus papéis no INTP foi o de "uniformizar" os sindicatos, alguns ainda ligados à CGT e ao anarco-sindicalismo. Numa operação de manobra, como ele escreveu explicitamente, deu a entender ao sindicato da construção civil, ainda revolucionário, que lhe reconhecia importância real, mas foi falando do seu conceito de sindicato corporativo, aquele que rejeitava a luta de classes e visava estabelecer a paz social. Couto Viana fez eleger para presidente o sócio do sindicato mais reivindicativo e palavroso e que todos pareciam admirar. Rapidamente, o novo presidente perdeu força, porque virara déspota, "próprio do bom socialista", sendo apeado logo depois. O homem do Estado Novo só encontraria resistência séria e organizada na Associação de Classe dos Empregados no Comércio.

terça-feira, 20 de março de 2018

Casa de Francisco Igrejas Caeiro

No Ministério Público, foi apresentada queixa sobre a situação atual da casa de Francisco Igrejas Caeiro, com data de ontem:

Exma. Senhora Procuradora Geral da República
Juíza Joana Marques Vidal

Somos a apresentar queixa junto do Ministério Público relativamente ao eventual incumprimento das disposições testamentárias do actor, produtor e radialista Igrejas Caeiro por parte da Fundação Marquês de Pombal, a quem o mesmo deixou como herança a sua propriedade em Caxias, com todo o recheio, incluindo o espólio porventura mais importante na área do trabalho para rádio nas décadas de 40 a 70 do séc. XX.
Com efeito, no ponto 9 do testamento de Francisco Igrejas Caeiro, lavrado em 22 de Maio de 2007 em Cartório de Cascais de Luís Alvim Pinheiro Belchior, é expressa e inequívoca a vontade do testador no que se refere à herdeira Fundação Marquês de Pombal:
“ […] Aproveitamento da casa e dos terrenos para implementação dum complexo adaptado à realização desses fins e que faça divulgação do seu espólio cultural e artístico:
Este complexo será composto por:
a) Casa Museu/Biblioteca Irene Velez/Igrejas Caeiro na actual residência, que sendo um projecto de referência do grande Arquitecto Keil do Amaral, de 1958, deverá por isso ser classificada como “edifício de interesse municipal”;
b) Edifício ou edifícios a construir destinados a actividades artísticas, didácticas e lúdicas que inclua:
- Sala polivalente para realização de eventos – exposições temporárias, conferências, etc.
- Biblioteca Infantil, ludoteca e parque infantil (Parque Infantil “Tia Nena”) […]"
Mais adiante, em II, alínea a), Igrejas Caeiro dá indicações claras sobre a Criação do Prémio Irene Velez/Igrejas Caeiro.
Considerando notícias vindas a público (vide http://www.rtp.pt/play/p3388/e286945/em-nome-do-ouvinte-o-programa-do-provedor-do-ouvinte-v-serie) que dão conta, de forma inequívoca, do desaparecimento de parte significativa do espólio deixado por Igrejas Caeiro à Fundação Marquês de Pombal, designadamente livros, discos (muitos deles raros e primeiras edições) e objectos vários, que foram vendidos em leilões e em feiras de velharias;
De referir que o mobiliário, ou parte do mesmo, foi desenhado por Keil do Amaral, havendo informações de que algum foi retirado da casa, desconhecendo-se o destino que lhe foi dado e outra parte encontra-se desprotegida sendo que estão a ser efectuadas obras alterando o projecto inicial da casa;
De referir ainda que do espólio de Igrejas Caeiro fazia (ou faz) parte uma importante colecção de arte, nomeadamente quadros de Júlio Pomar, Abel Manta, Artur Bual e outros, e várias obras de arte);
Considerando que estão a ser efectuadas obras no estúdio existente na casa, que era uma referência importante, e equipada na altura com o material mais sofisticado, onde o radialista gravava os programas de sua realização para as rádios onde eram transmitidos, alterando as características do mesmo, nomeadamente no que se refere ao revestimento das paredes;
Que dão conta do anúncio feito pela própria Fundação em querer transformar a casa de Igrejas Caeiro em alojamento local, empreitada que não só contraria as disposições testamentárias como acarretará, inequivocamente, a re-compartimentação interna da moradia, desfigurando-a de forma irreversível (foram feitas algumas casas de banho e quartos noutras divisões havendo a intenção de construir uma piscina no jardim e mais quartos. A cozinha foi transformada em cozinha industrial);
Considerando que a belíssima moradia concebida por Keil do Amaral para Igrejas Caeiro, no Alto do Lagoal (http://ceramicamodernistaemportugal.blogspot.pt/2018/02/casa-de-igrejas-caeiro-teatro-de-maria.html), não foi classificada pela Câmara Municipal de Oeiras com Monumento de Interesse Municipal;
Considerando que não foi instituído qualquer prémio Irene Velez/Igrejas Caeiro;
Apresentamos a presente queixa ao Ministério Público, com vista ao urgente apuramento de responsabilidades a nível administrativo e, eventualmente, criminais, pelo a nosso ver evidente incumprimento das disposições testamentárias de Francisco Igrejas Caeiro e pelos danos irreparáveis ao espólio deixado pelo mesmo
Colocando-nos à V/disposição para eventuais esclarecimentos, apresentamos os nossos melhores cumprimentos
(cópia aos media)

Virgílio Marques, Bernardo Ferreira de Carvalho, Rita Gomes Ferrão, Paulo Correia, Inês Beleza Barreiros, Luís Serpa, Jorge Pinto, Rui Martins, Eurico de Barros, Alexandre Marques da Cruz, Odete Pinto, Fernando Silva Grade, Júlio Amorim, Maria do Rosário Reiche, Fátima Castanheira, Jorge Mangorrinha, Leonor Areal, Rogério Santos e João Carlos Callixto.

Literacias, media e informação em Coimbra

A chamada de trabalhos para o Congresso Internacional Literacias, Media e Informação, a realizar nos dias 24 e 25 de maio de 2018, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,  foi alargada até 31 de março. Mais informações em http://www.uc.pt/fluc/dfci/slideshow/pdfs/cfp_alargamento_prazo.


segunda-feira, 19 de março de 2018

José Fortes

Em 1965, José Fortes e Fernando Rangel formaram o estúdio de gravação Fortes & Rangel, à rua da Póvoa, 459 (Jornal de Notícias, 19 de abril de 1965) e admitiram um terceiro sócio, engº António Nunes ainda no mesmo ano (Diário do Governo, III Série, 4 de novembro de 1965), elevando o capital social de 50 mil para 225 mil escudos (mais de 87 mil euros a preços de 2018). Foi um estúdio de gravação muito importante no Porto de então. José Fortes tinha 22 anos. O objeto da empresa era, lia-se na escritura, o "comércio e indústria de registos magnetofónicos", designação que remetia para a gravação de fita magnética. Fernando Rangel prestava assistência técnica na Rádio Renascença, ainda com instalações na rua da Alegria (Porto). José Fortes debutara na Emissora Nacional e, depois, como responsável técnico do estúdio de gravação da Rádio Triunfo em Lisboa. Ele terá gravado mais de 500 discos, de António Mafra à Banda do Casaco e muita música erudita.





domingo, 18 de março de 2018

Ferreira Fernandes

Segundo o Público online, a partir do comentário dominical de Luís Marques Mendes, José Ferreira Fernandes (1948) será o próximo diretor do Diário de Notícias, com Catarina Carvalho a diretora-adjunta. Eu gosto muito da escrita de Ferreira Fernandes. Se for nomeado para o cargo, votos de muitos sucessos.

O Caracol Voador

Conheci Jorge Neves quando colaborávamos num jornal em Vila Nova de Gaia, na segunda metade da década de 1970. Depois, cruzámo-nos na Árvore, cooperativa de ensino superior artístico. Reencontrei-o o ano passado. Não sabia da existência do quiosque "O Caracol Voador", agora em desativação. O filme (curta-metragem), onde ele conta a história do quiosque e dos seus trabalhos cinematográficos, pertence a Mafalda Silva, Rafael Godinho e Tânia Pinto e foi feito no âmbito de mestrado na universidade do Porto. Jorge Neves colaborou com a Rádio Delírio, estação do tempo das "rádios piratas" e que emitiu entre 1985 e 1988.

sábado, 17 de março de 2018

A canção portuguesa, de 1960 a 1974


João Carlos Callixto editou Canta, Amigo, Canta. Nova Canção Portuguesa (1960-1974) com o objetivo de reunir "a obra discográfica de um conjunto de intérpretes e compositores que contribuiu decisivamente para uma série de mudanças na música portuguesa" (p. 11). Para o sucesso da obra, valeu ao autor a "aprendizagem constante junto de muitos intervenientes e conhecedores deste período", continua a escrever Callixto. A Balada do Outono (1960), de José Afonso, marcaria o início de uma época. 1974, ou a sua proximidade, estabeleceria o fim do percurso da proposta do livro, enumerando-se alguns cantautores: António Macedo, Fausto, Samuel.

O livro é um dicionário, com entradas por nome de cantor, com uma curta biografia e destaque a alguns dos discos editados (e capas), sucessão que se lê com muito agrado. O autor indica critérios de escolha para o livro. Por exemplo, apenas entram discos originais, não se incluem discos de músicos e cantores anteriores ao período trabalhado e não figuram grupos de matriz rock ou fado e cantores africanos. A ênfase do livro é colocada na produção de fonogramas enquanto "materialização dos movimentos, das tendências musicais e culturais da época" (p. 14).

As entradas cobrem 103 músicos e cantores e tem espaço ainda para uma secção de discos coletivos. Com igual interesse a bibliografia, incluída no final do volume, e o rol de nomes nos agradecimentos, no começo do texto, marca significativa de trabalho devedor de muitos contributos. Livro editado pela Âncora, em 2014 (preço: 24,5 euros, 239 páginas).

quarta-feira, 14 de março de 2018

Tony Judt

Da frase "Tinha tudo contra si, mas que conseguiu tornar-se um ícone da divulgação científica"), que retirei do Diário de Notícias sobre o falecimento hoje de Stephen Hawking, associei este a outro inglês, também com a doença ELA, o historiador Tony Judt.

No ano passado, li com sofreguidão um livro sobre Judt (Tony Judt - Historiador e Intelectual Público), assinado por Rui Bebiano, que não conheço pessoalmente, embora tenhamos partilhado capítulos em livro organizado por Carlos Leone, muitos anos atrás. Não vou fazer aqui uma recensão crítica, por falta de aparelhagem teórica, mas apenas elogiar o livro.

O livro tem cinco capítulos mais uma introdução e um epílogo. Nele, o historiador é apresentado na sua profissão e na de homem que escreveu artigos em jornais sobre os problemas do mundo. Rui Bebiano - que nutre uma especial empatia com Tony Judt, do mesmo modo que eu também - enfatiza muito as influências intelectuais no historiador e o seu percurso militante quando jovem. As influências maiores seriam Léon Blum, Albert Camus, Raymond Aron e George Orwell. Mas ainda Arthur Koestler, Primo Levi, Hannah Arendt, Edward Saïd, François Furet, John Maynard Keynes, Manès Sperber e Leszek Kolakowski. Alguns destes autores não conhecia ou li, mas Rui Bebiano apresenta-os de modo lento, fino e pedagógico. De alguns, aprendi que viveram em solidão e pouca influência como resultado do facto de se terem empenhado em causas públicas e mostrarem uma posição minoritária.

O capítulo que mais me interessou foi o da história e participação cívica, não tanto por esta mas mais por aquela. É um texto denso, que quase parte de Marc Bloch e entra na discussão do serviço público do historiador. Já li estas páginas várias vezes e encontro nelas sempre um novo conhecimento. Como quando escreve sobre a noção de história do tempo presente e a remoção de entraves no que Rui Bebiano designa de razões de ordem metodológica. Noto o peso da noção de longa duração, de Fernand Braudel. Aqui, sinto-me um animal pré-histórico que não está bem com a teoria de hoje, pois aprendi a gostar do mar de Mediterrâneo pelo olhar do fundador dos Annales. Li, muito depois da universidade, um autor inglês que cruzou o tempo da longa duração e a importância do acontecimento e que me tranquilizou, do tipo: o conhecimento adquirido pode ser reutilizado. O autor chama-se Paddy Scannell.

A minha nova leitura do livro do professor de Coimbra está a ser feita ao contrário, do último para o primeiro capítulo. Onde descobri a importância do capítulo sobre a obra e os projetos do historiador biografado, a viver entre o Reino Unido e os Estados Unidos, que têm, afinal, culturas diferentes, mais o olhar que Judt adquiriu quando esteve na República Checa, onde aprendeu a língua daquele país. Sem esquecer a França, onde ele fez o doutoramento, sob orientação de Annie Kriegel, e escreveu muito sobre a História do país. E da chamada de atenção a um texto de Diogo Ramada Curto, já no epílogo, onde este historiador fez uma apreciação muito negativa de Tony Judt. Quando o li, fiquei abalado nas minhas convicções, mas o livro de Bebiano sossegou-me. Entretanto, comecei a ler Um Tratado Sobre os Nossos Atuais Descontentamentos, de Tony Judt, distrai-me do livro de Bebiano, mas voltarei a ler com atenção o primeiro capítulo.

Uma curta e secundária observação: na página 163, a propósito da doença que vitimou Tony Judt, Rui Bebiano escreve que a ELA não se traduz em sinais de dor. Isso não é assim. Mas Judt, como Hawking, como o nosso cantor José Afonso, foram heróis que eu respeito muito.

sábado, 10 de março de 2018

Fernando Figueiredo e o conjunto António Mafra

Conheço bem o Fernando Figueiredo. Ele foi meu aluno (muito bom aluno) na Árvore, Cooperativa de Ensino Superior (Porto) e trabalhou comigo nas telecomunicações, conjuntamente com Carlos Vieira, Francisco Basadre, Júlio Teles e Maria Amélia Silva.

Agora, descobri que ele pertence ao conjunto António Mafra. Não o iniciado em 1955, quando em concurso de cançonetistas das freguesias do Porto organizado pelo Grupo Dramático e Beneficente Mocidade da Arrábida (Porto) se revelou o então vocalista do conjunto António Mafra (Manuel Barros Ribeiro). Em 1958, o encenador António Pedro precisou de uma tocata regional para peça de Camilo Castelo Branco e convidou o conjunto António Mafra. Os aplausos interrompiam a peça após a intervenção do conjunto (Jornal de Notícias, 23 de julho de 1969). O conjunto atuou nos Estados Unidos (1963, 1964 e 1968), Inglaterra, França e Canadá.

Como o Fernando Figueiredo (à direita na imagem) faz parte atual deste mítico conjunto portuense - grande e feliz surpresa -, prometo escrever, um dia próximo, sobre os Mafras.


quarta-feira, 7 de março de 2018

Marino Marini no Porto

A ida de Marino Marini ao Porto, promovida pela Casa Arnaldo Trindade (Jornal de Notícias, 3 e 6 de abril de 1960). À época, Marino Marini era um conjunto italiano (quarteto) de muita fama.


domingo, 4 de março de 2018

Discos de poesia

Foi quase há 60 anos que Arnaldo Trindade ousou editar discos falados com poetas a dizerem as suas poesias eles próprios, exceto Fernando Pessoa, já falecido. Jaime Vilaverde, ligado ao teatro e à rádio leu Pessoa (Jornal de Notícias, 3 de julho de 1959).

Como seria interessante conhecermos o catálogo Orfeu por inteiro. Sei que, da concorrência (Rádio Triunfo), por exemplo, não existe uma cópia do catálogo na Biblioteca Nacional. Como se pode estudar a edição discográfica sem um documento básico disponível?


quinta-feira, 1 de março de 2018

Jorge Botelho Moniz (Rádio Clube Português) e a RTP

Houve uma época de ouro na rádio portuguesa. Na minha perspetiva, ela ocorreu quando a rádio mandava na RTP. Numa das páginas do relatório da empresa de televisão em 1961, é feito um rasgado enaltecer da figura de Jorge Botelho Moniz, desaparecido em 29 de julho de 1961. O texto confirma a posição do presidente da direção de Rádio Clube Português como membro do conselho de administração da RTP. Manuel Lopes da Cruz, fundador e diretor de Rádio Renascença, era outro administrador da televisão. No conselho fiscal, dois dos membros eram da rádio: António Rosado (Rádio Clube de Moçambique) e António Rodrigues (Emissores do Norte Reunidos) (Diário do Governo, III Série, 25 de maio de 1962). Em 1960, o presidente da Assembleia Geral era José Aires Santa Clara Gomes (Posto Emissor da Radiodifusão do Funchal).

Na fundação da RTP, o Estado entrara com 20 milhões de escudos, ao passo que diversos bancos tinham posto na nova empresa 2,15 milhões de escudos cada um. As estações colocaram igualmente verbas avultadas, casos de Rádio Clube Português, com 9,26 milhões de escudos, e Rádio Renascença, com 4,63 milhões de escudos (Diário do Governo, III Série, 31 de dezembro de 1955).



O obituário não crítico de Botelho Moniz apareceu no Diário de Lisboa (30 de julho de 1961).