domingo, 30 de abril de 2017

Música séria (clássica)


Ao assistir a concertos do festival dos Dias da Música, em especial o dedicado a Henry Purcell (Fair Queen), lembrei-me do enorme esforço, ao longo de décadas, da Antena 2 (ou programa B, no nome antigo) na preparação, transmissão e registo de concertos. Lembrei-me ainda da longa história da rádio pública desde o seu começo, em especial a partir de 1949, com o desdobramento entre programa ligeiro e programa de música séria (clássica).

O recorte aqui presente (Jornal de Notícias, 1 de julho de 1957) refere esse desdobramento entre as 19:00 e as 21:00 e entre as 21:15 e as 23:45. Mas o programa A também tinha ainda música clássica, como trechos de ópera e trechos de piano. Hoje, a Antena 2 fornece o privilégio da música séria, embora com cada vez mais palavra, a parecer uma rádio-informação.

Uso aqui a designação música séria porque era comum em décadas anteriores. Theodor Adorno, um filósofo e grande cultor da música clássica, que escreveu muito sobre essa música,  também preferia a designação.

sábado, 29 de abril de 2017

IndieLisboa no Capitólio


O 14º IndieLisboa 2017 - Festival Internacional de Cinema Independente começa a 5 de maio no Cineteatro Capitólio/Teatro Raul Solnado, que volta a abrir as suas portas. O edifício, recuperado após o encerramento na década de 1990, recebe diariamente um filme da programação do festival. Na primeira noite: Tony Conrad: Completely in the Present, documentário que olha o legado do "padrinho" dos Velvet Underground [imagem e texto fornecidos pela organização].

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Discos Orfeu em exposição


Retiro de notícia editada no Diário de Notícias (27 de abril de 2017):

"Centenas de capas de discos da editora Orfeu, que gravou com José Afonso, Miguel Torga ou Sophia de Mello Breyner, vão ser exibidas em Matosinhos a partir de 04 de maio numa exposição inédita. Discos Orfeu - Imagens, Palavras, Sons (1956-1983) é o nome da «primeira grande exposição dedicada à emblemática editora» Orfeu, que chegou a gravar um disco por semana, e foi responsável pelo lançamento de discos de músicos como Adriano Correia de Oliveira, José Cid ou Sérgio Godinho, revelou hoje Câmara Municipal de Matosinhos.

A exposição tem inauguração marcada para a Casa do Design de Matosinhos na próxima quinta-feira, dia 4 de maio, pelas 17:00. Em entrevista telefónica à Lusa, o fundador da Orfeu, Arnaldo Trindade, sublinhou que a Discos Orfeu é a primeira exposição que reúne 60 anos de história daquela editora, que iniciou a sua atividade em 1956 e que é a responsável pela edição fonográfica de autores como José Régio, Eugénio de Andrade, José Rodrigues Miguéis ou Sophia de Mello Breyner. «É a primeira vez que se faz uma exposição destas e que representa 60 anos de trabalho (...), representa uma época bastante importante na nossa vida, porque foi de facto uma época das trevas, do regime anterior e que conseguiu, através da vontade e do entusiasmo de um grupo de jovens da altura, fazer uma obra que ainda hoje perdura, como é a de José Afonso, a do Adriano Correia de Oliveira, do Fausto, do Sérgio Godinho, de José Cid, do António Mafra e dos poetas a gravarem as sua obras», disse Arnaldo Trindade. A Orfeu nasceu em 1956, chegou a ter sede na rua de Santa Catarina e «teve a sorte» de estar no Porto num período que era uma «espécie de renascimento», aproveitando artistas oriundos do Teatro Experimental para declamarem poetas mortos, e artistas da Escola de Belas Artes, recordou o fundador da editora portuense.

A exposição, aberta até dia 12 de junho, tem a curadoria de José Bártolo e estrutura-se em cinco núcleos principais: No início era o verbo (1956-1959), Trovas do Vento que passa (1960-1967), Vozes da Revolução (1968-1975), Entre Vénus e Marte (1976-1979) e O fim da aventura (1980-1983). Entre as centenas de discos de vinil que vão estar em exposição ao longo do próximo mês e meio, o público vai poder ver trabalhos como Traz Outro Amigo também (1970) ou Cantigas do Maio (1971) de José Afonso, os discos Pano-Cru (1978) e Campolide (1979), de Sérgio Godinho, e 10.000 anos depois entre Vénus e Marte (1978), de José Cid. A mostra vai também revelar o primeiro contrato de José Afonso com a Orfeu ou os originais da arte final da capa do disco Coro dos Tribunais, revelou a autarquia, acrescentando que todo o trabalho de investigação para aquele certame foi coordenado por José Bártolo, em articulação com Arnaldo Trindade e Noly Trindade e teve ainda a colaboração técnica de João Carlos Callixto, Carlos Paes, João Pedro Rocha e Heitor Vasconcelos. 

O trabalho gráfico da Orfeu vai também estar em destaque na exposição com revelações de capas de discos assinadas por designers como José Santa-Bárbara, Fernando Aroso, José Brandão, José Luís Tinoco ou Alberto Lopes. Na Discos Orfeu - Imagens, Palavras, Sons (1956-1983) vai também haver oportunidade para apreciar imagens de fotógrafos da altura como Fernando Aroso, Eduardo Gageiro, Álvaro João, Nick Boothman, João Paulo Sotto Mayor ou Patrick Ullmann. A par da exposição decorre também uma programação paralela que juntará diversos artistas Orfeu, colecionadores e musicólogos, refere a autarquia, sem anunciar ainda os nomes e as datas".


[recorte do Jornal de Notícias, 3 de julho de 1959]

terça-feira, 25 de abril de 2017

Reputação na obra de Kenji Mizoguchi


A Mulher de Quem se Fala (1954), Os Amantes Crucificados (1954) e Contos da Lua Vaga (1953) são os primeiros três filmes da mostra de cinema do japonês Kenji Mizoguchi (1898-1956) na sala Nimas. As instituições japonesas antes e logo após a II Guerra Mundial estão ali patentes. Dois deles remetem para um universo feudal, de lutas militares e de constrangimentos morais.

O que mais me impressionou nos filmes, a preto e branco, foi a condição servil da mulher. O próprio andar, de passos muitos curtos, porque o vestuário não o permitia, denota essa subalternidade. Mas, apesar de tudo, o papel delas mostra-se bem melhor que o dos homens, sabujos, subservientes, rastejantes perante o poder que os defrontava no momento mas prontos para a maquinação e traição, que buscam mundos e glórias imaginárias que só existem nas suas cabeças, pois a realidade é mais baixa.

O termo reputação é o que aparece com mais frequência. Numa sociedade muito hieraquizada, a reputação de uma casa, face às outras da cidade, surge como um bem quase absoluto. Numa altura em que o Japão recuperava da destruição física e psicológica da guerra, com as instituições a serem substituídas, a ideia de tradição jogava com a modernidade. Tradição queria dizer longevidade e reconhecimento externo. Quer o mestre impressor em Os Amantes Crucificados quer a madame dona do bordel em A Mulher de Quem se Fala lutam para que a reputação - quer dizer o bom nome das suas casas - se mantenha, numa teia de relações sociais, culturais e económicas.

A sociedade de troca e de dinheiro torna-se mais evidente em A Mulher de Quem se Fala, porque a profissão da gueixa inclui a necessidade de amealhar algum dinheiro para pagar remédios para o pai ou evitar que a irmã mais nova caia na profissão. Em A Mulher de Quem se Fala há um outro traço. A filha da madame veio de Tóquio do século XX, onde estudara, e tinha vergonha da mãe ter uma casa de gueixas. Mas, no final, assume o negócio comercial e tem uma relação de trabalho com as gueixas. Um cliente comenta até: temos uma madame nova e veste à ocidental, prova de uma transformação. O homem do filme, um médico que a madame gostava para casar, apaixona-se pela filha. Esta, ao ver a transferência de atenção do médico, acusa-o de crueldade e repele-o brutalmente, numa defesa de família e da condição feminina. De igual modo, os camponeses e artesãos de Contos da Lua Vaga abandonam as mulheres em busca de melhores condições de vida e de ilusões: um quis ser samurai, outro ganhar dinheiro com as suas olarias. Ambos ficam presos na sua imaginação e regressam pobres mas mais sábios.

A influência do teatro (marionetas Bunraku e Kabuki) no cinema de Mizoguchi é notável, desde o genérico até espetáculos apresentados na trama dos filmes, como em A Mulher de Quem se Fala, com os resultados das peças a encaixarem-se na narrativa do filme. Uma vez mais, a tradição de costumes e de cultura aparece associada ao filme.

Um outro apontamento: o da condição de classe social. Por casamento, a senhora de Os Amantes Crucificados sobe de posição e mantém o equilíbrio social para a sua família, cuja casa estava em decadência. Mas, ao fugir com o impressor servo, a condição dela baixa drasticamente. Do mesmo modo, o mestre impressor deve a sua posição hierárquica superior ao seu negócio e à sua capacidade de gerir empréstimos a funcionários do Estado. Como a mulher foi condenada à morte por adultério, o poder simbólico dele fica destruído. Em seu lugar, um antigo seu colaborador assume a capacidade de imprimir calendários imperiais e criar uma nova teia de empréstimos a funcionários superiores do Estado.

Último pormenor: a importância de cidades como Quioto e Osaca. Cidades relativamente perto uma da outra, poderosas durante séculos e também rivais, assumiam o papel de atração das populações em seu redor. O comércio (caso da olaria), o poder do Estado e das instituições e as profissões (como a de impressor) eram elementos de forte atração. A rua do comércio, as lanternas que iluminam as casas, o interior das mesmas sem o mobiliário como o conhecemos do Ocidente, o vestuário (caso do quimono) constituem outros elementos fortes nos filmes de Mizoguchi.

sábado, 22 de abril de 2017

Albuquerque Mendes


A exposição de Albuquerque Mendes, Jugglers - Problemas e insolvência, inaugura dia 12 de maio e está patente até 30 de junho na Galeria Graça Brandão (rua dos Caetanos, 26 A, Lisboa). Nascido em 1953, ele ocupa um lugar singular nas artes portuguesas, a partir do momento em que, em 1977, no congresso da Associação Internacional de Críticos de Arte, em Lisboa, o crítico e cineasta José Ernesto de Sousa organizou a mostra "Alternativa Zero", de grande importância na arte portuguesa da segunda metade do século XX (a partir da wikipedia).

Exposição A Sedução da Modernidade


A exposição A Sedução da Modernidade, no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado inaugura dia 26 de abril pelas 19:00.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A rádio ao serviço das candidaturas presidenciais em 1958

Na campanha eleitoral à presidência da República em 1958, com três candidatos (Américo Tomás, Humberto Delgado e Arlindo Vicente), Rádio Clube Português abriu espaços de propaganda política, conforme o recorte ao lado (Jornal de Notícias, 13 de maio de 1958). Alguns dias depois, era publicado um comunicado da estação de rádio à emissão de 15 de maio da campanha de Delgado, em resposta a texto publicado com consentimento da censura oficial, em cuja parte final se ouviu: "os sofrimentos do povo têm o direito de gritar bem alto o seu desespero, mesmo que isso incomode os tímpanos melindrosos da União Nacional ou do próprio sr. dr. Oliveira Salazar. [...] haveremos de inculpar esses sofrimentos aqueles que deles têm a responsabilidade, enquanto a censura não calar a nossa boca - porta-voz do povo" (Jornal de Notícias, 18 de maio de 1958). Acabavam aí as emissões da candidatura de Delgado (e também de Vicente).

Humberto Delgado fora a escolha da oposição não comunista como candidato à eleição após o exercício de Francisco Craveiro Lopes, depois da recusa de Francisco Cunha Leal, antigo primeiro-ministro da I República, por razões de saúde. Este, apesar de não candidato, escreveu diversos textos, quase manifestos, contra o regime, provocando uma polémica, com réplicas e tréplicas com os ministérios do Interior e das Finanças. O nome de Delgado, então diretor-geral da Aeronáutica Civil, foi ventilado e aceite em meados de abril de 1958. Com a desistência de Vicente a favor de Delgado, na contagem de votos no dia da eleição, Américo Tomás teria cerca de 760 mil e Humberto Delgado mais de 235 mil, mas hoje sabe-se da fraude que favoreceu o candidato da União Nacional.

Salazar, parco em termos de uso da comunicação social, fizera três discursos pela rádio e publicados na imprensa, no começo da campanha eleitoral, no final da mesma e após as eleições. Aqui, foi contundente, ao dizer que a oposição fizera uma campanha subversiva, pelo que as eleições presidenciais seguintes seriam disputadas com modelo distinto: colégio dentro da Assembleia Nacional. Desse discurso, ficaram frases como "eu compreendo que a censura moleste um pouco os jornais", "de todos os agrupados para o assalto [ao poder], só uns, embora pouco numerosos, têm uma doutrina, uma fé, métodos próprios de ação: são os comunistas" e "sou um homem que está sempre preparado a partir". Mas isto aconteceria apenas em 1968, quando de doença irreversível.

Após as eleições, Delgado seria exonerado do cargo na Aeronáutica Civil e Craveiro Lopes elevado a marechal. Jorge Botelho Moniz, o patrão de Rádio Clube Português, ficara doente entre 22 de maio e 12 de junho, com alta após as eleições. Berta Craveiro Lopes, a mulher do presidente da República substituído, falecera depois das eleições, após um derrame cerebral. Depois da tomada de posse de Tomás, Salazar pediu exoneração do cargo, atitude protocolar mas hipócrita, porque era ele que controlava o aparelho de Estado, mas o novo presidente convidou-o a formar e renovar o ministério. Dentro de uma profunda remodelação, Marcelo Caetano, o ministro da Presidência, foi afastado, substituído por Pedro Teotónio Pereira. Para a pasta da Defesa, entrou Júlio Botelho Moniz, o irmão do patrão de Rádio Clube Português. Em 1961, ano horrível para Salazar, Júlio Botelho Moniz encabeçaria uma revolta perdida contra Salazar.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Tecnologias adaptáveis

O microfone e o telefone são dois aparelhos com enorme desenvolvimento ao longo do século XX. O humor nos jornais olhou estas tecnologias como adaptáveis à forma humana, conforme publicaram Jornal de Notícias (22 de maio de 1958) e Comércio do Porto (18 de abril de 1936).




segunda-feira, 17 de abril de 2017

Maria Manuela Couto Viana

Hoje, comecei a escrever sobre Maria Manuela Couto Viana (1919-1983), poeta, escritora e tradutora, que também trabalhou na rádio (escreveu e interpretou). Ela obteve o primeiro prémio do concurso “Procura-se um Romancista”, em 1942, organizado pelo Grémio Nacional dos Escritores e Livreiros, com o romance Raízes que não Secam. De ascendência galega, ela usou o galego no livro Frauta Lonxana (1964).

Orlando Raimundo, no seu livro de 2015, António Ferro. O Inventor do Salazarismo, conta que Salazar não pudera assistir a espetáculo em Viana do Castelo em 1938, levando António Ferro a obsequiá-lo com uma representação noturna em espaço fechado do Auto das Oferendas, de António Correia de Oliveira. A representação esteve a cargo de grupo folclórico de Santa Marta de Portuzelo (Viana do Castelo), integrado por camponesas afinal oriundas das melhores famílias da sociedade minhota (Raimundo, 2015: 238-240). Maria Manuela Couto Viana, então com 19 anos, já com pequenos papéis nos filmes do regime Revolução de Maio (1937) e Rosa do Adro (1938), interpretou o papel principal do auto. Salazar ficou encantado com a calorosa declamação, o que teria facilitado a carreira da jovem na Emissora Nacional como autora e intérprete de teatro radiofónico.

Esta história precisa de ser acautelada, pela importância da família Couto Viana: o irmão António Manuel Couto Viana (1923-2010) estreou-se como ator e figurinista em 1946 no Teatro Estúdio do Salitre, em Lisboa, por intermédio de David Mourão-Ferreira. Ele esteve sempre ligado a companhias de teatro para a infância. Muito novo, ele recebera como herança do avô o Teatro Sá de Miranda em Viana do Castelo (retirado da wikipedia).


[imagens: entrevista a Maria Manuela Couto Viana (Jornal de Notícias, 18 de agosto de 1957) e fotografia de Maria Manuela Couto Viana com o traje de Meia Senhora, ao lado de Luísa Cerqueira com traje de Mordoma, na Festa do Traje (década de 1950, catálogo do Museu do Traje de Viana do Castelo)]

sábado, 15 de abril de 2017

Natércia Freire

Da Memória, do Amor e do Génio. Fotobiografia de Natércia Freire é um livro escrito por Isabel Corte-Real, filha daquela, agora editado pela Aletheia. Não se trata de um livro de análise científica da produção de uma escritora e poeta (1919-2004), mas de uma longa recordação da vida e obra por alguém muito perto dela. Nos anos mais recentes, a sua obra poética foi toda (re)publicada pela Quasi.

A principal motivação para o livro foi revisitar a poesia de Natércia Freire e traçar o percurso desde Benavente, onde ela nasceu, até à direção da página "Artes e Letras" do Diário de Notícias, exercida entre 1954 e 1974. Aqui, publicou textos de Jacinto Prado Coelho, João Gaspar Simões e David Mourão-Ferreira, entre outros, o que a tornou uma das primeiras jornalistas culturais do país. Fez traduções de peças para a companhia de teatro de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Natércia Freire foi premiada diversas vezes. Um dos maiores galardões foi o Prémio Nacional da Poesia de 1971, ganho ex-aequo com David Mourão-Ferreira. Antes, ganhara o prémio Antero de Quental (1947, 1952) e o prémio Ricardo Malheiros (1956).

Além da poesia e da escrita regular em jornais, a biografada tem outro interesse: a sua colaboração com a Emissora Nacional. Ela iniciou a ligação à estação de rádio em 1940, com palestras mensais. Aí conheceu Luís Forjaz Trigueiros. Foi vogal do Conselho de Programas da Emissora Nacional e, depois, da RTP (e do conselho de leitura da Gulbenkian). Para exercer bem a sua função na rádio, ela escutava os programas através de um pequeno transístor.

Por o livro ser escrito pela filha, a personalidade de Natércia Freire aparece afetiva, clara e compreensiva na sua relação com a família, a Igreja Católica e os colegas escritores. Da ligação aos escritores e gente de letras, Isabel Corte-Real destaca a relação sempre positiva da sua mãe, independentemente das tendências estéticas e políticas dos autores. A página do Diário de Notícias, que ultrapassou o número mil pouquíssimo antes de 25 de abril de 1974, quando foi saneada pelo novo regime político, será a demonstração dessa abertura intelectual.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Museu Nadir Afonso


O Museu Nadir Afonso (Chaves, numa margem do rio Tâmega) merece ser visto (e refletido). Pintor, arquiteto e filósofo, Nadir Afonso Rodrigues nasceu em Chaves (1920) e licenciou-se em arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Ele tinha 24 anos quando a sua obra A Ribeira entrou no Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. Em 1965, abandonou a arquitetura e desenvolveu estudos sobre a geometria (e a abstração geométrica). Influenciaram-no os estudos, experiências e contactos em França (com Le Corbusier) e Brasil (com Óscar Niemeyer), como a vemos no museu, onde se exibem trabalhos das décadas de 1930 a 1970. Para saber mais sobre o pintor, que faleceu em 2013, ler aqui.

O museu, suportado no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), foi orçado em nove milhões de euros, com projeto do arquiteto Siza Vieira (2016). Segundo a estratégia cultural da região, o Museu Nadir Afonso localiza-se dentro do perímetro do centro histórico e da reabilitação ribeirinha do Tâmega e forma um triângulo cultural com o Museu do Douro (Peso da Régua) e o Museu do Côa (Vila Nova de Foz Côa).

Sem contestar o valor arquitetónico do museu de Chaves, o seu volume parece-me exagerado, a lembrar outras obras em Portugal, como o CCB e o museu de Côa, acima indicado. A opção de colocar um conjunto de pinturas de menor formato acima do nível da longa janela de corredor voltado para o lado do rio não permite ver com profundidade as linhas geométricas e as cores dessas obras. Além disso, Chaves, cidade interessante a visitar, tem ainda problemas vindos da crise financeira da última década. Se o museu influenciará na produção de riqueza da região, com ida de interessados em conhecer melhor a obra do pintos, uma casa onde ele pintor viveu, mesmo junto à ponte de Trajano, com uma lápide sobre a porta a indicar tal situação, está em total ruína. Parece-me uma contradição violenta.


terça-feira, 11 de abril de 2017

Despedimentos no grupo Cofina

Retiro do Público em linha: "A Cofina avançou com o despedimento colectivo de mais de meia centena" de trabalhadores, afirmou a mesma fonte. Esta medida surge na sequência de um processo de reorganização que o grupo que detém o Correio da Manhã e o Jornal de Negócios, entre outros títulos, já tinha anunciado. [...] O lucro da Cofina caiu 14,4% em 2016, face ao ano anterior, para 4,3 milhões de euros, e as receitas operacionais recuaram 0,7% para 99,9 milhões de euros. [...] Numa informação interna, a que a Lusa teve acesso no início de Março, é referido que a quebra de receitas de publicidade continua a acentuar-se no início deste ano, pelo que a Cofina decidiu avançar para um programa de corte de 10% de custos".

Peles pintadas

(fotografias retiradas das páginas do MUDE e do Observador)

Retiro da informação da exposição patente na rua de O Século, 79, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (até 25 de junho de 2017), O mais Profundo é a Pele. Coleção de Tatuagens 1910-40: "analisando-a na perspetiva científica/médico-legal, filosófica e artística. No total, estão expostos 61 frascos com fragmentos de pele humana obtidos de corpos autopsiados e uma abundante documentação com o retrato sociocultural de cada indivíduo tatuado, os desenhos e sua localização anatómica, o lugar, a data e os motivos da tatuagem. Os visitantes ficam a conhecer uma coleção de particular valor museológico e científico, ao mesmo tempo que podem sentir a vivência dos bairros típicos de Lisboa durante as primeiras décadas do século XX, em que a tatuagem se misturava com a marginalidade, a prostituição, o fado, a marinhagem".

A exposição permite reconstituir, num dado momento, a histórias dos homens tatuados da Lisboa das décadas em exibição, com circuitos pessoais de violência e prisão (Limoeiro), local de onde saiam com novas tatuagens. Estas podiam refletir um estado de alma mas principalmente um tipo de troféu simbólico de poder sobre os outros homens. Os pedaços de peles guardadas mostram desenhos figurativos, quase sempre ingénuos, mulheres, nuas com frequência, elementos religiosos e até uma representação do símbolo do Benfica.


Silva Gomes e a publicidade

António da Silva Gomes (1937-2017), nome fundamental da publicidade portuguesa, faleceu. Esteve ligado à área da publicidade durante 36 anos, 24 dos quais no grupo McCann-Erickson. Chegou a vice-presidente sénior da McCann-Erickson Europa. Deixa dois livros publicados sobre publicidade e comunicação: Publicidade Sem Espinhas – 40 Anos de Histórias (edição Oficina do Livro) e Publicidade e Comunicação (Texto Editora). Este recordo-me de ter lido e comentado em círculos ligados à universidade. [texto e imagem retirados de http://www.meiosepublicidade.pt/2017/04/antonio-silva-gomes-1937-2017/]

segunda-feira, 10 de abril de 2017

A rádio em 25 de abril de 1974


Em 2014, Raquel Varela publicou um extenso volume sobre História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-1975, onde escreve sobre a vitória da revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal e a derrota em 25 de novembro de 1975. Agora, em 2017, com dois outros autores, José Mateus e Susana Gaudêncio, em 25 de Abril. Roteiro da Revolução, faz um guia sobre os locais principais onde se concentrou o movimento dos capitães vencedores. Se, no livro de 2014, se debruça com muita intensidade nos derrotados de 25 de novembro de 1975, que tinham saído vencedores dezoito meses antes, no novo livro, a geografia é a dos vencedores. As imagens de capa dos dois livros é elucidativa, a dos ganhadores.

O livro de 2017 foi comprado por mim para compreender melhor os movimentos em 25 de abril de 1974 no que tangeu às estações de rádio. Não posso falar em desilusão mas em ausência de melhor explicação. Das estações de rádio em Lisboa fala apenas da Emissora Nacional e de Rádio Clube Português. Desta última estação, o texto dedica 19 linhas e um mapa tipo Google Maps. Escreve entre o facto e o fait-divers: a sopinha quente para os militares ali deslocados. À ocupação da Emissora Nacional dedica cinco páginas e um mapa. O testemunho de Luís Pimentel, então militar comandante da tropa que tomou a estação, conta uma história que eu não conhecia: ao invés de Salgueiro Maia, que informou previamente os soldados do que ia acontecer, Luís Pimentel não comunicou o envolvimento no golpe de Estado.

Mais à frente no livro, há um capítulo dedicado à ocupação da rádio e televisão no Porto, com igualmente cinco páginas de texto e um mapa Google Maps. Nuno Catarino Anselmo foi um dos militares responsáveis pela tomada da rádio, televisão e polícia política. Ele também conta uma história que não conhecia: a atuação a partir do primeiro sinal de rádio com a canção E Depois do Adeus nos Emissores Associados de Lisboa. O então capitão ouviu no quartel da Serra do Pilar esse sinal. À primeira vista, eu duvidei: a frequência dos Emissores Associados de Lisboa, a emitir desta cidade, ficava muito próxima da dos Emissores do Norte Reunidos, a emitir do Porto. Além disso, a potência de emissão do programa de Lisboa dificilmente chegaria ao Porto. Consultei um especialista na matéria que me falou da plausibilidade de audição da emissão lisboeta no quartel de Vila Nova de Gaia.

O texto fala da ocupação do emissor de Rádio Clube Português e da RTP mas é omisso quanto aos Emissores do Norte Reunidos, do mesmo modo que o testemunho de Luís Pimentel nada diz sobre os Emissores Associados de Lisboa e Rádio Renascença.

domingo, 9 de abril de 2017

Paula Rego no museu e no cinema


O filme, realizado pelo filho Nick Willing, é elegante e terno, mas também revela medos, fantasmas e obsessões, descendo à intimidade da pintora Paula Rego e abrindo pistas para a compreensão da sua obra. Sim, nós precisamos de signos e de interpretação para entendermos as suas pinturas. O ideal de belo e harmonioso não faz parte da estética dela, mas o grotesco e o violento. Documentário e exposição, patentes desde esta semana no cinema Ideal (Lisboa, onde vi o filme) e na Casa das Histórias (Cascais), ajudam-se mutuamente. Na exposição, parcelas das falas de Paula Rego no filme acompanham as telas que vimos mais fugidiamente no ecrã.

As séries sobre o aborto, as mulheres-cão, o crime do padre Amaro (a partir de Eça de Queirós), as pinturas zoomórficas de coelhos, ursos e macacos e as obras no período da depressão de 2007, sempre escondidas e agora reveladas numa só sala (onze quadros), representam um percurso muito rico desde a aprendizagem artística na Slade School of Fine Arts (Londres), de 1952 a 1956, onde ela também conheceu aquele que viria a ser o seu marido Vic Willing. O filme revela melhor o seu itinerário biográfico, entre Ericeira e Estoril, de um lado, e Londres, do outro. A exposição mostra o percurso artístico marcado pela biografia: as alegrias, as tristezas, os sonhos e os pesadelos.

A par da exposição de obras e temas emblemáticos dos trabalhos da pintora, em Cascais veem-se fotografias, cartas, livros que pertenceram a Paula Rego, uma pintura da sua mãe (que aquela comenta no filme) e até a reconstituição do seu estúdio, visto no filme mas mais próximo de nós na exposição.

Espólio da Cornucópia no museu do Teatro e da Dança

Ana Sousa Dias: Pouco depois de chegar ao ministério, teve um momento zen n'A Cornucópia. Há alguma coisa que o ministério ainda tenha para fazer relativamente à Cornucópia?

Luís Filipe de Castro Mendes (ministro da Cultura): Estamos a trabalhar há muito tempo com A Cornucópia. Uma vez assumida, pelo Luís Miguel Cintra, a decisão de terminar o teatro, decidimos continuar a dar-lhe um apoio significativo, para o futuro das instalações e do seu acervo. O acervo d'A Cornucópia é riquíssimo, desde os cenários da Cristina Reis aos fatos, a... enfim, toda a história d'A Cornucópia é um bem que consideramos um bem patrimonial de grande importância. Por isso, decidimos comprar esse acervo e integrá-lo no Museu do Teatro e da Dança.

Ana Sousa Dias: Isso é uma grande novidade.

Luís Filipe de Castro Mendes: A Cornucópia já sabe, naturalmente. O momento zen a que se refere foi um momento emocional. Nós todos estávamos comovidos com a hipótese de o teatro acabar, embora estivéssemos já a trabalhar com eles no sentido de criar condições para uma preservação do acervo e na questão do edifício. Como sabe, o edifício é alugado, mas estamos em conversações com os proprietários e está tudo a correr muito bem. Lamentamos imenso a situação pessoal do Luís Miguel Cintra... Mas repare, o Luís Miguel Cintra, neste momento, está a fazer teatro, está a fazer o Um D. João Português, em várias cidades. Ele nunca está parado. Mas compreendeu que não tinha condições para dar continuidade à companhia.

[Excerto de entrevista de Luís Filipe de Castro Mendes a Ana Sousa Dias (Diário de Notícias, hoje)]

sábado, 8 de abril de 2017

O senhor Valery no Teatro da Trindade

Hoje foi o primeiro ator (José Raposo) a interpretar o texto de Gonçalo M. Tavares, As Vozes do Bairro. Na forma de teatro radiofónico levado à cena, com o ator a ler e Teresa Sobral (direção artística) e Miguel Sobrado Curado (sonoplastia) a apoiarem a representação como se fosse teatro radiofónico. Estavam lá o xilofone, a gravilha para imitar os passos e a máquina de fazer vento, com objetos do Museu da Rádio (RTP). Não contei o tempo da peça mas devem ter decorrido 50 minutos com histórias do senhor Valery, homem que leva a lógica aos limites a procurar explicar o mundo através de desenhos. Um dos exemplos foi quando dividiu a sua casa em uma ala direita e uma ala esquerda e traçou uma linha. A mão esquerda pegava nos objetos que estavam à esquerda e a mão direita os do outro lado. O seu animal doméstico, que nunca ninguém viu, vivia numa caixa com dois buracos - uma para alimentação e outro para dejeção. Da sua mulher, também nunca ninguém a viu. Valery tinha um emprego em que vendia objetos num dia e comprava objetos no dia seguinte, ganhando dinheiro suficiente para viver. Ele era pequenino mas, quando dava saltos, ficava da altura dos mais altos, só que menos tempo que estes. O programa trazia um excerto do livro de Eduardo Street sobre o teatro invisível - o teatro radiofónico.

Um enorme prazer assistir e ver a interação: quando uma espectadora não percebeu uma palavra (que eu também não entendera), ela pediu para repetir e o ator repetiu. As gargalhadas de alguns dos assistentes, pois o texto de Gonçalo M. Tavares é muito divertido porque observador e minucioso nas idiossincrasias de Valery, levavam o próprio José Raposo a parar para não se deixar contagiar com a boa reação do público.

A 13 de maio, será a vez do senhor Henri, pelo ator Filipe Duarte.


Mural da rua José Estevão (Lisboa)

De Miguel Brum e Nuno Barbedo, em 2016.


Mercado 31 de Janeiro (Lisboa)


sexta-feira, 7 de abril de 2017

Publicidade radiofónica

A 14 de abril de 1957, faz para a semana sessenta anos, o leitor José Martins da Cunha via uma carta sua ser publicada no Jornal de Notícias a criticar os anúncios radiofónicos. Apesar de palavroso, o texto apresentava dois elementos essenciais.

O primeiro é a sua afirmação regionalista (localista), pois desligava a sua audição da Emissora Nacional quando o programa prosseguia do estúdio de Lisboa, às 8:30. O segundo elemento principal da carta é a incapacidade de identificar uma estação que não gostava. Ele escreveu: "contactei com o posto particular que está no quadrante mesmo ao lado da EN - Porto II". O programa que ouviu, Só-Rádio, tinha muita publicidade. Ele contou sete anúncios antes de ouvir uma música, "todos seguidos a lembrarem uma procissão de anjinhos em autêntica fila indiana".

O texto acabava de forma nostálgica, a recordar o tempo em que o "espírito se deleitava com música sempre nova, magníficas gravações e trechos originais que nos eram proporcionados pela estação de Miramar do Rádio Clube Português, no seu tão saudoso período experimental, sem vozes de locutores e sem os malfadados anúncios".


quinta-feira, 6 de abril de 2017

As Vozes do Bairro


Texto de Gonçalo M. Tavares (O Bairro), direção artística de Teresa Sobral, música e sonoplastia de Miguel Curado, com José Raposo (senhor Valery) no dia 8, Filipe Duarte (senhor Henri) no dia 13, Miguel Loureiro (senhor Brecht) no dia 10 de junho, Álvaro Correia (senhor Calvino) no dia 15 de julho, Bruno Nogueira (senhor Breton) no dia 30 de setembro e André Gago (senhor Eliot) no dia 21 de outubro.

Desenhos do Porto em obra a lançar

No próximo sábado, 8 de abril, pelas 16:00, a livraria Lello acolhe nos Armazéns do Castelo (rua das Carmelitas, 166, Porto) um encontro de dezenas de urban sketchers de vários pontos do país, acompanhado do lançamento do livro Porto por/by Urban Sketchers. Os urban sketchers são uma comunidade global de desenhadores profissionais e amadores que fomenta a prática do desenho realizado no local, em observação direta da vida urbana. Nascida na internet em 2007, com o lema Mostramos o mundo, desenho a desenho, a comunidade reúne hoje muitos milhares de desenhadores espalhados por todos os continentes [informação da livraria Lello].

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Rádio Clube de Moçambique


Este documentário da RTP sobre Rádio Clube de Moçambique merece ser visionado (conhecido via Ribeiro da Silva). Por ele, se se perceciona uma cultura colonial, com preocupações da minoria branca. Em simultâneo, uma modernidade mais vincada que a rádio aqui em Portugal. Exemplos: a estereofonia, os múltiplos canais e a influência da cultura sul-africana, com um canal em inglês orientado para aquele país e de onde vinha muita publicidade. O documentário (16:37) começa com uma marcha (Mocidade Portuguesa) e o uso de xilofone para marcar a programação (noutras estações usava-se um gongo).

Dissertação de mestrado sobre a revista Mundo da Canção

A ler com atenção a dissertação de mestrado de João Francisco Vasconcelos e Sousa, O Mundo da Canção: percursos da primeira publicação portuguesa sobre música popular entre o Estado Novo e a Revolução (1969-1976), defendida em dezembro de 2016 (ver aqui). Retiro do resumo:

"Esta dissertação debruça-se sobre o Mundo da Canção (MC), a primeira revista portuguesa de música popular, no período entre o fim do Estado Novo e a transição para a democracia (1969-1976). Editado mensalmente, o MC teve um papel importante na divulgação da "música de protesto", personificada por José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho. Ao mesmo tempo, foi uma voz crítica do fado e do nacional-cançonetismo, dois estilos que conotava com o regime. Orientado para os jovens e fustigado pela Censura, o MC aliou a oposição à ditadura com uma opção estética versátil, que abarcava as sonoridades pop anglo-saxónicas (do folk de Bob Dylan ao heavy sound dos Led Zeppelin, passando pelo prog rock dos Pink Floyd e pela divulgação do jazz) e a promoção de músicos francófonos e de língua castelhana. A revista publicava também letras de canções e fazia críticas a discos, tendo ainda dado destaque aos festivais de Woodstock, Vilar de Mouros e Cascais. Através da análise cuidada de 45 números do MC, e recorrendo a uma abordagem que combina estudos históricos, culturais e dos media, a principal conclusão que se retira é que a revista constituiu, em plena ditadura, um palco de resistência cultural e de luta pela liberdade, contribuindo para dinamizar a esfera pública e abrir caminho ao jornalismo musical português. A partir de 1974, com a queda do regime e a súbita politização da sociedade, o MC aproximou-se da vertente maoísta da luta política".

O Amigo Americano

Na série de filmes de Wim Wenders em passagem pelo cinema Nimas, O Amigo Americano (1977) tornou-se imprescindível. Num dos textos dos críticos de cinema sobre esta reposição recuperada e digitalizada, li que se trata de um dos filmes em que o tempo mais marcou a obra, em termos de desgaste. Mas, ao mesmo tempo, o tempo permite ver melhor as referências culturais e cinematográficas sobre o filme, caso dos realizadores Nicholas Ray e Samuel Fuller, que entram como personagens da obra. Claro que o destaque vai para Bruno Ganz e Dennis Hopper, o amigo americano do emoldudador que sofre de leucemia e entra em dois assassínios a troco de dinheiro que ficaria para a família após a sua morte. A par disso, um pintor americano, também com uma doença mortal, cujas obras são mais creditadas financeiramente devido à próxima raridade da sua produção, com todo o negócio de transação de obras e especulação.

O realizador, antigo candidato à escola de cinema, onde reprovou na admissão, já tinha realizado, entre outros,  Alice in den Städten (Alice e as Cidades, 1974), antes do monumental Paris Texas (1984). Mas notam-se referências contínuas nestes filmes, como a errância individual ou familiar, os Estados Unidos anónimos mas repletos de prédios e locais modernos a par da decadência de sítios alemães como o Rhur e Hamburgo. A viagem, a memória, através de registos fotográficos das polaroides, a procura da identidade, permanecem nesses filmes. Em O Amigo Americano, Wenders persegue uma trama policial, a partir de livro de Patricia Highsmith, autora que o cineasta aprecia muito. A mafia e os assassínios de mafiosos, a relação entre as personagens interpretadas por Ganz e Hopper e Ganz e Lisa Kreuzer, de confiança à desconfiança, o olhar sempre exterior, onde falta quase a humanidade entre as personagens, muito instrumentais, são centros do filme. Valorizados pelos críticos de cinema as viagens de metro e de comboio, entre o silêncio da perseguição e a ação violenta dos assassinatos.

terça-feira, 4 de abril de 2017

A urgência da investigação

Engenheiro recém-formado, Andrónico Cardoso Guerra Anjos entrou a estagiar no Emissor Regional do Norte (Emissora Nacional - Porto) em 13 de novembro de 1944 como operador de radiodifusão. Começou no emissor do Palácio de Cristal, sendo depois transferido para chefiar o emissor da rádio pública na Azurara (Vila do Conde), em 1954. Na imagem a preto e branco, tirada em 1946, Andrónico Guerra encontra-se à frente da mesa de comando do velho emissor do Porto. A um nível mais elevado, veem-se válvulas eletrónicas, mas não as de emissão, de muito maior dimensão e que precisavam de água para refrigerar a temperatura atingida.

Foi uma vida inteira dedicada à rádio, reformando-se em 1984. Para além dirigir montagens de emissores e proceder a reparações, Andrónico Guerra participou na construção do emissor da Guiné-Bissau (então Guiné Portuguesa), em 1971.

A entrevista que lhe fiz ocorreu no dia 27 de março último, em Póvoa de Varzim. O seu funeral ocorreu ontem. Ele faria 96 anos no próximo dia 22. À família, o meu agradecimento por todas as facilidades concedidas para a entrevista e a permissão para publicar aqui um excerto inicial dessa conversa muito útil para a minha investigação dedicada à história da rádio.

 

Mediatização da política em livro


Com apresentação de Mário Mesquita, foi hoje lançado o livro de Rita Figueiras, A Mediatização da Política nas Redes Sociais (Alêtheia), na livraria da Alêtheia (Rua do Século, Lisboa).

Segundo a autora, docente de comunicação na Universidade Católica, o livro ajuda a compreender os casos políticos. Para ela, a política, independentemente da mediatização, continua a existir. Há um interesse recíproco. A mediatização da política implica que, quanto maior o palco, maior o bastidor, o espaço do escondido, de opacidade, de invisibilidade e de negociação em cada caso político e que medeia o político e o meio de comunicação. Ela escolheu poucas personagens políticas, levando o leitor a reconstruir os seus políticos. Por exemplo, não escreveu sobre Trump, mas o presidente americano está presente na sua ausência. Tema já pensado há muito, foi durante a campanha presidencial que levou à eleição de Trump que Rita Figueiras pensou em escrever o livro.

Mário Mesquita, o apresentador, falou de um livro relevante para a área do jornalismo e da política. Após evidenciar a ampla revisão da literatura, ele indicou que o livro questiona o tempo da política (e dos seus espaços tradicionais como os partidos e o parlamento) e o tempo cada vez mais curto dos media. A televisão primeiro e as redes sociais depois ajudaram à atual reconfiguração da política. Além da temporalidade, o apresentador destacou outros elementos do livro: a conflitualidade, a negociação permanente, a pressão mediática para que o político responda de imediato, sem cuidar de saber se alcança uma boa solução ou não. O tempo do político é contraditório do tempo do decisor. O jornalista torna-se uma espécie de árbitro perante o governo e de outras instituições mais largas como os poderes de Bruxelas. O jornalista habilita o político a usar a argumentação (mas também a retórica e a demagogia) no debate permanente na mediatização. Tal quer dizer que o político precisa de um tempo maior do que o ciclo eleitoral para realizar as suas bandeiras eleitorais mas o tempo político é curto-circuitado pelo tempo do online. Mário Mesquita apontou um novo conceito da autora: a flutuação na força da mediatização. Um exemplo falado foi o dos primeiros-ministros italianos, a partir de Berlusconi, com registos mediáticos inferiores dos seus sucessores. Outro, estudado pela autora, o da mediatização dos presidentes da República portuguesa: Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa.

sábado, 1 de abril de 2017

A recordar Umberto Eco


Umberto Eco morreu há um ano, mais precisamente em 19 de fevereiro de 2016, tinha 84 anos. Ele fora catedrático da cadeira de Semiótica e diretor da Escola Superior de Ciências Humanas da Universidade de Bolonha. No dia 21 de fevereiro de 2016, o diário Público recordava-o com textos de Alexandra Prado Coelho, António Guerreiro e Gustavo Cardoso. Na altura, pensei em escrever aqui um pequeno texto de homenagem, mas não o fiz e o tempo passou. Por isso, pego nessas páginas de jornal.

A tese de licenciatura de Eco foi sobre a estética de S. Tomás de Aquino. Pouco tempo depois, entrou no mundo dos media, trabalhando na RAI (televisão pública italiana), e publica A Obra Aberta, obra fundamental da semiótica. A jornalista auscultou professores portugueses dessa matéria como Moisés Lemos Martins, Maria Teresa Cruz, Arnaldo Saraiva e Ramada Curto, todos eles a enaltecer a obra do recém-falecido. Retenho a opinião de Moisés Lemos Martins, para quem a obra concorria com as correntes do estruturalismo e do marxismo, mas a declarar a possibilidade de múltiplas leituras sobre uma obra. Claro que não vinha à baila o trabalho dos linguistas ingleses como John Austin. Passou a falar-se da receção produtiva. A análise da telenovela, um dos muitos exemplos de estudo, passou a incluir a ideia de múltiplas receções, adequadas ao indivíduo, classe e sociedade, numa linha que também encontrou refúgio na teoria dos usos e gratificações com Herta Herzog (aplicado à radionovela).

A jornalista lembra ainda as áreas em que Eco se movimentava, entre a academia e a participação pública ativa. O italiano observa e escreve sobre temas como romance policial, futebol, publicidade e banda desenhada, indo de Homero a Disney (da filosofia aos desenhos animados). Isso representou um patamar seguinte: se o semiótico penetrava em camadas finas da universidade, até porque alguns dos textos tinham muita complexidade, o escritor de romances atingiu as massas, tipo intelectual no star system. Aqui, não foi o primeiro, lugar que pertence a McLuhan. Mas os romances, como O Nome da Rosa, deram uma universalidade e grande notoriedade a Umberto Eco. O cinema seguiu a meada intrincada de O Nome da Rosa, com os monges guardadores de uma biblioteca como palco de lutas e assassinatos. O último livro dele, Número Zero, é uma paródia ao jornalismo, ao desmontar a máquina dos media contemporâneos. Não estou de acordo com a jornalista que escreveu no Público, porque o livro me pareceu muito inferior à obra restante.