O periodismo ilustrado no nosso país começou com a Ilustração Portuguesa (1903-1924), suplemento ilustrado de O Século (1880-1989), primeiro jornal a desenvolver a fotoreportagem. O judeu Joshua Benoliel seria a figura pioneira de fotorepórter nacional, "constituindo o seu trabalho uma verdadeira história gráfica da sociedade portuguesa naquele período" (Tavares, 2002: 18).
As décadas seguintes, segundo a investigadora Emília Tavares, seriam de ruptura com as características técnicas e de conteúdo noticioso. Responsáveis: Eduardo Schwalbach e Leitão de Barros, que criaram um novo modelo de comunicação de massa e se envolveram no lançamento do Notícias Ilustrado (1928-1935), suplemento gráfico do Diário de Notícias (aparecido em 1863 e felizmente ainda vivo), o primeiro jornal a ser impresso pelo processo da rotogravura em Portugal. Se Leitão de Barros, pela sua obra multifacetada ao serviço do Estado Novo, está já bem estudado, ainda continua na penumbra a acção de Schwalbach, desde a sua página de artes e letras em O Século, antes de se passar para a direcção do Diário de Notícias. Leitão de Barros colaboraria nas mais relevantes obras da propaganda do Estado Novo, em articulação com António Ferro, nomeadamente em Portugal 1934 e Portugal 1940.
O Notícias Ilustrado propunha-se alargar a sua área de informação à arte, desporto, teatro e cinema. Refira-se que outro meio, a rádio, estava a ser lançado a toda a velocidade. Ou seja, uma parcela substancial das indústrias culturais do séc. XX desenvolviam-se no período.
Leitão de Barros e os seus colegas encetavam "um novo modelo de publicação da fotografia, rompendo com a prática anterior, de enquadrar a imagem no formato original de acordo com critérios de paginação tradicionais e de subserviência da imagem ao texto" (Tavares, 2002: 19-20). À intensificação dos mecanismos gráficos do jornal ilustrado correspondeu uma maior produção de imagens e a procura de fotorepórteres. O Notícias Ilustrado tornou-se uma escola, fomentando a fotoreportagem, divulgando a obra de fotógrafos, noticiando os prémios dos fotógrafos. Nomes como Raul Reis, Dinis Salgado, Ferreira da Cunha, Salazar Dinis, Mário Novais e Horácio Novais estão ligados a este movimento jornalístico. Emília Tavares recorda que os arquétipos da imagem de Salazar foram construídos através da acção dos periódicos ilustrados e das obras de propaganda e divulgação do Secretariado de Propaganda Nacional. Acrescento que António Ferro seria o precursor, ao entrevistar Salazar, em 1932, para o Diário de Notícias (uma obra recentemente republicada dá-nos a dimensão do fenómeno).
Na década de 1920, surgiu também o magazine, vocacionado "para o fait-divers, as curiosidades, os folhetins, a ilustração, a imagem fotográfica" (Tavares, 2002: 25). A maioria dos fotógrafos de referência do séc. XX tiveram imagens publicadas nos magazines e revistas. Como João Martins, fotógrafo estudado por Emília Tavares em tese de mestrado defendida na Universidade Nova de Lisboa. No livro, a autora escreveu ainda: "Espartilhada desde a sua invenção entre técnica, testemunho e arte, a representação fotográfica foi capital na orgânica dos meios de comunicação de massas modernos [...]. Ultrapassando todas as barreiras referenciais a que a cultura tradicional o havia remetido, o objecto fotográfico revelou-se uma peça fundamental na engrenagem da industrialização cultural" (Tavares, 2002: 14).
Como nota final de apreciação, o livro apresenta-se com um belo design e incorpora muitas imagens do fotógrafo João Martins. Na contracapa escreve-se: "O encontro de João Martins com a fotografia permanece imbricado entre mera obra de acaso e, nunca bem esclarecidas, ligações à geração de fotógrafos amadores de finais do século XIX". A ler e comentar.
Referência: Emília Tavares (2002). A fotografia ideológica de João Martins (1898-1972). Porto: Mimesis
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