Catarina Burnay, professora da Universidade Católica Portuguesa, defendeu hoje de manhã uma tese de mestrado sobre televisão, naquela universidade, intitulada "Ficção nacional: a emergência de um «novo» paradigma televisivo". O período de estudo foi o ano televisivo de 2000-1 e a telenovela investigada foi "A indomada". Para ela, o género telenovela produziu profundas alterações quer a nível da produção de televisão quer em termos de recepção.
A novel mestre (passou com a nota de Muito Bom) analisou a mudança de paradigma na audiência em termos de conteúdos ficcionais, quando as(os) telespectadoras(es) passaram a apreciar mais as telenovelas de produção nacional em detrimento das de origem brasileira. Antes de detalhar o seu estudo empírico, a autora analisou o fenómeno telenovela, desde Gabriela, cravo e canela (1977), na RTP - em que todo o país paralisou, obrigando mesmo ao adiamento de sessões parlamentares -, ao acordo escrito, em 1995, entre a SIC e a TV Globo para passagem em exclusivo no novo canal privado português desse formato, até à viragem entabulada pela TVI, que, na passagem da década, apostou na produção de telenovelas originais portuguesas. Tudo isto com o crescente clima de concorrência, com contra-programação e auto-promoção. Para Catarina Burnay, o novo paradigma televisivo, na TVI, deveu-se a uma associação de informação (de infotainment, com informação e entretenimento juntos), entretenimento e ficção nacional. Aqui o destaque iria para o trabalho da produtora NBP (de Nicolau Breyner).
Qual a base teórica da tese hoje defendida? Os estudos da escola de Frankfurt (indústria cultural), os cultural studies de Stuart Hall (com o seu texto fundador de 1973 de codificação/decodificação, agora disponível em português), bem como estudos da América Latina (Martín-Barbero e Maria Imacolata Lopes). Para além de uma análise quantitativa (1999-2002), a autora fez uma análise qualitativa, com entrevistas semi-directivas, em termos de produção (entrevistou responsáveis da TVI e da NBP) e em termos de recepção (21 entrevistas a consumidores de televisão). Quanto a conceitos de recepção operou quatro: quotidiano familiar/contexto de recepção, subjectividade/objectividade, género ficcional, produção e técnica.
Entre outras conclusões, o trabalho de Catarina Burnay aponta os seguintes sobre a produção ficcional portuguesa: boa representação da realidade nacional, técnica mais evoluida (se comparada com uma vintena de anos anteriores ao período estudado, em argumentos, actores e condução destes, e elementos técnicos empregues), representação de uma realidade menos violenta que a retratada nas telenovelas brasileiras, a ficção como agente socializante (no sentido de comunidades interpretativas ou imaginárias) e reconciliação do público português com o género.
Em suma, trata-se de um trabalho pioneiro em estudos de recepção de programas de ficção nacional televisiva, o que é de elogiar, estudar e continuar, no tocante à área das culturas do quotidiano, desenvolvida pela professora Isabel Ferin (Un. de Coimbra), aliás orientadora da tese de Catarina Burnay.
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