CULTURA E MERCADORIA – A PROPÓSITO DO TEXTO DE ANTÓNIO GUERREIRO NO EXPRESSO DE HOJE
Tenho acompanhado, desde há cerca de quinze anos, a produção crítica e literária de António Guerreiro, sem dúvida um dos nomes mais importantes hoje em Portugal. Aprendi, assim, a respeitá-lo. Mas assumo as minhas reservas quanto ao texto hoje publicado no jornal Expresso a propósito do livro de Theodor W. Adorno Sobre a indústria da cultura. Por oposição ao facto de, ainda há poucos meses, António Guerreiro ter produzido um texto ímpar sobre a memória de Adorno, por ocasião do centenário do nascimento do filósofo alemão.
Guerreiro começa magistralmente a sua peça: “A noção de indústria da cultura entrou na linguagem corrente e naturalizou-se quase sem deixar vestígios do complexo teórico e crítico de onde nasceu. Deixou de ser um conceito, uma problemática; passou a ser uma expressão com mero valor descritivo e já quase nada diz que obrigue a pensar”. Contudo, o que Guerreiro critica é o que faz. Ele escreve “por dentro” do conjunto de textos de Adorno sobre indústria cultural, e enuncia as críticas às teses de Adorno. Mas não enuncia quem as faz e as razões. Esquece um outro autor, muito próximo, Walter Benjamin, que se teria distanciado da perspectiva pessimista de Adorno. Mal aflora as razões da negação, em Adorno, à importância do jazz e do cinema.
E, fundamentalmente, não acompanha o modo como o conceito evoluiu do singular para o plural, dando conta da complexidade do conceito, nem faz alusão ao que nos últimos 20 anos se escreveu e teorizou sobre as indústrias culturais. Estou a pensar no basco Ramón Zallo, que distingue entre cultura tradicional, artesanal, independente e industrializada (El mercado de la cultura, 1992). Curiosamente, Zallo parte de referências intelectuais e ideológicas próximas de Adorno, mas vê a apropriação que o capitalismo faz da cultura, não negando as influências e a evolução dessa apropriação. Ou seja, constata a mercantilização da cultura, mas não a vê somente segundo óculos de aporia (sem sentido de retorno, sem possibilidades de mudança). Para ser mais preciso: logo no começo do seu trabalho, Zallo escreve: “A mudança real foi tecida por dois factores: a expansão do mercado cultural como forma específica de extensão da cultura, com um tipo de produção cultural, a cultura de massas, e a aplicação dos princípios da organização do trabalho tayloristas – e mais recentemente neo-tayloristas – à produção cultural” (p. 10).
Além de Zallo, reflectiram sobre o conceito de indústria(s) cultural(ais) autores franceses como Edgar Morin, Patrice Flichy e Bernard Miège. Este último enfatiza, em Les industries du contenu face à l’ordre informationnel (2000), a importância da produção e reprodução dos bens culturais. Seguindo um outro autor (Nicholas Garnham), Miège escreve sobre as características específicas das mercadorias culturais: 1) em cada produto cultural, sendo um protótipo [perto da obra única, aurática, no sentido de Benjamin, mas feita a pensar na reprodução, na mercantilização], o lucro depende da reprodução e da distribuição, logo das economias de escala e da maximização da audiência; 2) a procura é muito elástica, de modo a não se prever que uma obra seja um sucesso ou um “flop”, o que conduz a que cada editor ou produtor opere com um repertório ou catálogo; 3) os produtos culturais não são destruídos no processo de consumo, o que leva a que, com frequência, os produtores e distribuidores trabalhem em estratégias de raridade ou penúria relativa quanto a oferta (pp. 34-35).
Com certeza que o pensamento de Adorno (e do seu colega Horkheimer, nomeadamente no texto fundador do conceito indústria cultural, que ambos escreveram no exílio) está ainda pronto a ser discutido e a revelar novos ângulos. Estou a pensar na obra do alemão Heinz Steinert, que tem uma tradução sua para o inglês com o título Culture industry, editado o ano passado pela Polity Press. É urgente a discussão deste trabalho.
AINDA A MEDIA CAPITAL
O Expresso de hoje volta a referir-se à estreia da Media Capital na bolsa, em vários locais (caderno principal e caderno de economia). Desta vez o jornalista de serviço é Abílio Ferreira (para além do comentário de Jorge Fiel, com uma linguagem próxima deste período da Quaresma). Pelo puzzle das notícias (e breves) do Expresso, fica a saber-se que os bancos BES e CGD, que lideraram a operação da Media Capital, seguraram a cotação no dia de estreia do grupo na bolsa. Os dois bancos possuem 10% do total do capital, ao passo que Paes do Amaral controla 25%. Metade do capital do grupo está colocado no estrangeiro, especialmente em fundos do sector dos media. O jornalista Abílio Ferreira esclarece o que eu ainda não tinha percebido: 1) o fundo de pensões da PT, que “costuma aplicar dinheiro em grandes capitalizações” denota o fascínio da empresa de telecomunicações por possuir uma televisão; 2) o mercado passa a contar com mais uma empresa com liquidez.
Mas, aqui entra a desocultação de campanha iniciada atrás [contra a colocação de acções na bolsa, a que Paes do Amaral se referiu como sendo uma campanha de certa imprensa nacional, e creio que tinha toda a razão]. O jornalista do Expresso escreve, comparando a Media Capital e o grupo a que o Expresso pertence: “Mas são grupos estruturalmente diferentes, é um erro entrar no campeonato das capitalizações que, por acaso, estão muito aproximadas”. Isto é, não se podem estabelecer comparações entre os grupos. Porquê?
AINDA A VOXX E A LUNA
O Expresso de hoje é a verdadeira musa inspiradora dos meus posts. No caderno Actual, vem uma notícia sobre o futuro das extintas frequências daquelas estações, vendidas pela Coco (Companhia de Comunicação) a Rádio Milénio (de Nobre Guedes).
Afinal, a vocação das rádios (com outros nomes) vai manter-se. A Clássica FM (outrora Luna) mantém o perfil de “rádio generalista, virada para a música clássica e erudita” [eu a julgar que se tratava de uma rádio temática. Os erros que ando a ensinar aos meus alunos. Se a Luna era uma rádio generalista, então o que são a Antena 1 ou a Rádio Renascença: rádios temáticas?]. Quanto às frequências da Voxx e do projecto futuro, só se concretizará plenamente quando se angariar publicidade, problema que já afectava aquela estação alternativa.
AUTORIA E PRODUÇÃO PARA NOVOS MEDIA: TECNOLOGIAS PARA iTV E TELEMÓVEIS
É o título de curso a ser promovido pela Universidade Lusófona, ao Campo Grande (Lisboa). Aborda a produção para os novos media, em particular a televisão interactiva e os programas baseados em aplicações para telemóveis. Tem módulos de guião e narrativa, pré-produção, produção, multimedia [o anúncio fala em mutilmedia!] e pós-produção, que são presenciais, para além do ensino on-line.
Julgo que se trata de um curso pioneiro em áreas em prometida expansão. Isto num momento em que se preparam campanhas de conteúdos (?) pelos telemóveis. Um destes dias, quando se passar pela ponte 25 de Abril (sobre o Tejo), iremos receber mensagens no telemóvel sobre marcas e produtos. A agilidade dos publicitários!
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