EM DEFESA DO MUSEU DA RÁDIO
Após 12 anos aberto ao público, o Museu da Rádio ameaça fechar as portas, com o seu acervo a ser integrado no Museu das Comunicações - conforme notícia publicada no sábado passado no jornal Público. Porque o assunto é para ser levado a sério, e apesar de não se saber mais do que aquilo que saíu no jornal, os blogues mais ligado a esta indústria cultural que é a rádio têm multiplicado as suas mensagens de desconforto perante a situação. No ar, existe o receio de ver o acervo distribuído por vários núcleos - perdendo-se a noção de colecção -, ou parcialmente destruído. Prova deste receio é o facto de ainda não ter havido um comunicado ou qualquer outra afirmação por parte da RTP ou da comissão instaladora do museu da Rádio (que se prepara para assinar, em breve, um protocolo para transferência do acervo para a Fundação Portuguesa das Comunicações), a desmentir a notícia ou a clarificar os pontos mais problemáticos da mesma.
Ao internauta que lê esta mensagem
Por favor, participe civicamente na defesa do Museu da Rádio. Envie uma carta, em tom gentil, à administração da RTP (Avenida Marechal Gomes da Costa, 37 - 1800-255 Lisboa), sublinhando a importância cultural do museu, na sua totalidade, e mostrando o alarme que a notícia causou em toda a comunidade cultural do país. O desaparecimento do Museu é uma grande perda para todos. Ou, pelo menos, que sejam explicadas à opinião pública as vantagens da integração numa outra entidade. É que o silêncio se tornou num elemento altamente perturbador.
MEMÓRIAS DA RÁDIO – CITAÇÕES CLÁSSICAS DE AGENTES CULTURAIS E JORNALÍSTICOS
Eis algumas citações muito gostosas:
Carmen Dolores (actriz)
“Os postos de amadores pediam colaboração. Qualquer pessoa podia apresentar o seu programa e tentar a sorte como intérprete, cantando, tocando, declamando, representando!
“Foi assim.
“Emissora escolhida a Rádio Sonora, ali à Morais Soares, dirigida pelo simpático Lacombe Neves. O meu irmão teve a ideia fabulosa: um recital de quinze em quinze dias, com números de canto, recitação, piano e pequenos diálogos. Ele que nessa altura era aluno da Hermínia Alagarim que também foi professora do Piçarra e de muitos outros cultivadores do bel-canto, cantava as suas árias de óperas conhecidas, de lied, também interpretadas pelo Tito Schippa e pelo Miguel Fleta. E tinha uma linda e bem timbrada voz de tenor que foi pena não ter continuado a cultivar. A Júlia, minha cunhada nessa época, que já passara pelo teatro e tinha o curso de piano, acompanhava-o e tocava solos de música clássica. Eu recitava os versos aprendidos na Selecta. E os três interpretávamos os diálogos. Passava-se tudo isto em fins de 1938. Tinha eu 14 anos” [Carmen Dolores (1984). Retrato inacabado. Memórias. Lisboa: O Jornal, pp. 59-60].
João de Morais Palmeiro (jornalista)
“Em Novembro de 1925, dois anos quase depois de haver sido inaugurada em toda a Alemanha a radiotelefonia, fomos convidados a dizer algumas coisas pelo posto emissor de Berlim acerca da nossa terra, de Portugal.
“Como instruções recebêramos um impresso que nos concedia vinte minutos para falar, elucidando-nos que, em dez minutos, se liam com todo o vagar, quatro folhas de papel almaço escritas à máquina.
“[…] E, em 14 de Novembro de 1925, às sete e três quartos da tarde, líamos diante do microfone da estação de TSF de Berlim o nosso modesto trabalho.
“[…] No decurso da nossa palestra havíamos traduzido umas quatro quadras populares portuguesas. Uma senhora – a primeira do nosso auditório invisível a dirigir-se-nos – escreveu:
“Seria possível informar-me se as quadras que traduziu fazem parte de algum livro que se possa adquirir aqui? Caso contrário, estaria disposto a enviar-me uma cópia das mesmas, principalmente da última?” [João de Morais Palmeiro (1929). A nova Alemanha. Porto: Imprensa Nacional, pp. 133-135].
Fernando Curado Ribeiro (actor e escritor)
“Tanto como outros meios, a Rádio pode ser dotada de características que permitem a intenção de criação de arte, que se realizará se se atender aos condicionamentos próprios, técnico e funcional, e às soluções estéticas impostas pelo seu mundo sonoro. É, aliás, graças às interferências deste mundo sonoro no mundo visual que a arte radiofónica se afirma, como que tornando-se plástica e dado ao sentido auditivo o que a vista já apercebeu. A arte radiofónica atinge o seu fim quando chega ao auditor que, com os seus ouvidos, viu no espaço. E isto depende mais do valor do que se transmite do que das qualidades de quem ouve. Abrem-se, pois, perspectivas análogas aquelas de que beneficia a vista – embora, sem dúvida, mais limitadas. E é talvez por este aspecto importante que Rádio, Cinema e Televisão se confundem em tantos pormenores”. [Fernando Curado Ribeiro (1964). Rádio – produção – realização – estética. Lisboa: Arcádia, p. 75].
Artur Agostinho (locutor, apresentador e actor)
“Estávamos no início dos anos 50 e, nessa altura, o acesso de qualquer pessoa aos estúdios do Quelhas era extraordinariamente fácil.
“[…] Foi exactamente no tempo em que ainda não tinham sido implementadas algumas medidas especiais de segurança que apareceram no hall dos estúdios dois homens de grande compleição física, em mangas de camisa e transportando sobre os ombros aquelas grossas cordas que identificavam, de imediato, os populares «galegos» que paravam no Chiado, oferecendo os seus préstimos como carregadores de mobílias e de outros objectos mais ou menos pesados.
“[…] Os dois homens apresentaram-se ao funcionário de serviço nos estúdios, dizendo-lhe que vinham a mando do maestro Pedro de Freitas Branco, com a incumbência de transportarem o piano de cauda que estava no estúdio A para o Teatro de São Carlos, onde iria ser necessário para um ensaio da Orquestra Sinfónica.
“O solícito funcionário acompanhou os dois homens ao estúdio A, onde se encontrava o instrumento pretendido, e regressou ao seu local de trabalho, deixando-os entregues à pesada tarefa de carregarem o piano.
“[…] No dia seguinte, a meio da tarde, o maestro Pedro de Freitas Branco, momentos depois de ter entrado no estúdio A, voltou a sair visivelmente irritado.
“[…] acabou por chegar à inevitável conclusão de que o piano de cauda da Emissora Nacional – um magnífico e valioso Steinway – tinha sido pura e simplesmente roubado, mercê de um golpe audacioso, de grande imaginação” [Artur Agostinho (2002). Ficheiros indiscretos. Lisboa: Oficina do Livro, pp. 231-232].
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