terça-feira, 25 de maio de 2004

ROMANCES POR TELEMÓVEL

[Recupero uma notícia editada no jornal Público de 8 de Abril deste ano]

Yoshi, antigo instrutor numa escola japonesa que prepara alunos para o ensino superior, é o centro de um novo fenómeno: jovens a ler romances no telemóvel.

Em 2000, começou a escrever um livro num sítio da internet que disponibiliza conteúdos para telemóveis. Com um pouco mais de €750 de publicidade, espalhou panfletos pelos jovens do liceu, em frente ao centro cultural juvenil de Tóquio. Em três anos, teria mais de 20 milhões de visitantes ao seu sítio. O livro, Deep love, é uma obra escrita em fragmentos de 1600 caracteres enviados periodicamente por e-mail para o telemóvel. De linguagem acessível, directa e coloquial - diz a notícia assinada por Nelson Marques, que estou a seguir -, Yoshi angariou leitores mais habituados a lerem manuais de instrução dos jogos vídeo.

Uma editora atenta publicou as estórias fragmentadas num livro em papel, o qual já vendeu mais de 1,3 milhões de cópias. E, em breve, a estória do Deep love passará ao cinema. Curiosamente, o êxito de Yoshi terá levado sítios de internet a disponibilizarem, por preços reduzidos, o download de livros, incluindo clássicos da literatura. E o mercado de romances dos telemóveis poderá crescer dos actuais €750 mil para os €75 milhões!

Impressionante como se formam nichos de mercado tão rentáveis, a partir de ideias aparentemente estranhas. E interessante o modo como uma narrativa atravessa várias indústrias culturais e cria valor na cadeia de calor dessas mesmas indústrias culturais. Um caso a acompanhar.

SOBRE A REGULAÇÃO DO SECTOR DOS MEDIA

Em Portugal, há uma tradição das leis de imprensa precederem as constituições políticas (1822, 1910, 1975). Por exemplo, na implantação da Primeira República, a lei foi aprovada em 29 de Outubro de 1910, escassa vintena de dias após a queda da monarquia. Depois, em 1975, a lei da imprensa seria publicada em 26 de Fevereiro, enquanto se aprovaria a constituição somente no ano seguinte.

Leis da imprensa

João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa – em notas que tirei da conferência por ele dada, no passado dia 13, no meu módulo do mestrado, Media, Públicos e Audiências, da Universidade Católica –, recordou elementos da lei de 1971 que carecem ainda de estudo. Referiu nomeadamente o relatório sobre a lei da imprensa de 1971, feito à Câmara Corporativa pelos então procuradores Maria Lourdes Pintasilgo e Diogo Freitas do Amaral. Este relatório falava de direitos e deveres dos jornalistas, matéria já então muito sensível. Para Palmeiro, o que ocorreu entre 1933 (constituição do Estado Novo) e 1971 (período do marcelismo) foi a aprovação de leis avulsas.

Por exemplo, nunca terá havido uma regulamentação específica da censura. Todos os censores eram militares. Curiosamente, a imprensa regional não tinha censura, no sentido do exame prévio. Por isso, pode falar-se (embora de modo restrito) de liberdade. Do mesmo modo, o exame prévio não incidia sobre a imprensa desportiva, o que levou bons jornalistas a escreverem neste tipo de imprensa, caso de A Bola e O Record.

Sobre aquele período do crepúsculo do Estado Novo, João Palmeiro – filho de um reputado jornalista com o mesmo nome, cujo período áureo se deu a partir de meados dos anos de 1920 – referiu as tentativas de implantação do ensino do jornalismo. Destacou o nome de Mário Quina, proprietário do Diário Popular e do Instituto das Novas Profissões, onde se preparava um curso de jornalismo no começo dos anos de 1970.

Organismos de regulação

Não há uma forte tradição da regulação do sector dos meios de comunicação em Portugal. Os conselhos de informação (lei de 1975) tinham uma função de controlo dos media do Estado (rádio, televisão e imprensa de âmbito nacional, estatizados nessa época). Excepto o Primeiro de Janeiro, todos os jornais tinham sido estatizados. No campo da rádio, a Rádio Comercial era o resultado da junção do Rádio Clube Português, Emissores Associados de Lisboa e Emissores do Norte Reunidos. Só a Rádio Altitude (Guarda) e a Rádio Clube do Centro - Emissora das Beiras não foram estatizadas [a Rádio Clube do Centro, que encerrou por falência em 1986, tinha estúdios em Aveiro, Guarda e Viseu e emissores (OM e FM) no Caramulo. Dica de A Rádio em Portugal, que ajudou a corrigir a informação que eu colocara inicialmente].


Os conselhos de informação eram, segundo João Palmeiro, watchdogs. Depois, em 1979, nascia o Correio da Manhã, jornal que ainda se mantém (e é líder de vendas), após várias experiências de jornais que desapareceriam mais ou menos rapidamente. Claro que houve experiências que tiveram algum sucesso momentâneo, caso do Jornal Novo, que terá atingido vendas na ordem dos 120-130 mil exemplares diários).

Um pormenor curioso: a publicidade da televisão estava adjudicada à Movierecord, uma empresa espanhola de discos (e que disputava com a Triunfo a produção discográfica no nosso país). Quando se dá a nacionalização da RTP (que apesar de ser considerada do Estado desde o início, em 1957, tinha capitais privados), a Movierecord vende os seus interesses – pelo que nasce a RTC – parte comercial da RTP. A RTC só desapareceria com o governo que tomou posse há dois anos, passando a RTP a ter um meio de publicidade.

Com a abertura do espectro radioeléctrico e a revisão da Constituição (1982) desapareceriam os conselhos de informação. Reprivatizavam-se o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias e promovia-se uma lei da rádio. Nascia o Conselho de Imprensa, presidido por um magistrado. De acordo com João Palmeiro, este Conselho era uma entidade de co-regulação, com patrões, jornalistas e partidos envolvidos. O organismo verificava o direito de resposta, mas só tinha o poder de fazer recomendações. Quando o Estado atribuía licenças, o Conselho não tinha poder jurídico de actuação.

Concentração

Da estrutura do Conselho de Imprensa passou-se o Conselho de Comunicação Social, com poderes executivos, criando-se as comissões de atribuição de alvarás. Em 1994-1995, adoptou-se o modelo francês – a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) assemelhava-se à Autoridade do Audiovisual francesa. Conclusão de João Palmeiro – a regulação em Portugal esteve sempre ligada aos conteúdos e nunca ao lado comercial e industrial.

Entretanto, discute-se a futura entidade que substitui a AACS, que terá uma composição distinta mas onde o peso do Parlamento é substancial. Se a administração da nova entidade tiver cinco elementos e se quatro forem indicados pelo Parlamento, a quinta será cooptada por aqueles. A administração será assessorada por dois colégios de interesse (1º, publicidade e vendas; 2º, conteúdos). A nova entidade assegurará algumas das competências na posse do actual Instituto da Comunicação Social (atribuição de licenças) e preocupar-se-á com questões como a concentração (pluralismo). Contudo, e no entender de João Palmeiro, o tema da concentração é delicado, pois ainda não há uma definição adequada à realidade portuguesa.

[A partir de uma conferência do dr. João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa, no dia 13 do presente mês. Qualquer engano ou omissão em datas e análise de instituições deve ser atribuida ao relator deste blogue. Desafiei o dr. Palmeiro a concretizar melhor em papel o que exprimiu na conferência; ele disse que gostaria de o fazer se houvesse uma equipa de investigação]

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