quarta-feira, 30 de junho de 2004

DÊEM UM MODEM A FERNANDO PESSOA

Trata-se de um nome sugestivo para título de capítulo no livro cheio de paladares visuais, este de Luís Filipe B. Teixeira Hermes ou a experiência da mediação.

Ora, o que pretende o professor da Universidade Lusófona ao evocar Pessoa? Estudioso do poeta, parte do princípio que a tecnologia textual ficaria enriquecida com a tecnologia digital. Mas uma nova tecnologia qualquer arrasta um sentimento duplo de atracção e repulsão, casos da imprensa de Gutenberg, do telefone de Bell e do modelo de automóvel Ford T. O hipertexto combina a tradição do texto e a novidade dos computadores (p. 113), indicando talvez um meio caminho entre a harmonia e o insucesso tecnológico. É que, considera o autor, a tecnologia multimedia arrasta o mundo para “uma nova utopia literária designada «hipertextualidade»” (p. 109), onde se aponta para a organização e edição de espólios modernos. Nasce um sistema multilinear e não-sequencial (à distância de um clique) e com transparência do fragmento original – a edição crítica ou crítica-genética.

Filósofo de raiz, o seu pensamento torna-se complexo. Todavia, tudo fica mais claro, quando escreve sobre o processo criativo da crítica-genética: a edição que reconstitui os sentidos de uma obra não linear. Luís Teixeira está sempre a pensar em Pessoa. Melhor afirmando, a literatura é um grande sistema de documentos interligados (interconectados, no seu texto, p. 114), estendendo a dimensão a novos “bosques” criativos. Eis o terreno da relação entre o livro e a leitura em ecrã que permite uma reapreciação no domínio da criação: o leitor pode ser co-autor, ou actor de “uma escrita «heteronímica»”, em que se recria um texto novo a partir de um “fragmentarismo sistemático” (p. 116).

A felicidade, conclui Luís Teixeira, ocorrerá quando, com competência e rigor, se usufruir uma enciclopédia pessoana. Daí o título do capítulo. Como os restantes capítulos, contém reproduções de máquinas, como uma máquina de tipos de letras e um disco rígido, bem como o alfabeto químico de Agrippa, mas de modems nada. Um modem, como o que eu vejo diante de mim, é um aparelho rectangular, sem qualquer atracção estética. Coisa que o livro é, como escrevi acima: um livro de paladares visuais.

Professor catedrático na Universidade Lusófona, Luís Filipe Teixeira tem escrito, nomeadamente, sobre formas simbólicas, bibliotecas electrónicas, palavras digitais e ludologia. O livro Hermes ou a experiência da mediação, da editora Pedra de Roseta, será lançado a 20 de Julho, na livraria Barata, na Avenida de Roma, 11, aqui ao pé de casa, com apresentação de Eduardo Prado Coelho.

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