terça-feira, 6 de julho de 2004

ABUNDÂNCIA DE IMAGENS E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO

Logo no começo do texto Information technology and the myth of abundance (original: 1982), pergunta Anthony Smith: há um motor que altera as tecnologias? Quais os critérios do processo histórico que descrevem a revolução tecnológica? Como se dá o arranque da inovação com o conjunto criativo, emocional, intelectual dominante numa dada época?

O programa de acção do texto é analisar a abundância das imagens, qual o uso que delas damos diariamente e o modo como se processam as alterações (revoluções, transformações, inovações) tecnológicas. Ele defende a existência de uma unidade social e cultural por detrás da revolução tecnológica, em particular a que se relaciona com a informação. E dá um exemplo: a obsessão com a perfeita reprodução mecânica das imagens. O autor entende que existe uma ligação psíquica com a evolução das tecnologias do filme, do fonógrafo, do telégrafo e da rádio.

O texto reparte-se em três parcelas igualmente importantes: 1) acumulação de media e a sua convergência/interacção; reprodução, distribuição e promoção, evolução – a necessidade de modelos explanatórios do processo inventivo e inovador, numa demonstração do diálogo social que precede um novo aparelho; 2) produção de imagens em movimento; percepção visual e expectativas sociais e culturais; experimentadores e técnicos; interacções e dependências sociais, artísticas, técnicas, intelectuais; escolha versus abundância; 3) multiplicidade (armazenamento, canais, sistemas de aluguer); artefacto físico versus serviços; princípios gutenberguiano e alexandrino; monopólio, mudança e ritmo; abundância versus condicionamento. Nesta apresentação do trabalho de Anthony Smith concentro-me na última de tais parcelas.

O autor entende que se partiu de um dado tipo de monopólios para outro tipo de monopólios – da distribuição de filmes, da informação económica, da alta cultura, para certos grupos sociais ou áreas geográficas. E distingue dois desenvolvimentos: 1) artefactos (produtos) físicos, em que se inscrevem imagens e texto – cassetes e discos, 2) os outros media, como a internet, que são serviços e não produtos. Mas, pergunta-se, haverá uma distinção válida entre produtos e serviços?

Princípios gutenberguiano e alexandrino

O raciocínio de Smith é, contudo, interessante: para ele, desenvolve-se um sistema que, no seu efeito central, nega o princípio básico existente desde o Renascimento. A pressão dos serviços “não artefacto” é grande, em que se testemunha a rápida erosão da noção aceite de que a informação se multiplica naturalmente em cópias físicas até que o número de cópias se aproxime do número dos que querem recebê-las – é o princípio gutenberguiano. A este opõe-se o princípio alexandrino. O depósito existe, está lá para ser consultado. Na versão electrónica, com aceitação de novos materiais, aumenta o depósito, a que todos podem aceder.

No campo das imagens em movimento, estas armazenam-se em bases de dados, são distribuídas por canais de televisão por cabo ou outros. Há um programa prévio que permite a sua selecção. Uma alteração: o custo já não está dependente da distância, quer na recolha quer na distribuição. O centro desta transformação é que não existe uma máquina geradora da transformação. Há um rumo de mudança, mas detectam-se direcções específicas e que estabelecem um ritmo diferente.

Contudo, apesar da mudança febril que cerca os media de informação, as tecnologias de base e as formas dos conteúdos mudam muito lentamente. Mesmo a rádio e a televisão, que se desenvolveram mais depressa, demoraram quinze anos a estabelecer-se no mercado em termos de cada novo desenvolvimento – da válvula ao tubo de raios catódicos, dos sinais de cor e transístores ao cabo. Conclui-se: as formas mantêm-se porque o mercado as conservou. As expectativas do público por qualquer aparelho particular levam anos a desenvolver-se.

Smith nota duas tendências. Uma, a do final do séc. XIX, em que a audiência investia no sistema em si. O lucro advinha da compra de um produto (o jornal) ou da venda de um direito (a entrada num espectáculo). Ao multiplicar o produto este baixava de preço. Hoje, a parcela do investimento da audiência é maior. Compra-se e aluga-se o gravador, o cabo, o computador, o televisor. O espectador paga mais, em comparação com a aquisição do bilhete de entrada no cinema ou no teatro. Ao mesmo tempo que os múltiplos canais prometem a abundância de escolha, há um gradual crescimento do monopólio em qualquer sistema. Isso está a ocorrer, por exemplo, nas salas de cinema, com a instalação de múltiplas salas de cinema num espaço, que não deixam de obedecer a uma lógica monopolista.

Além de tudo, a abundância de escolha não constitui, em si, uma transformação, dado que o indivíduo faz escolhas condicionadas e não irá aumentar o número de horas de exposição. O objectivo da abundância da informação é, neste caso, encontrar a pequena quantidade de informação relevante.

Como aplicar o trabalho de Anthony Smith?

Hoje, no mundo dos blogues, poder-se-ia aplicar os princípios gutenberguiano e alexandrino, dada a profusão de mensagens e de imagens. Elas estão ali, ao clicar de um rato, em procura incessante num motor de busca. Surge muita informação - mas a abundância é garante de qualidade? E, por outro lado, a contínua passagem do virtual, do imaterial, para os suportes físicos (papel, CD-ROM), não traduz o mesmo efeito que a passagem da conversa ou da representação para a memória (pedra, impresso, película), com uma gramática e um contexto diferentes? E não se evidencia em atrasos entre a introdução da tecnologia e a sua absorção mental e social?

Leitura: Anthony Smith (1999). “Information technology and the myth of abundance”. In Hugh McKay e Tim O’Sullivan (eds.) The media reader: continuity and transformation. O texto original de Smith é de 1982 e foi retomado em 1993 no livro Books to bytes: knowledge and information in the Postmodern Era.

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