sábado, 10 de julho de 2004

MATTOTTI

Neste espaço, a 10 de Abril, fiz referência a Lorenzo Mattotti, nascido há precisamente 50 anos. Volto ao autor, que estudou arquitectura em Veneza mas se decidiu desde muito cedo dedicar-se à banda desenhada. Hoje, ele vive entre Paris e Udine e publica quer em Itália quer em França.
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No volume organizado por altura da exposição em Lisboa da obra de Mattotti (1998), o seu coordenador, João Paulo Cotrim, interrogava-se: "Isto é mesmo bd ou é um laboratório? Pois é mesmo banda desenhada, mas não é cega e tem memória. Não é cega às influências do seu tempo, à vontade de pintura do seu autor, às reflexões políticas e literárias. E tem uma memória que se enraiza em Feiniger, mas passa por Renato Calligaro, Alberto Breccia e José Muñoz. Isto para não nos perdermos em Bonnard ou Pasolini, Michaux ou Wenders, Di Chirico ou Tarkowski".

Já Antonio Faeti, professor de História de Literatura para a Infância da Universidade de Bolonha, situa Mottotti no expressionismo, mas vai além disso. Escreve Faeti que o imaginário do artista se socorre de muitos elementos, que recolhem variados "fragmentos do imaginário numa formulação unificante, onde a banda desenhada, a publicidade, a ilustração, o cartoon, o grafismo [se encontram] numa condensação plena e coerente". E destaca influências da pop-art, da art-nouveau, mesmo da pintura espanhola inspiradora do seu Sebastian Caboto, exactamente o volume que observei em Abril passado.

Foi em 1976 que Mattiotti publicaria o seu primeiro trabalho profissional, com adaptação de Tettamanti, o Huckleberry Finn, de Mark Twain. Com ele, vence um prémio e passa a ser conhecido pelo público e pelos críticos. Já em 1983, funda com outros o movimento Valvoline e edita um suplemento em Alter Alter, durante sete meses. E participa na publicação de um jornal de distribuição autónoma, o Nemo. Após o álbum Fuochi (1984), decide colaborar com a revista Vanity. Diz o próprio autor: "quando percebi que podia aprender a profissão de ilustrador de moda aproveitei a oportunidade de imediato". Em 1992, publica L'Uomo alla finestra, romance poético com texto de Lilia Ambrosi, sua ex-mulher. Curiosa esta colaboração nascida depois da separação do casal! Ainda nesse ano realiza um dos cinco cartazes oficiais da Exposição Universal de Sevilha. Em 1993, ilustra o clássico Pinóquio.

Leitura: Arti Grafiche Friulane e Bedeteca de Lisboa (1998). Mattotti. Lisboa: Bedeteca (a exposição decorreu entre 23 de Abril e 6 de Junho de 1998).

POLÍTICA E TELEVISÃO

Ontem, após as 21:30, a televisão proporcionou um momento ímpar da sua importância na comunicação pública. Foi, como sabem, a decisão do Presidente da República em dar continuidade governamental à maioria eleitoral conseguida no pós-eleições de 2002. Este blogue tem uma linha editorial, que não pretendo desvirtuar [há outros sítios para a intervenção cívica]. Por isso, o presente post não envereda pela análise política, mas tão só na análise do meio comunicacional.

Em Sampaio há um conhecido estilo retórico e argumentativo, que lhe advém da sua profissão de advogado. O que não passa bem na televisão, meio do efémero e do instantâneo. A sua mensagem estava entendida ao fim de quatro ou cinco frases, mas ele continuou por tempo quase infinito o seu discurso.

Sem qualquer sentido ofensivo, lembrei-me, enquanto escutava Sampaio, de um seu antecessor no cargo: o marechal Carmona, sufragado entre a Ditadura de 1926 e o Estado Novo de 1933 e que se manteve no cargo durante muitos anos. Tenho as imagens de Carmona muito presentes, pois, há poucas semanas – como disse neste local –, passei a pente fino o arquivo fotográfico do jornal O Século durante os anos de 1930, com um objectivo editorial em vista. Carmona era frequentemente requisitado para cerimónias. Como militar, ele andava sempre com farda, cheia de galões e medalhas e chapéu. Mas tinha um sinal anacrónico: as luvas brancas que vestia em todas essas cerimónias. Como cumprimentaria os presentes? De luvas? Ou tirava-as a todo o momento? Em Sampaio, o anacronismo chama-se o pouco à-vontade com o dispositivo televisivo – fala excessivamente.

O mais interessante de ontem veio depois: as reacções dos líderes partidários. De um deles o simbolismo exagerado do local: a Assembleia da República. De outro o excessivo ar solene, a rondar o teatral. Do líder do principal partido da oposição, a apresentação em directo da demissão, seguindo o estilo peculiar da neotelevisão: os programas destinados a públicos populares, como o “Perdoa-me” ou o “Ponto de encontro” [irónica e infelizmente, um dos apresentadores de um desses programas morrera horas antes, Henrique Mendes]. Em dois dos líderes, vimos que leram os seus textos. Com certeza que tinham preparado textos alternativos para cada uma das decisões do PR, fazendo lembrar a recente campanha da Sagres para o Europeu de Futebol, caso Portugal ganhasse ou perdesse, género "Estamos com um pé na final, mas temos as mãos na cerveja". Dos partidos da maioria parlamentar, ouviu-se o soundbite, o tempo devido em televisão da pequena frase – curta e incisiva. A contaminação dos géneros televisivos e da publicidade chegou aos políticos.

E do lado das televisões? Pelo que vi - e íamos fazendo zapping - os jornalistas âncoras apoiaram-se em comentários de colegas jornalistas, o que é frouxo. Além disso, estes pareceram-me pouco convincentes do seu papel, apagados e desconcentrados. Só escapou Carlos Magno, mas este jornalista é um cultor de metáforas e trocadilhos, outra forma de soundbite ou da pequena frase que passa bem em televisão. E o frenesim da passagem de local de permanência (newsbeat) - de sede de partido para outra sede de partido - criou um ritmo quase de telenovela. Ou a velha estratégia televisiva de ouvir quem ganha e quem perde. Ontem, a noite foi como se houvesse eleições, exactamente com vitoriosos e derrotados, e assunção das consequências. Todos os agentes sociais em acção comportaram-se como se os factos se passassem apenas na televisão. Como leitura final, concluo que o dispositivo televisivo é fundamental na comunicação pública. O resto é acessório.

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