SOBRE A RECEPÇÃO DOS MEDIA
Pretendo hoje concluir uma espécie de trilogia sobre a produção e a recepção do discurso televisivo com uma reflexão de um capítulo do livro de Shaun Moores (1993), Interpreting audiences.
Moores começa por referir Stuart Hall, que, no seu texto seminal Codificação e descodificação no discurso televisivo (original de 1973; há uma tradução portuguesa de 2003, em livro que já identifiquei neste espaço), fornece uma perspectiva de consumo activo, combinando contributos semióticos e sociológicos, poder cultural e relações sociais. Hall conclui que a linguagem dos media não é nem uma ferramenta linear em termos de transmissão de ideias nem uma janela transparente do mundo social, mas sim um sistema refractário de signos. Por exemplo, nas notícias sobre assuntos públicos há necessidade de os acontecimentos terem um significado preciso. O trabalho de codificação é moldado em formas textuais estabelecidas, e precisa de enquadramentos interpretativos, que podem ser distintos. Há razões para uma potencial assimetria. Cada texto pode ser polissémico, possuir mais do que uma leitura possível, no que Barthes chamou “segunda ordem” ou significado “conotativo”.
Na sequência do trabalho de Hall, Brundson e Morley (1978) estudaram o programa Nationwide, que ia para o ar no começo da noite na BBC nos anos de 1970. Colocado entre o noticiário e o período do principal período de entretenimento familiar, o programa adoptou um formato de contar estórias de interesse humano a partir de vários locais do Reino Unido. O trabalho dos etnógrafos consistiu em entrevistar grupos provenientes de diferentes níveis educacionais e profissionais, para desenhar uma espécie de “mapa cultural” da audiência, como Hall escrevera em notas preliminares sobre a descodificação.
Em estudo posterior de Morley (1980), intitulado The “Nationwide” audience, o autor verificou que os diversos grupos educacionais e profissionais tinham perspectivas distintas. Seguindo a grelha de leitura proporcionada por Hall (dominante ou preferida, negociada, oposicional), Morley concluiu que aprendizes e estudantes aceitavam melhor a leitura dominante (não questionavam o modo como o programa era editado), ao passo que os professores aceitavam leituras negociadas e os grupos sindicalizados e as minorias étnicas (caso dos negros) produziam mais frequentemente leituras oposicionais (de contestação à linha editorial).
Num outro estudo citado por Moores, Justin Lewis (1985) conduziu entrevistas a 50 “descodificadores”, que deram a sua interpretação do noticiário televisivo da ITN News at Ten. Lewis notou uma diferença abismal entre o que os jornalistas diziam sobre o seu trabalho e as respostas da maioria dos descodificadores. Um item noticioso mostrava um político criticado dentro do congresso do seu próprio partido, mas a sua reacção, com um discurso empolgante, teve um grande impacto, merecendo uma longa ovação por parte dos congressistas. Lewis verificou que apenas doze dos 50 espectadores indicaram que o político fora alvo de uma crítica. Cerca de quatro quintos dos entrevistados considerou que o discurso do político era irrelevante dentro da notícia. Lewis explicaria tal diversidade a partir do conceito de canais de acesso, que se abrem aos telespectadores apenas em algumas partes da mensagem televisiva. Além disso, a estrutura narrativa das notícias é outro factor a ter em conta. Algumas, para não dizer muitas, estórias não são bem contadas (escritas e apresentadas).
Em conclusão, qualquer estudo sobre a recepção dos media tem de catalogar e contrastar as interpretações dos diferentes grupos de consumidores dos media. Isto é, encontrar “quadros de compreensão” capazes de fornecer o resultado dos olhares dos espectadores.
Leitura: Shaun Moores (1993). Interpreting audiences. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage, pp. 16-24
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