Pretendo hoje concluir uma espécie de trilogia sobre a produção e a recepção do discurso televisivo com uma reflexão de um capítulo do livro de Shaun Moores (1993), Interpreting audiences.
Na sequência do trabalho de Hall, Brundson e Morley (1978) estudaram o programa Nationwide, que ia para o ar no começo da noite na BBC nos anos de 1970. Colocado entre o noticiário e o período do principal período de entretenimento familiar, o programa adoptou um formato de contar estórias de interesse humano a partir de vários locais do Reino Unido. O trabalho dos etnógrafos consistiu em entrevistar grupos provenientes de diferentes níveis educacionais e profissionais, para desenhar uma espécie de “mapa cultural” da audiência, como Hall escrevera em notas preliminares sobre a descodificação.
Em estudo posterior de Morley (1980), intitulado The “Nationwide” audience, o autor verificou que os diversos grupos educacionais e profissionais tinham perspectivas distintas. Seguindo a grelha de leitura proporcionada por Hall (dominante ou preferida, negociada, oposicional), Morley concluiu que aprendizes e estudantes aceitavam melhor a leitura dominante (não questionavam o modo como o programa era editado), ao passo que os professores aceitavam leituras negociadas e os grupos sindicalizados e as minorias étnicas (caso dos negros) produziam mais frequentemente leituras oposicionais (de contestação à linha editorial).
Num outro estudo citado por Moores, Justin Lewis (1985) conduziu entrevistas a 50 “descodificadores”, que deram a sua interpretação do noticiário televisivo da ITN News at Ten. Lewis notou uma diferença abismal entre o que os jornalistas diziam sobre o seu trabalho e as respostas da maioria dos descodificadores. Um item noticioso mostrava um político criticado dentro do congresso do seu próprio partido, mas a sua reacção, com um discurso empolgante, teve um grande impacto, merecendo uma longa ovação por parte dos congressistas. Lewis verificou que apenas doze dos 50 espectadores indicaram que o político fora alvo de uma crítica. Cerca de quatro quintos dos entrevistados considerou que o discurso do político era irrelevante dentro da notícia. Lewis explicaria tal diversidade a partir do conceito de canais de acesso, que se abrem aos telespectadores apenas em algumas partes da mensagem televisiva. Além disso, a estrutura narrativa das notícias é outro factor a ter em conta. Algumas, para não dizer muitas, estórias não são bem contadas (escritas e apresentadas).
Em conclusão, qualquer estudo sobre a recepção dos media tem de catalogar e contrastar as interpretações dos diferentes grupos de consumidores dos media. Isto é, encontrar “quadros de compreensão” capazes de fornecer o resultado dos olhares dos espectadores.
Leitura: Shaun Moores (1993). Interpreting audiences. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage, pp. 16-24
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