terça-feira, 24 de agosto de 2004

AINDA SOBRE O BIG BROTHER (I)

Considera-se, desde que existe o reality show Big Brother (BB), que este espelha a televisão do real. Porém, já muito antes se tinha essa percepção. A televisão sempre lançou formatos artificiais: jogos, programas de notícias a partir de estúdios, sitcoms [comédias de situação], documentários. O que é a televisão do real?

Para Dolan Cummings (2002: xii), a televisão do real abrange formatos como o Survivor, em que os participantes devem sobreviver numa ilha deserta, ou os Acorrentados, em que jovens eram ligados com cadeias a jovens do sexo oposto. Em que o elemento fundamental era a presença de gente anónima. Acrescentado de situações não normais, concorrendo por um prémio e envolvendo, com frequência, a participação da audiência. Curioso que – anota o mesmo Cummings, em texto que sigo aqui – os produtores consideram que os programas têm valor como documentário ou mesmo antropologia. Eu próprio quase conclui isso, quando vi alguns programas do programa da SIC Masterplan, para poder suportar um texto que escrevi sobre aquele canal de televisão (“Dez anos da história da SIC (1992-2002)”, Observatório, nº 6, Novembro de 2002). E dá-se geralmente o nome de televisão do real aos programas de entretenimento.

Certamente que o arquétipo desta nova noção de televisão do real é o BB, onde um grupo de concorrentes, isolado numa casa vigiada por câmaras de televisão as 24 horas por dia, é encorajado a interagir de modo permanente. Todas as semanas, os concorrentes são chamados a classificar os seus colegas, enquanto a audiência vota com vista à saída de um deles. Parte do gozo do BB é a transformação de anónimos em estrelas não devido a um talento especial mas porque se tornam pessoas conhecidas, caso do nosso Zé Maria. Mais do que isso: a sorte dos concorrentes não está nas mãos deles mas na decisão das pessoas simples e anónimas, a audiência. Por isso, se diz que o BB é democrático, e o canal onde passa o programa é popular.

Cummings vai mais longe, quase a atingir o sarcasmo. Para ele, no preciso momento em que a participação nas eleições parlamentares parece estar em declínio – com o que isso representa para o espaço público –, milhares de pessoas participam nas votações telefónicas. A isto se chama o descer aos infernos por parte da televisão. À paleo-televisão, que queria entreter e instruir – sucede a neo-televisão – em que domina o menor denominador comum: sexo, celebridade e sensacionalismo voyeurístico.

Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton

[continua]

Sem comentários: