sábado, 25 de setembro de 2004

SERÁ QUE F.F. SABE ESCREVER EM PORTUGUÊS?

Por vezes, não entendo o português que me falam. É o exemplo de quando ouço pronunciarem a palavra habelitado (!) quando se escreve habilitado, assim mesmo com dois i-i e não com e-i. Na escola primária, onde aprendi a ler e a escrever, nunca me ensinaram tal barbaridade. O uso de pronúncias erradas leva a que surjam palavras escritas como descriminam no portal www.portugal.gov.pt, na página de referência a cursos de formação de licenciados. Alguns encartados dizem que, em caso de i em duas sílabas juntas, o primeiro i assume o som de e [palavra correcta: discriminam]. Outra palavra ainda mais característica é devedida [escreve-se dividida].

valente.JPGA mesma incompreensão acontece quando leio alguma prosa jornalística. É o caso da crítica de cinema saída hoje no Expresso (caderno "Actual") sobre o filme André Valente, de Catarina Ruivo. F.F., o autor da prosa, enreda-se em expressões como "cadáver do Cinema Novo", "malheur do Cinema Novo" (porquê infeliz ou desastre?), "saco de plástico que diz Verdes Anos", "toca à campainha do Cinema Novo", "detector de mentiras", "g.p." (presumo que seja grande plano), "ambiente irrespirável", "está perdido, narrativa e simbolicamente", "tal gato com o rabo de fora", "sorriso proibido".

Da análise ao filme (realização, interpretação), nada. Presumo que se trate de um mero e mesquinho exercício intelectual de vingança sobre uma linha produtiva do cinema português da segunda metade do século passado, a que a realizadora Catarina Ruivo esteja ligada, ainda que apenas afectiva e não geracionalmente. Sobre a compreensão dessa Lisboa cinzenta, o abandono do lar pelo pai, a tentativa de suicídio da mãe ou o quotidiano numa escola de Lisboa (para mim, parece-me quase de um subúrbio da cidade, embora entreveja as árvores do parque de Monsanto) - as razões sociais, culturais e estéticas - nada. Apenas, escreve F.F., se salva o que vem de fora, o emigrante da Rússia.

Talvez porque me pareçam adequadas as interpretações de Rita Durão e do jovem Leonardo Viveiros, não concorde com o que F.F. escreve. À estrela que Francisco Ferreira dá ao filme no quadro publicado pelos críticos do Expresso eu faria corresponder um zero pelo trabalho do mesmo crítico. E pergunto: não haverá um editor no jornal que ensine o jornalista-crítico a escrever um texto que se compreenda e que leve um espectador a optar pela ida ao cinema ou não de modo consciente? Um crítico enquanto mediador deve desempenhar um papel pedagógico e informativo, acompanhado de um tom explicativo ou interpretativo, claro. Deve escrever para os outros, sem pensar no seu grande umbigo.

Eu não compreendo - nunca compreendi - como nós, portugueses, somos tão críticos com o que fazemos e nos rendemos tão facilmente ao que vem de fora. Talvez porque somos intolerantes perante o sucesso do vizinho do lado e ambicionamos o carro novo, a casa nova ou, mesmo, a namorada nova que ele tem.

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