terça-feira, 26 de outubro de 2004

ETNICIDADE NAS NOVELAS

Nos estudos dos media, tem sido hábito a focalização nas audiências e não nos processos de produção, escreve Irene Costera Meijer (2001). Ou seja: o modo como os produtores projectam as suas audiências afecta a selecção, codificação e estruturas das narrativas que criam.

O artigo de Irene Costera Meijer assenta em 34 entrevistas em profundidade com 32 profissionais. Ela conclui que a produção de narrativas televisivas é vista como um processo de negociação pelo qual emergem os significados dos textos numa forma cultural pública. A autora analisou as entrevistas em termos de vocabulários distintos: modelos de discurso, processos cognitivos e outros fenómenos carregados ideologicamente. Ela estudou quadros, procedimentos e regras, que justificam decisões específicas e acções num certo contexto.

Em 2000, as novelas produzidas na Holanda - um fenómeno ainda recente - tinham personagens negras e de religiões minoritárias no país. Comparando com a cultura de novelas em outros países, a holandesa é marcada pela austeridade, tendendo a estruturar-se em torno de “valores sociais”, uma cultura de seriedade, à volta do drama. Este é visto como possuindo elementos de comicidade, podendo ir até ao trágico-cómico, mas espera-se dele que trate os temas com seriedade. A ficção que não se conforme com esta definição de drama é entretenimento.

Curiosamente, no seu livro sobre telenovelas, Christine Geraghty (1991) [ver texto do blogue de 30 de Agosto último] considera que as novelas respondem à pressão social dos novos movimentos sociais e que, como resultado, as novelas são também parte do processo pelo qual surge e age a mudança social. Por seu lado, e seguindo o texto da professora de Amsterdão, Olga Madsen, a fundadora da novela holandesa, em 2000 responsável por toda a produção dramática da Endemol, explicava que a emergência de "linhas de estórias minoritárias" era uma questão de profissionalização.meijer.jpg

Irene Costera Meijer escreve ainda que a projecção que os produtores fazem das suas audiências afecta muito a selecção, codificação e estrutura das formas mediáticas criadas. Isto é, os actos de consumo das novelas são constrangidos pelos modos conceptualizados pelos produtores. Assim, descreve-se a produção como "um processo de negociação no qual os significados do texto emergem na sua forma cultural pública". Os produtores de cultura popular funcionam como intermediários culturais, envolvidos na produção, classificação e circulação de bens culturais.

A autora identifica vários repertórios: modelos de discurso, processos cognitivos e fenómenos ideológicos. Ela descreve oito repertórios distintos em torno de dois eixos: estilo e estética, política e moral. Os reportórios são: rejeição, diversidade (paleta), representação igual (à da sociedade), potencial dramático, género, credibilidade (a mais importante), disponibilidade, consciência social (responsabilidade). O repertório de paleta significa a existência de códigos culturais distintos, como cor da pele (preto, branco, cabelos louros e olhos azuis), funcionando como categorias estéticas.

Mimi_Ferrer2.jpgDada a sua duração no tempo, as novelas fornecem-nos material muito rico para monitorização da mudança cultural ou resistência à mudança cultural. Fixemo-nos na personagem desempenhada pela actriz Mimi Ferrer, a rapariga muçulmana Aisha Amal na novela holandesa Onderweg naar morgen (Heading Towards Tomorrow). Era mais importante a identidade muçulmana do que a sua caracterização. A obediência constituia um valor central na história - interessava fundamentalmente a sua educação, cultura e família.

Irene Costera Meijer é professora associada na Universidade de Amsterdão em estudos de media. Os seus interesses de investigação incluem estudos de género, etnicidade e media, o significado da publicidade, o jornalismo popular e cultura popular na cidadania contemporânea.

Leitura: Irene Costera Meijer (2001). “The colour of soap opera. An analysis of professional speech on the representation of ethnicity”. Cultural Studies, vol. 4(2) 207-230

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