segunda-feira, 18 de outubro de 2004

FOLHETINS

A sugestiva leitura do livro de Cristina Ponte (Leituras das notícias, 2004) iluminou o meu post de 13 de Outubro acerca de José Castelo Branco e A Quinta das Celebridades.

Ponte escreve sobre o folhetim e o jornalismo de interesse humano. Depois de situar o começo do folhetim na imprensa e a polémica que, por vezes, esse formato narrativo adquire no jornal (2004: 46-47), ela aponta a técnica do episódio (do folhetim), que "joga com múltiplas peripécias, rudes, inesperadas e comoventes, tudo devidamente seriado para que se mantenham a curiosidade e a expectativa". O folhetim surge como "ilustração do compromisso entre literatura e jornalismo", em que a sucessão de episódios cativa a atenção dos leitores. Do mesmo modo, continua a professora da Universidade Nova de Lisboa, o romance policial está próximo "enquanto narrativa de série e de suspense e na relativa estabilidade estrutural e desenho de personagens de onde emerge a figura de detective" (Ponte, 2004: 48).

A Quinta das Celebridades, como o fora o Big Brother, não é propriamente um reality-show mas uma narrativa. A produção do programa selecciona os conteúdos a emitir, extrai os momentos mais valiosos em termos de trama narrativa. Nas sínteses diárias ou semanais são colocados no ar os momentos mais apetitosos e não as cenas onde nada acontece. Isto é, a produção faz uma montagem do que se passa durante o dia, a partir da escolha das imagens recolhidas. O que nos parece espontâneo, com articulação entre os momentos, é fruto dessa escolha. Para não referir, os guiões previamente definidos.



[imagem retirada do sítio da TVI]

Uma narrativa é uma estória [grafia diferente de história, para dar a ideia de efémero], é uma ficção com ingredientes como atenção, suspense, movimento, drama. A Quinta das Celebridades gira à volta desta ficção.

Do mesmo modo, a revista dos assuntos televisivos (como as que eu apresentei) orienta-se para as estórias das personagens do ecrã. Por isso, constitui-se como continuidade ou intervém a montante (resumo dos capítulos das séries e telenovelas que decorrem durante a semana). E mostra a vida anterior das "celebridades" da Quinta. Aís se inseriu a longa reportagem de José Castelo Branco. É um folhetim mas em que não há continuidade na acção, mas fragmentação. Nesse aspecto, as revistas de televisão, conservadoras nos seus enquadramentos, são pós-modernas porque assentam nas categorias do efémero, do transitório ou do fragmentário.

Mas há todo um aparato a juzante do programa da TVI, como os contributos do ministro da Agricultura (que em reunião com açorianos entendeu falar sobre o programa, para haver sintonia, do tipo "se eu não estou dentro do grupo, se não partilho os mesmos gostos, o grupo não me aceita") ou do Primeiro-Ministro. O programa ultrapassa, deste modo, o quadro de referências iniciais e alarga-se ao país (político, neste caso). E as revistas aproveitam outros momentos de suspense e movimento, como o caso de uma antiga companheira de Castelo Branco ter dado uma entrevista sobre ele (como não a li não posso adiantar mais nada), construindo novas narrativas sobre as estórias seleccionadas e montadas pela produção do programa.

Há ainda uma outra vertente - a da meta-estrutura do folhetim. A revista de assuntos televisivos mostra as personagens fora e dentro do dispositivo televisivo, reflecte sobre este. Ou melhor, é um ajudante (fala sobre) e um apontador (indica para onde). Se quisermos, constitui-se como elemento complementar - ou até simbólico. Não foi por acaso que a última novela de grande sucesso da SIC (Celebridade) teve como pano de fundo o mundo das indústrias culturais (promoção da música de Pixinguinha). E a TVI quase que roubou o título - Quinta das Celebridades -, empregando dicotomias que simplificam qualquer narrativa, como a distinção entre urbano (José Castelo Branco e Cinha Jardim) e rural (o presidente da câmara de Marco de Canaveses).

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