IMITAÇÃO DE CIDADE
[post que dedico a Jaime Almeida (1920-2005), certamente o meu maior amigo de sempre, ele que me apoiou ao longo de muitos anos, me levou a primeira vez ao Museu Militar, ao Museu dos Coches e ao Museu da Marinha, me fez passear pela carreira de eléctrico 28, me mostrou os Jerónimos, a Torre de Belém, as Portas de Santo Antão, o Chiado e o Rossio, e me fez amar Lisboa, eu que era criança e morava noutra cidade]
Na aula de sexta-feira, procurei definir públicos de consumo, a partir de alguns textos onde se caracterizam tipos de espaços de consumo como centros comerciais ou outlets. Segui um texto aqui já elencado, de Lehtonen e Mäenpää (Shopping in the East Centre Mall, 1997), e um outro, que descobri recentemente, de Rachel Bowlby (Carried away, 2000).
Aí distingui entre tour (movimento circular) e trip (movimento pendular) para representar o "andar" num desses espaços de consumo, que conciliam a razão de comprar bens essenciais e o hedonismo de ir às compras. Segui aquilo a que Lehtonen e Mäenpää chamam de sociabilidade de rua, tipo de partilha dos públicos de consumo (embora raramente chegue à forma de comunicação real).
E com Bowlby destaquei o elemento infantil da ida às compras, onde podemos ficar todo o tempo que quisermos a ver as lojas e as prateleiras, criando necessidades ou sonhando com o que vemos e tocamos nesses espaços. Com a mesma autora percorri os diferentes vocábulos, do supermercado ao hipermercado, do self-service à superette.
A imitação da cidade
Não previa o texto que Manuel Graça Dias escreveria no Expresso de ontem, intitulado A imitação da cidade.
Começa o texto do seguinte modo: "Uma noite destas, analisando com algum detalhe um mapa turístico emblemático [...], pude ler, a dado momento, impresso a negro, em letras grossas: «Centro comercial». A designação atravessava uma parte da planta preenchida por ruas miúdas em quase quadrícula e reportava-se à noção genérica de zona comercial ou «baixa»".
E continua quase a seguir: "Hoje, o conceito deslocou-se um bocado e é praticamente inconcebível falarmos em centro comercial sem pensarmos logo numa estrutura fechada, climatizada, artificialmente iluminada, cheia de lojas, músicas e desafios supostamente consumistas".
O texto deve ser lido até ao fim. Pena que eu não tenha levado este documento para análise na aula, pois complementaria muito o que disse na aula e o que as(os) alunas(os) contribuiram. A páginas tantas estávamos a discutir se o El Corte Inglés era um representante legítimo do grande armazém francês de finais de oitocentos, um dos traços da modernidade como exclamou Walter Benjamin, se o outlet de Alcochete representaria o "novo" centro histórico das cidades e se as Amoreiras tinham perdido clientes para o Colombo ou para o El Corte Inglés.
Claro que a perspectiva de Manuel Graça Dias não é optimista. Sem querer pensar como ele, julgo que vale a pena reflectir em tudo o que escreveu. Até porque a minha definição de públicos de consumo precisa de ser mais bem burilada e a minha análise necessita de se alargar para espaços nicho como alguns centros comerciais e algumas lojas estão a desenvolver.
Leitura: Câmara Municipal de Lisboa (1989). Centros comerciais. Lisboa: CML [a mesma colecção de livros inclui textos sobre hipermercados, supermercados, comércio de especialidade, franchising]
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