CRIANÇAS E FÃS DE DESENHOS ANIMADOS – DA INOCÊNCIA À VIOLÊNCIA
O tema escolhido por Carla Pereira, aluna do mestrado de ciências da comunicação da Universidade Católica, é actual. No trabalho final do módulo de Media, Públicos e Audiências, ela debruçou-se sobre os “potenciais efeitos negativos da exposição televisiva”, em especial o consumo de desenhos animados, chegando a falar em “cultura infantil subversiva”. Mas de que se trata, afinal?
Carla Pereira escreve que, “ao admirarem uma determinada personagem (fictícia), as crianças tornam-se peritas na arte de imitação, primeiro individual depois colectiva, reforçada pelo encontro com outras crianças na escola” (p. 10). Para entender melhor a situação, a autora aplicou um inquérito com perguntas fechadas e semi-abertas a 28 crianças de uma escola particular de Lisboa. Considerou quatro dimensões: 1) caracterização do inquirido (idade e sexo), 2) hábitos de consumo televisivo, 3) preferências de séries infanto-juvenis, e 4) fãs e fanatismo. Realizou um pré-teste antes de aplicar o questionário. Da população inquirida, 81% tem sete anos e 19% oito anos, com 54% de rapazes e 46% de raparigas.
Das crianças inquiridas, 73% vêm desenhos animados todos os dias, sendo que 24% vêem mais ao fim-de-semana. Em termos de tempos livres, a maioria das crianças (69%) dedica mais tempo a ver televisão do que a brincar com os pais e os irmãos. Os picos de maior audiência dão-se antes do jantar (durante a semana) e depois do jantar (ao fim-de-semana). Do total das crianças, 19% afirma ver televisão a qualquer hora.
Rápida caracterização de alguns desenhos animados
A autora analisou 27 séries de desenhos animados. Das preferidas, Kim Possible vem em primeiro lugar, seguindo-se Lilo & Stitch, Digimon, Recreio, Sabrina, Timon & Pumba, Doreimon e Dave o bárbaro. Kim Possible, personagem respeitada e admirada na escola pelos amigos, é tratada pelos pais como criança pequena. Aventureira, perita em defesa e luta pessoal, é uma excelente aluna. Já Lilo é uma menina orfã, que adopta Stitch, uma mascote que parece um cão mas é o resultado de experiência genética que usa Lilo como escudo humano contra captores extra-terrestres. Stitch tem uma inteligência superior aos humanos e também uma grande força destruidora.
Já Digimon caracteriza-se pela aventura de um menino misterioso, com um amigo digimon que se encontra no digimundo a escravizar todos os digimaus que lá vivem. Se o Recreio conta com cinco heróis que têm como objectivo tomar conta do recreio e proteger os fracos dos fortes, Dave o bárbaro é alguém com a força de dez homens que, na companhia das suas duas irmãs, protege o reino na ausência dos pais.
Enquanto as meninas, prossegue o estudo de Carla Pereira, se identificam mais com as personagens Kim Possible e Sabrina, os meninos preferem as personagens de Digimon, Ninja, Stitch e Medabots.
Muitas das crianças gostam de brincar com os colegas no recreio imitando as suas personagens favoritas (p. 17). Assim, 81% gostam da personagem pelo facto de ser valente e amigo, 73% por ser bonito e corajoso, 65% por ser forte e feliz, 62% por ser divertida e 58% por ser simpática. Acrescenta a mestranda: "Categorias como mau, feio e irritado não foram assinaladas em qualquer dos inquéritos. Isto poderá levar a depreender que as crianças ficam fascinadas pela beleza, riqueza fácil, ficção demagoga, e iludidas por considerarem fazer parte de um mundo onde tudo é perfeito, belo e de fácil acesso. Perante as contrariedades, basta ser forte, valente e corajoso, sem olhar a meios para atingir os seus fins, já que os desenhos animados preferidos demonstram que raramente as personagens são repreendidas ou castigadas pelo mal".
As meninas atribuem maior valor às categorias de bonito, simpático e feliz; os meninos preferem a valentia e a amizade.
Conclusões
O estudo exploratório de Carla Pereira demonstra que 77% das crianças ocupam 90% do seu tempo livre a ver televisão sem qualquer restrição por parte dos pais. Estes "não seleccionam os desenhos animados por confiarem na capacidade das actuais indústrias de conteúdos e novas tecnologias (megamedia) em conceberem séries pedagógico-formativas. Contudo a violência e a agressividade manifesta-se em qualquer série sem qualquer explicação adicional, deixando ao critério das crianças a descodificação do conteúdo. A necessidade de ocupar as crianças para libertar os pais dessa função tem ido mais longe". Das crianças inquiridas no trabalho, 42% têm "televisão no quarto, dos quais 64% são meninas e 36% meninos".
A metodologia, o empenho e o modo de apresentação do trabalho de Carla Pereira (apesar de ter um número pequeno de inquiridos e pertencentes a uma escola identificada com uma classe de alto nível económico) levou-me a concluir estar perante um trabalho muito rigoroso. O texto termina do seguinte modo: "A sociedade não pode parar a manifestação da violência nos desenhos animados mas pode contribuir para a minimização dos seus efeitos" (p. 20). A mestranda - com uma criança na idade dos inquiridos, pelo que a observa permanentemente em casa e nos períodos em que a leva e vai buscar à escola -, fez um trabalho notável de visionamento das séries de desenhos animados, como ficou provado na apresentação do trabalho em PowerPoint (em sessão pós-entrega de notas). Encorajo-a a prosseguir esta investigação noutro âmbito.
2 comentários:
Fez um trabalho tão notável, que tirando a Kim Possible todos as descrições das séries estão um bocado... mal.
As duas irmãs de Dave? Um rapaz com um Digimon a lutar contra os digimaus? Quantos episódios viu de cada série? E as séries eram mesmo feitas para crianças ou seriam para teens?
Sinceramente....
Quer dar mais pormenores para eu publicar aqui no blogue?
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