quinta-feira, 21 de abril de 2005

DEFESA DA TESE DE JACINTO GODINHO

Como anunciara aqui no dia 18, defendeu hoje tese de doutoramento Jacinto Godinho, professor universitário e jornalista da RTP, com o título Genealogias da reportagem. Do conceito de reportagem ao caso Grande Reportagem, programa da RTP (1981-1984).

Observar sem ser observado, ou olhar escondido a realidade a partir do cimo de uma árvore, eis a metáfora com que Godinho iniciou a sua apresentação, ele que aplica este princípio quer nas centenas de reportagens que já efectuou quer na universidade onde ensina. O novo doutor - que recebeu a máxima classificação na prova a que se submeteu - operou num registo variado de saberes, como filosofia, sociologia, cultura, história e tecnologia, associando erudição e linguagem mais comum, além de responder às perspectivas dos diferentes arguentes com igual qualidade.

[interessante: foi notório, em cada arguente, a sua especialidade: a filosofia, a sociologia da cultura, a interligação entre teoria e prática do jornalismo, a história, a análise do discurso. Quem está na plateia e conhece os trabalhos mais importantes de cada um dos arguentes compreende com mais intensidade a discussão que se estabeleceu hoje de tarde no anfiteatro da Universidade Nova de Lisboa]

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Reportagem e literatura

Jacinto Godinho analisa a origem da reportagem como: 1) catálogo de casos, e 2) miniatura de tese académica com um painel (elementos jurídicos, históricos, económicos, políticos, entre outros). E chamou a atenção para os estereótipos da reportagem e do repórter: durante décadas, o repórter foi um profissional com estatuto abaixo do redactor: este escrevia, aquele ia à procura dos factos. Isto é, a sua aceitação, a sua reputação demorou muito tempo a fazer-se.

O novo doutor partiu do latim reportare, dando um duplo sentido ou movimento - "trazer a" e "levar a" - mas entende que é o segundo sentido o mais adequado ao trabalho do jornalista que faz reportagem. Mas, para ele, reportar adquire, modernamente, um duplo sentido, o primeiro dos quais é o relato. Daí, ter evocado a obra de Matilde Rosa Araújo (A reportagem como género : génese do jornalismo através da constante histórico-literária, tese de licenciatura em Filologia Românica apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1946. Infelizmente, só existe um exemplar naquela biblioteca; não há mais nenhum em outra biblioteca). Matilde Rosa Araújo olhou a reportagem como literatura escrita pelos viajantes que se deslocam pelo mundo. O segundo sentido de reportar é a imagem, em que se narra através da imagem, postura que ganha um cunho fundamental com a televisão.

O programa Grande Reportagem

Após a parte teórica - e o blogueiro (categoria diferente da de jornalista) não conhece a tese, apenas ouviu o que ocorreu na defesa da tese, com inerentes incorrecções resultantes de apontamentos eventualmente não bem tirados -, Jacinto Godinho destacou o trabalho do programa com o título Grande Reportagem. Os seus responsáveis tiveram uma evolução/alteração ao longo do período de existência do programa, primeiro olhando a realidade representada como um tese que pretendiam justificar ou concluir, a que se seguiu um período de modelo didáctico (tipo dossiê), acabando na reportagem como tradução da experiência.

Três últimas ideias que retive da apresentação inicial de Jacinto Godinho. A primeira diz respeito ao facto de, com o encerramento do programa, a televisão pública perdeu a oportunidade de criar uma escola de reportagem. Os directos que são feitos agora - e isso viu-se nos dias de greve na RTP, esta semana - não são reportagens mas uma maneira de preencher o tempo que é necessário preencher. A segunda ideia que fixei foi a crítica de Godinho aquilo a que chama de sujeito-espectador. A televisão está a ser feita para este, o que não passa de estereótipo e não leva a avançar-se na análise do fenómeno televisivo. A terceira ideia foi a da censura, que o autor relacionaria com a ideia anterior. Hoje não haverá uma censura política (pelo menos evidente) mas económica. O problema, concluiria Godinho, está na resposta. A censura reside em quem se coloca na posição de sujeito-espectador, que apenas pede mais "realidade" e o "sistema" dar-lhe cada vez mais essa realidade: as telecerimónias. Eu acrescentaria, sem ser apocalíptico, o telelixo dos reality-shows.

Observação: Jacinto Godinho fez parte da turma de mestrado da Universidade Nova dos anos 1990-1992, que eu destaquei aqui há dias, a propósito dos livros de Cristina Ponte. Na altura, esqueci-me de outro colega, o Edmundo Cordeiro, que fez tese de doutoramento na Universidade da Beira Interior, onde é aí professor. Cordeiro editou recentemente um livro sobre cinema, a sua grande paixão. Agora, segundo julgo saber, só falta a Ana Cabrera defender tese (sobre jornalismo no tempo do marcelismo). O doutoramento do António Pinto Ribeiro está mais atrasado.

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