sexta-feira, 22 de abril de 2005

UMA REFLEXÃO SOBRE A BLOGOSFERA

Ficam aqui alguns apontamentos de reflexão sobre a blogosfera que eu desenvolvo a partir da peça publicada hoje pelo Diário Económico, assinada por Hugo Pinheiro. Nessa peça, noticia-se que a Audi, que vai lançar o modelo A3 no mercado norte-americano, criou uma inédita campanha publicitária e de marketing. Para além dos formatos clássicos, há imagens e pistas colocadas nos blogues, para além de blogueiros terem recebido 2400 dólares para, em três meses, escreverem sobre a marca, elogiando-a ou não. O importante é falarem sobre a marca! [ver correcção no final do post]

1) Blogues e produtores de informação

Os blogues são aceites porque, em primeiro lugar, representam a novidade. Em seguida, pela mobilidade, pois os blogueiros não tem estruturas hierárquicas como um jornal e decidem muito bem o que fazer. À mobilidade associa-se a rapidez de informar. O recente livro de Dan Gillmor (Nós, os media) aponta nesse sentido. A que se junta ainda a possibilidade de um blogueiro fazer imagens com uma pequena câmara digital.

Isto não quer dizer que o blogueiro substitua o jornalista, que tem referências fundamentais como a exactidão de escrever o que viu e contar bem uma história. Há blogueiros que não possuem essas qualidades e até se escondem no anonimato ou tomam nomes falsos. O fundamental é perceber a existência de uma onda de novos produtores de informação, com estratégias de acesso rápido e que juntam aquilo a que se chama o jornalismo de proximidade ou cívico. Os grandes media tratam de acontecimentos de grandes cidades e empresas, os blogues falam para comunidades, muitas delas de pequena dimensão. Nasce uma maior interacção com as comunidades. Isso aconteceu com os partidos políticos nas últimas eleições nos Estados Unidos, que viram nisto uma nova forma de chegar aos seus eleitores, desapontados com as mensagens laudatórias que lhes chegam dos grandes media, para além de uma grande distância entre a retórica e a resolução dos problemas reais que afectam uma população ou comunidade.

2) Blogues e empresas

Do mesmo modo que a política e os media, as empresas apostam nos blogues, por várias razões. A primeira é porque é fácil construir um blogue. Depois, quem constrói um blogue acaba por tecer ligações a outros blogueiros. Estamos no domínio da rede, como vem falando Manuel Castells. Estas redes não são hierárquicas e funcionam em qualquer momento. Um blogue é como um chat ou sala de diálogo - embora não em comunicação síncrona como o chat mas assíncrona que permite a quem escreve e lê alguma reflexão.

As empresas estão elas próprias a fomentar a criação de blogues junto dos seus empregados e colaboradores no sentido de recolha de informação sobre produtos concorrentes ou sobre reclamações e sugestões de clientes de um dado produto. A isto se chama trabalhar em código aberto (que vem da ideia de software partilhado, como propõe o sistema Linux). Apesar de não haver hierarquia entre os blogues, há motores de busca (tipo Google, Technorati ou Feedster RSS) que organizam informação colocada nos sítios e nos blogues segundo níveis de importância. Uma informação num blogue pode ser de extrema importância caso o seu autor seja um especialista numa dada matéria mas não tenha acesso habitual aos meios tradicionais de comunicação.

3) Interactividade

Num blogue, a interactividade é um risco e uma possibilidade. Por um lado, é um risco porque o blogue pode criar a mesma habituação de publicidade e persuasão que um meio de comunicação clássico. Aconteceu isso em sítios antes de rebentar a bolha das dotcom, em 2000-2001. Os analistas influenciaram, através de sítios da internet, o preço das acções dessas empresas tecnológicas, muitas vezes em proveito próprio. Isso quer dizer que um consumidor, antes de tomar uma decisão a partir do que lê num blogue, deve ter o mesmo tipo de cautela que perante um anúncio que diz que ele vai ficar jovem, magro ou rico. A notícia hoje no Diário Económico aponta nesse sentido. A partir de agora, o blogue perde a auréola de meio de comunicação desinteressado.

Por outro lado, é uma possibilidade, pois a interactividade permite trocar pontos de vista e obter informações suplementares do que se pretende. O livro de Dan Gillmor é muito optimista quanto a isto. Mas, apesar de tudo, devemos ter alguma precaução. Os níveis de resposta nem sempre são elevados. Só estabelecemos verdadeira interactividade quando conhecemos bem alguém (visível no MSN, por exemplo). A confiança é um bem difícil de se construir e fácil de destruição. A interactividade pode não ser permanente e, por isso, não ter resultados significativos.

4) O começo da mercantilização da blogosfera

Há blogues sérios - com informação pertinente - e blogues de entretenimento - má língua e crítica a determinados sectores (políticos, empresariais, sociais). Estes últimos, pela minha observação (mas não tenho dados empíricos que me dêem um sentido preciso), são os mais procurados. Ainda me parece cedo para responder a tal.

Contudo, alguns dos blogueiros mais destacados, que iniciaram os seus trabalhos publicistas na blogosfera, passaram-se já para os media tradicionais, criando colunas de opinião nos jornais e programas de televisão. O que quer dizer que o nicho de mercado da blogosfera tem potencialidades para criar postos de trabalho e pequenas empresas. A publicidade é uma forma de sustentar os blogues, alguns dos quais estão a fazer um trabalho precioso, no domínio da divulgação da cultura e do jornalismo de proximidade, para falar em áreas que conheço melhor. De novo, a notícia do Diário Económico de hoje, sobre o pagamento da Audi a blogueiros para escreverem sobre a marca, é um indicativo da mercantilização da blogosfera.

5) Para um código de ética

É fundamental haver um código de ética (ou um mínimo de regras de conduta). Um blogue, só porque tem muitos visitantes diários mas se esconde no anonimato, não merece tanta credibilidade como um que mostra a sua identidade. Já não estamos num tempo de panfletos a dizer bem ou mal mas escondidos atrás de pseudónimos ou nomes falsos. O mercado e o crescimento da consciência dos cidadãos faz com que não se aceite esse tipo de comportamento.

Claro que, num mundo de feroz concorrência, há empresas que não respeitam os códigos de ética, mas quem acaba por perder a médio prazo são essas mesmas empresas. No seu livro recente, Dan Gillmor refere que a Amazon.com aceitava críticas a livros editados, sem cuidar de saber de onde vinham esses comentários. Por vezes, eram os próprios autores que, camuflados em nomes falsos, teciam longos elogios à obra e desancavam nos livros concorrentes. A liberdade de um acaba quando começa a interferir na liberdade do vizinho. A blogosfera é livre mas tem de ser como conduzir um automóvel: não podemos andar em contra-mão.

6) Tecnologias e comunidades

Há muitos blogues a fazer jornalismo ou crítica literária ou cinematográfica, na assunção do espaço público moderno, à Habermas, não tanto no sentido colectivo e mais no individual. Os blogues, em grande maioria, são ferramentas usadas individualmente. Isto porque cada pessoa escolhe um grafismo, uma sequência temática, objectivos precisos.

A explicação que dou a isto tem a ver com a tecnologia. No começo da rádio (anos 1930 a 1950) e da televisão (anos 1950 a 1970), devido ao custo do aparelho, havia um só equipamento por lar, obrigando todo o agregado familiar a estar num mesmo espaço. Com o embaratecimento dos aparelhos e o aumento de canais (em especial a televisão), cada lar passou a ter vários aparelhos. Ora, o computador não é um instrumento familiar mas pessoal, o que condiciona a produção de conteúdos e a sua leitura.

Por isso, parece-me que o paradigma do blogue está associado ao individualismo. Por exemplo, um blogue político é uma espécie de varanda - ou tribuna - onde cada indivíduo diz da sua justiça. Claro que para ele ser ouvido há necessidade de criar uma rede de contactos - os links dos favoritos - onde os outros vão regularmente espreitar os novos posts. Nasce assim uma comunidade, já não espacialmente localizada mas abrangendo uma região ou um país. O blogue é uma ferramenta expansionista, geograficamente falando.

Correcção (introduzida em 24 de Abril às 18:24): não foi a Audi que pagou a blogueiros para falarem dos seus produtos, mas sim uma pequena empresa (Marquis), com publicidade dissimulada, o que a tornou polémica.

Sem comentários: