sábado, 28 de maio de 2005

SOCIOLOGIA DO JORNALISMO

Espera-se para breve a tradução em português de um livro de Érik Neveu, originalmente chamado Sociologie du journalisme. Deixo aqui uma leitura que fiz ao livro quando ele surgiu.

Érik Neveu [imagem retirada do sítio Sciences Po Rennes], que explora as práticas do jornalismo dentro de um bem ancorado quadro sociológico, distingue as origens do jornalismo americano e francês. Enquanto o jornalismo americano assenta na recolha de informação, predominância do discurso da objectividade, atenção às informações económicas de mercado, estatuto da imprensa como actividade empresarial e jornalista como assalariado, o jornalismo francês começou a sua história sem jornalistas e relacionou-se com a actividade política.

Um dos conceitos centrais é o de campo jornalístico, marca do trabalho de Pierre Bourdieu. Para Neveu, pela noção de campo, o espaço do jornalismo apresenta-se como universo estruturado em oposições objectivas e subjectivas e relaciona-se com outros espaços sociais. Há três elementos fundamentais no campo jornalístico. O primeiro opõe jornais estabelecidos – que mobilizam recursos múltiplos: imagem, redes de fontes e especialistas, prestígio acumulado pelas tomadas de posição, exclusivos – a outsiders, que precisam de construir a sua própria imagem. No segundo princípio, separa especializações de estatuto nobre (política, economia, finanças) e outras (faits divers, desporto). O terceiro prende-se com a sociologia dos leitores.

A autonomia dos modelos profissionais conquistada no campo jornalístico aparece, hoje, posta em causa pelas lógicas do campo económico. Ao modelo ligado a valores de objectividade, rigor deontológico, distanciação crítica e de análise, sucedem-se outras referências, em que o profissional se mede pela capacidade de criar audiências, trabalhar em directo e se exprimir em linguagem emotiva ou sensacionalista.

Neveu analisa o poder dos jornalistas. Por ser capaz de hierarquizar e problematizar os acontecimentos e os enjeux em torno deles, atribui-se ao jornalista um poder desmesurado. Porém, este tem de ser visto como integrado numa rede de interdependências. E o autor estuda acentuadamente o fenómeno das revistas, que considera pertencente ao jornalismo de mercado. Caracteriza uma tipologia, em que o primeiro ponto é a prioridade dada às rubricas mais próprias para maximizar públicos, com a oferta de soft news e o declínio da cobertura de notícias do estrangeiro. O segundo ponto referencia a política de redução de custos: os meios noticiosos contratam jornalistas com estatuto e salários semelhantes aos estagiários e recorrem a serviços de agência. Se o terceiro ponto salienta a pressão dos serviços financeiros sobre a autonomia da redacção, o último destaca a dissolução da profissão jornalística num continuum de ofícios de comunicação, o media-worker.

O sociólogo tem ainda tempo de se debruçar sobre a escrita jornalística e o trabalho de investigação. Os "casos" (affaires) ou escândalos entraram no trabalho do jornalista como notícias de ocorrência sistemática. A investigação não significa apenas trabalho autónomo do jornalista mas também a revelação de documentos produzidos pelo Estado. Aqui, há uma transacção que convém a fontes com interesses na fuga e divulgação de segredos. Neveu refere o caso do sangue contaminado – escândalo que abalou o poder político francês no final dos anos 80 – como paradigma da desocultação da informação e do consequente jornalismo de investigação.

Érik Neveu é professor de ciências políticas no Institut d'Etudes Politiques, em Rennes, e director do Centre de Recherches Administratives e Politiques (unidade associada ao CNRS).

Leitura: Érik Neveu (2001). Sociologie du journalisme. Paris: La Découverte. 123 páginas (texto publicado na revista JJ – Jornalismo e Jornalistas, nº 9, Janeiro/Março 2002)

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