quinta-feira, 9 de junho de 2005

AINDA SOBRE JORNALISMO DIGITAL E OUTRAS MATÉRIAS

[observação primeira e única: a mensagem que coloquei ontem, sobre as jornadas de Braga, foi uma reflexão inicial da matéria. O comentário inicial do Luís Santos fez-me temer que eu tivesse sido injusto e excessivo. Por vezes, o meu voluntarismo magoa as pessoas que prezo, e os docentes e alunos da Universidade do Minho que conheço merecem-me todo o respeito e amizade]

1995, ano do começo do jornalismo digital no nosso país, fica a meio de uma década importante na história dos media em Portugal. Primeiro, devido ao surgimento da televisão privada (SIC em Outubro de 1992, TVI em Fevereiro de 1993). Depois, porque o jornal Público arrancou em 1990. Em terceiro lugar, ocorreram as privatizações de jornais (Diário de Notícias, Jornal de Notícias) e de uma estação de rádio (Comercial), nacionalizadas depois da revolução de 1974. A rádio TSF começara poucos anos antes - constituindo uma parte importante do panorama actual dos media portugueses. A oferta de televisão a pagamento (cabo) completa o quadro audiovisual. Embora começando antes, o uso dos computadores generalizou-se - nos media como em muitas actividades - e o acesso à internet principiou exactamente na metade da década.

Transformações

Nesta curta reflexão, a que acrescentarei mais em mensagens posteriores, projecto especificamente as transformações em quatro media: os tradicionais (imprensa, rádio, televisão) e o novo (internet). Em termos de (re)arranjo interno e externo, a partir de factores de índole tecnológica, económica e cultural. A minha leitura aponta para uma incidência forte destes factores sobre os media, que os fazem interagir como se se tratassem de placas tectónicas.

Enumero algumas mudanças: passagem de monolitismo (uma só estação de televisão) para a diversificação de oferta (mais canais de sinal aberto; televisão por cabo, com escolha de vários pacotes conforme o pagamento), que arrasta a necessidade de medir audiências, apesar da pulverização das mesmas (mais canais, mais diversificação de públicos), entrada em força de profissionais com formação académica em comunicação (o primeiro curso data de 1979), mix crescente de informação e entretenimento (provocado, por exemplo, pelo peso dos reality-shows), tendência contraditória de mais notícias internacionais e mais notícias nacionais (alongamento dos noticiários) num registo leve, maior relevo para os directos (vindos da rádio para a televisão).

Já na imprensa - e após o rápido desaparecimento dos tipógrafos, uma classe profissional até aí muito importante, por via do uso do computador na sala de redacção -, os anos 1990 testemunham a segmentação de títulos e públicos-alvo (nomeadamente as revistas), fenómeno que se acentua na actual década, a alteração de secções fundamentais num jornal (por exemplo, desaparece a secção trabalho e sindicalismo, muito visível nos anos 1970 e 1980, e ganha relevo a do ambiente), a imagem ganha espaço (para além da fotografia, a infografia resume frequentemente acontecimentos ou temas), os textos reduzem tamanho, o formato tablóide faz quase desaparecer o broadsheet.

A rádio, após o boom das estações de proximidade (legislação de 1989), conhece um certo amadurecimento: perda da importância de programas de autor, mesmo que fossem medíocres, e ascensão dos tops e das playlists, programas programados por computador, ligação à indústria de espectáculos. A obrigatoriedade de noticiários diários e da emissão 24 horas por dia levou a, entre outros factores, a um reagrupamento em termos de concentração, fenómeno também visível na imprensa regional e que se ampliou esta década.

Quanto ao novo meio, a internet, a sua entrada e adesão fez-se com grande rapidez. Enquanto os media anteriores precisaram de muitos anos para se afirmarem, a internet ganhou muita popularidade durante a segunda metade da década de 1990. Aqui, há um fenómeno a que voltarei: o seu sucesso deveu-se muito à juvenilização do consumo. Se os públicos mais velhos lêem jornais e vêem televisão, aos públicos mais jovens é aceite o conselho de aquisição de computadores e ligação à internet em termos domésticos (familiares). Os sociólogos da comunicação frisaram esta importância nas novas compras de meios electrónicos por parte da geração mais nova de cada lar. Embora hoje tenha desaparecido o discurso, na década passada os pais compravam computadores porque entendiam que essa tecnologia favorecia a formação escolar dos filhos. E estes, que já tinham uma cultura visual diferente da dos pais (jogos arcade e vídeo versus televisão), adoptaram a internet. Entretanto, os jovens são já adultos e responsáveis pela mudança de consumos - do jornal em papel para o jornal digital.

[continua]

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