quinta-feira, 16 de junho de 2005

BLOGOSFERA E O CIDADÃO

Foi o quarto e último da série Debates DN, uma realização dos 140 anos do Diário de Notícias, versando sobre blogues. O moderador foi Miguel Gaspar, jornalista da casa, e os oradores José Pacheco Pereira e Daniel Oliveira, ambos com blogues muito conhecidos.

Miguel Gaspar (ao centro na imagem) procurou definir o território da conversa: blogosfera como espaço público com uma nova dimensão e local de intervenção? Como jornalismo participativo, em que intervêm anónimos ou não jornalistas e divulgam acontecimentos e imagens (caso do tsunami)? Como vigilantes dos media (desmontando histórias)?

Daniel Oliveira (à direita na imagem), blogueiro do colectivo Barnabé, começou por referir a simplicidade do meio, elemento que o capacitou a democratizar-se rapidamente. Para ele, a nível internacional, a guerra do Iraque marcou a expansão dos blogues, enquanto a massificação da blogosfera portuguesa, nomeadamente a identificada com a política, se deveu à fragilidade da comunicação social e a uma questão geracional (os comentadores políticos nos media clássicos vêem de 1974).

Os blogues entre novas formas criativas e um diferente tipo de solidão urbana

Por seu turno, José Pacheco Pereira, após concordar com a ideia de que fazer um blogue é simples e pessoal (sem editor), destacou a evolução desta ferramenta relativamente às páginas pessoais. O blogue tem uma relação diferente com o tempo, é como um pergaminho que se estende no ecrã (o que não está no ecrã está no limbo, corre o risco de não ser consultado e lido). Por isso, o blogue favorece o sentido da imediaticidade, a escrita do tempo presente. A mensagem ou comentário são colocados em tempo real, distintos do diferido nos outros media. A cacofonia, a multiplicidade ou pluralidade de vozes, é o resultado do espaço democrático do meio.

Para além de destacar a importância dos blogues na comunicação social, o blogueiro do Abrupto entende que o novo espaço público é ainda dos domínios: 1) das novas formas criativas (literárias e estéticas), 2) da solidão urbana (em especial a dos blogues actualizados às 3 e 4 horas da manhã, problemática que se encontra também nos chats). Na intervenção inicial, Pacheco Pereira ainda teve oportunidade de referir ao projecto MyLifeBits, da Microsoft, que estuda a possibilidade de colocarmos tudo o que vimos, lemos e ouvimos num disco duro, uma vida inteira num programa informático. Esta memória individual arquivada útil pode ter um reverso: se for roubada, é uma vida que se rouba!

A uma pergunta da assistência - o blogue como hipótese de espaço de contracultura -, Daniel Oliveira falou do seu percurso mais recente, o de cronista num jornal (Expresso). Ele considera haver muito mais crítica e agressividade nos blogues - que comentam logo um erro ou falha dos jornalistas - face ao jornal. Aqui, a crítica, a existir, é lenta. Se há desgaste no blogueiro, o colunista do jornal não tem retroacção do seu trabalho.

Muito mais foi dito. A sessão, apesar de não começar à hora exacta, acabou depois das 20:30. Foi uma conversa muito interessante, em que também se abordou a possibilidade dos blogues se transformarem em actividade comercial.
No fim, Pacheco Pereira aceitava a hipótese de um pagamento por consulta às páginas dos blogues: afinal, escrever aqui é tempo que se gasta, e o tempo deve ser contabilizado como elemento económico [ao lado, imagem da exposição dos 140 anos do Diário de Notícias. Perguntas sobre a exposição: depois de sair da Cordoaria Nacional, a exposição vai para algum sítio? Não foi uma má ocasião terem feito agora a exposição, com feriados e jovens em época de exames? Vai ficar alguma coisa de memória, como um livro?].

2 comentários:

Anónimo disse...

Este é o 1º e um dos únicos blogs de grau ****** [Excepcional] que admite comentários anónimos/outros, o que revela, mais do que a categoria do seu autor e dos seus artigos (especialmente este BLOGOSFERA E O CIDADÃO), a coragem a que se permite um conhecedor das inenarráveis possibilidades e potencialidades da blogosfera na COMUNICAÇÃO.

A propósito do seu post, e usando as palavras de Paul Virilio (1), diria que, ainda que (e como diz o autor) não possamos “permitir-nos perder a relação do corpo com o mundo por causa da teletransmissão” e mesmo que hoje, devido às tecnologias, estejamos “a perder, tanto o corpo próprio, em benefício do corpo espectral”, “como o mundo próprio, em benefício de um mundo virtual” e se esteja a tornar “insuportável transportar o sentimento de termos perdido a grandeza da natureza”,

ainda assim e face a esta penosa perda de mundo próprio, mais presente nos países ditos ricos, “a questão que se coloca, é a de encontrar o contacto”,

o contacto que a blogosfera INSISTE em proporcionar e que EXISTE inexoravelmente nas condições virtuais da navegação cibernética, e que se configura hoje como um CONTACTO REAL.

Mas se Virilio lembrava existir apenas na navegação e no alpinismo, como noutras actividades físicas que exigem um regresso à física e à matéria, as pistas para “uma rematerialização do corpo e do mundo”,

perguntaria eu se na NET não se rematerializou implacavelmente o corpo e o mundo?

Num inquérito possível a um universo urbano poder-se-ia avaliar o estado do “contacto” entre cidadãos com uma só pergunta:

Qtos minutos diários ou semanais ocupa com a net/mails e com actividades físicas que exigem um regresso à física e à matéria?

(1) em “Cibermundo: A Política do Pior”, Teorema,2000, pp 52, 53

com amizade cibernáutica,

a sapateira da net

Leonel Vicente disse...

Não consegui assistir ao debate...

Achei excelente a exposição do DN!

Coloquei uma série de 'posts' sobre a exposição (um por cada década...) no Memória Virtual, começando aqui:

http://memoriavirtual.weblog.com.pt/arquivo/113848.html