ESCOLA CANADIANA DE COMUNICAÇÃO (II)
Harold Innis
[este texto segue muito de perto a obra de James W. Carey, Communication as culture, editada em 1992]
O modelo cultural norte-americano entende ser o crescimento da tecnologia em geral – imprensa, literacia, tecnologias da comunicação – uma narrativa do progresso. A história das tecnologias da comunicação torna-se a história do aumento do conhecimento humano.
É contra este enquadramento que se deve ler a obra de Harold Innis. Para ele, cada fronteira (geográfica) possui uma fileira de apoio (back tier). Os interesses da fileira de apoio são determinados pela extensão com que os produtos da fronteira fortalecem a economia, havendo mais complementaridade do que concorrência de produtos, e acentuando a sua posição estratégica. No continente norte-americano, a primeira fileira de apoio era a Europa.
Mercados de peles, peixe e madeira
O desenvolvimento do continente americano foi determinado pelas políticas e lutas das capitais europeias. As consequências destas políticas e conflitos foram esboçados nos estudos de Innis sobre os mercados sobre peles, peixe, madeira. Com o declínio gradual da influência da Europa, a fileira de apoio mudou-se para os centros metropolitanos da América do Norte – Canadá e América – mas o controlo efectivo passou para Nova Iorque e Washington relativamente às fronteiras do Canadá e dos Estados Unidos. Através dos estudos da produção e comercialização do papel e da pasta de papel, conclui-se que as formas mecanizadas da comunicação eram responsáveis por novos tipos de relações de império e de fileira de apoio e fronteira.
Innis viu no crescimento no final do séc. XVIII e no séc. XIX um processo contínuo de descentralização e recentralização que se movia numa forma dialéctica com as pequenas comunidades do interior (hinterland) a tentarem escapar à influência das metrópoles, mas a serem absorvidas mais tarde. Antes da revolução americana, as mensagens moviam-se num eixo leste-oeste entre Londres e as colónias. Em geral, as colónias comunicavam umas com as outras através de Londres. As notícias nos primeiros jornais americanos eram exclusivamente europeias na origem, e a comunicação era mais forte entre as cidades portuárias e a Inglaterra do que entre as cidades e as zonas interiores da própria América. As cidades americanas estavam isoladas relativamente umas às outras e ligavam-se mais às cidades portuárias e às capitais europeias.
Nova Iorque como novo centro de comunicações e tráfego comercial versus linha ferroviária da Canadian Pacific
Nova Iorque substitui Londres. No começo do séc. XIX, afirma-se como o centro americano da comunicação e de controlo das estradas do comércio e da comunicação com o interior. Nova Iorque mantinha contactos com a Europa por via marítima, enquanto a informação entre as cidades passava agora por Nova Iorque. A hegemonia desta metrópole fortaleceu-se com a construção do caminho-de-ferro de Chicago a Nova Orleães. Nova Iorque e os seus comerciantes, empresas e elites passaram a controlar um sistema de informação cada vez mais centralizado que liga a fileira de apoio do norte e actua mesmo como um fornecedor de muitas cidades canadianas.
As estradas do comércio da cultura delineadas pelo canal (do rio Hudson) e pelo caminho-de-ferro foram alteradas pelo telégrafo, revistas, filmes, telefone, radiodifusão e aviação. Mas Nova Iorque mantém-se central no fluxo de comunicação e cultura, com a importância do corredor Nova Iorque-Washington e as ligações metrópole-interior fluindo de leste e oeste. Há um corredor oriental (de Nova Iorque a Washington) na comunicação americana que criou o monopólio de conhecimento nas notícias e no entretenimento.
Innis descobriu que a linha ferroviária da Canadian Pacific seguia a rota do velho comércio das peles, o que o levou a interessar-se pelas matérias-primas económicas (peixe, peles, madeira e pasta) que tinham sido a base da economia canadiana. Para ele, o desenvolvimento do Canadá e dos Estados Unidos constituiu uma extensão, no Novo Mundo, do poder e das políticas europeias – Espanha, Inglaterra, França. A América do Norte seria, assim, constituída por três bandas largas: o norte do Canadá, com as rotas do comércio das peles ligando a Nova França e a Europa; o sul da América, com matérias-primas como o tabaco e o algodão, para a Inglaterra; e entre as duas a economia mista do norte da América. O continente, como um todo, representava a adaptação da cultura europeia à nova geografia. Os modelos de comércio não eram uma resposta aos factores locais mas eram controlados, mesmo no início do séc. XIX, pelas políticas de Londres, Madrid e Paris.
Dos estudos do negócio das peles germinaram duas ideias que serviram os seus posteriores estudos de comunicação. A primeira foi a pergunta: o que facilitou a grande migração das pessoas e da cultura europeias, levando-as do perímetro da Europa para o “novo mundo”? A segunda ideia foi a implantação da teoria dos centros de comércio. A expansão da Europa na América do Norte baseou-se numa fileira de invenções: na construção de navios, na navegação e na arte de fazer a guerra. Em cada país foram as melhorias na comunicação que constituíram o impulso central: barcos de maior velocidade, instrumentos de navegação eficazes, imprensa.
Imprensa
A imprensa encorajou a expansão coordenada e sistemática dos impérios europeus. Primeiro, encorajou a centralização da autoridade nacional através de um código legal uniforme, uma língua normalizada, um sistema escolar uniforme, e uma administração centralizada capaz de integrar províncias e regiões separadas (ideias que McLuhan vai aproveitar). Segundo, permitiu a descentralização da administração nacional através da forma durável da comunicação. Foi a imprensa e a navegação que permitiram quebrar as fronteiras da geografia e alargar até ao “novo mundo”.
A rápida expansão da indústria jornalística da América, após a invenção da penny press, intensificou a procura americana pela pasta e pelo papel canadianos. O Canadá foi projectado como economia de matérias-primas a fornecer à Inglaterra e aos Estados Unidos. Muitas das decisões centrais ao desenvolvimento do Canadá foram feitas em Londres, Nova Iorque e Washington. Para balancear as suas importações, os Estados Unidos exportavam capitais, bens e, crescentemente, cultura. Nos seus estudos sobre o papel, Innis descobriu o verdadeiro duplo condicionamento do Canadá: os Estados Unidos importavam matérias-primas para impressão do Canadá e exportavam produtos acabados a partir das matérias-primas canadianas: jornais, livros, revistas e publicidade. Eis o dilema do país: apanhado entre a procura do papel e o fornecimento americano dos jornais, livros e revistas, estava ameaçada a independência do Canadá. Daí, Innis estudar as relações entre as rotas do comércio e as rotas da cultura, argumentando que as mudanças na tecnologia da comunicação afectam a cultura ao alterarem as estruturas pela mudança do carácter dos símbolos e da natureza da comunidade.
Às culturas relacionadas com o espaço ele opõe as culturas relacionadas com o tempo: culturas com interesses no tempo-história, continuidade, permanência, contracção; cujos símbolos dependiam da confiança – oral, mito-poética, religiosa, ritualista; e cujas comunidades se enraizavam no local – laços íntimos e uma cultura histórica partilhada. Os media relacionados com o espaço são leves e portáteis e permitem a extensão no espaço.
Leitura: James W. Carey (1992). Communication as culture. Nova Iorque e Londres: Routledge (pp. 134-161)
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