O Diário de Notícias de ontem deve ler-se como um bloco. Isto porque nele vejo três temas, em secções bem distintas, que apresentam uma grande homogeneidade, juntando análise aos incêndios e duas histórias de direcções do jornal em tempos diferentes.
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O começo do comentário de Miguel Gaspar - bem escrito como sempre, embora discorde da sua opinião - aponta-me para o segundo tema. Escreve Gaspar: "A ideia de suavizar as reportagens de incêndios, removendo as chamas, que passariam a ser só filmadas à distância, é mais um exemplo de uma situação em que os políticos, ameaçados na legitimidade, reagem contra o mensageiro".
O segundo tema que quero trazer aqui vem nas páginas 14 e 15, uma resenha do tempo em que José Saramago foi director-adjunto do Diário de Notícias, entre Abril e Novembro de 1975. Lê-se, escrito por Pedro Correia: "A nacionalização do DN, na sequência do 11 de Março de 1975, trouxe uma nova administração a este matutino [...]. Luís de Barros (ex-jornalista do Expresso e hoje editor-geral do Diário Económico) foi então designado director, tendo Saramago como adjunto. Na prática, as posições invertiam-se: os textos que marcavam a posição editorial do jornal eram os do futuro autor de Levantado do chão. Sempre na primeira página, sob o título genérico «Apontamentos». Entre Abril e Novembro, foram publicados 95 destes textos, que funcionavam como verdadeiros editoriais". As críticas eram demolidoras respeitantes a figuras como Mário Soares, Freitas do Amaral e Melo Antunes e termos como inimigos, traição e rendição eram frequentes.
Os textos não eram assinados por Saramago, excepto um, a 11 de Abril, em que ele e o director afirmavam que o Diário de Notícias precisava de todos os que trabalhavam dentro do jornal. Tempos depois, a 27 de Agosto, 22 jornalistas eram despedidos por delito de opinião. A leitura da peça de ontem, de Pedro Correia, deve ser toda lida, para se compreender melhor como se faziam as notícias e os jornais de então.
Se de fogo poderemos dizer da passagem de Saramago pelo Diário de Notícias, a peça da página 40 remete-nos para outro "incêndio". A peça chama-se "Negócio concretizado, administração empossada" e refere-se à entrada de Joaquim Oliveira nos comandos da Lusomundo Serviços. A fotografia da administração, comparada com a dimensão das de Saramago, não nos permite ver muito bem as caras para além do principal responsável, mais conhecido dos media. Com a nova administração, a direcção do jornal muda. Para já, foi nomeado João Morgado Fernandes como director-interino.
Pela leitura do Diário de Notícias dos últimos meses, parecia-me que a direcção de Miguel Coutinho e Raul Vaz estava a funcionar. Gostava de ler os editoriais deles e os de Peres Metelo. E verifiquei - como já o escrevi aqui - que a secção de media e televisão teve um salto enorme e de valor, afinal a área que mais me interessa. Contudo, um novo patrão quer construir uma equipa de confiança - tem toda a legitimidade. Mas isto traz uma outra questão, normalmente discutida pelos académicos e pelos jornalistas: o peso destes, mais a deontologia e a imparcialidade. Não podemos esquecer a importância das administrações e dos accionistas (e das empresas que colocam publicidade nos media). A questão é, portanto, mais complexa - pelo que devemos olhar um quadro vasto, muito vasto, e não um ou vários jornalistas apenas, com obrigações e deveres.
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