terça-feira, 23 de agosto de 2005

SOBRE OS PÚBLICOS DA CULTURA

Jean-Pierre Esquenazi tem um pequeno mas significativo livro sobre Sociologie des publics, editado há dois anos atrás por La Découverte.

O autor divide em seis grandes concepções a sua definição de público, as quais obedecem a lógicas distintas. Assim, as definições assentam em: 1) o público como objecto em si activado pela obra (perspectiva textual ou semiótica), 2) inquéritos estatísticos (que dão um retrato cultural, tipo "tantos portugueses vêem cinco horas de televisão por dia"), 3) lógicas comerciais dos produtores de objectos (de que emerge a crítica desses produtores como indústrias culturais manipuladoras dos públicos), 4) relação da obra de arte com o público como marcador da hierarquia de classes sociais (Bourdieu, nomeadamente), 5) consumo de cultura a partir de divisores de género sexual ou de nacionalidade, independentemente dos produtos, e 6) tradição etnográfica da sociologia (que privilegia uma concepção mais qualitativa do inquérito).

Vou-me ficar pela sua apresentação da crítica das indústrias culturais (pp. 38-44). A origem da teoria reside no texto de Adorno e Horkheimer A produção industrial de bens culturais, texto violento porque assente em duas pressões sobre os autores: o refúgio nos Estados Unidos devido à violência nazi e a incompreensão da cultura americana (cinema e jazz). Os autores vislumbram uma identidade nas duas civilizações, apoiadas por monopólios. Ambas se organizam em torno da "racionalidade técnica [que] é a racionalidade da dominação". Todos os elementos da cultura subordinam-se aos fins das indústrias culturais, que fabricam produtos desprovidos de surpresa. Mesmo os produtos inovadores são recuperados pelos mecanismos de produção. A fusão da cultura e do divertimento significam a morte da arte.

Há um excesso no texto, considera Esquinazi. E ele vai em busca de dois autores que, embora com uma matriz referencial próxima, se afastam do texto fundador. Um é Armand Mattelart, que na crítica de Adorno e Horkheimer vê o eco do protesto burguês e letrado contra a nova cultura mediática. Assim, a cultura de massa surge como um meio de controlo social. A outra referência autoral é Walter Benjamin que, no seu texto A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, formula uma base de análise das indústrias culturais. Para este, se a obra de arte significa exposição única, singularidade e originalidade, a sua reprodução ou multiplicação destrói a "aura" da obra. As artes modernas, como a fotografia e o cinema, são em si mesmas artes da reprodução. Daí, Benjamin nos propor uma série de reflexões sobre a recepção.

Esquinazi leva-nos a olhar mais profundamente a evolução da crítica das indústrias culturais, a partir de outras perspectivas. Ele faz a avaliação dos públicos face aos produtos realizados em série. A especialização das indústrias de conteúdo (software) leva-a à separação progressiva das indústrias de hardware, reorganizando a produção. Esta passa de edição (produção lenta e sem identificação de tempo de conclusão) a fluxo (produção contínua diária). Analisa-se o papel do programador: simultaneamente produtor, gestor e vendedor, ele gere o fluxo de programas em função de objectivos comerciais e estratégias que acompanham o interesse do público. O programador utiliza ferramentas estatísticas para adaptar a produção ao ritmo da sociedade. Nesse contexto, a inovação é principalmente tecnológica, o que permite adaptar conteúdos a produtos novos e às lógicas de uso massificado.

Há uma segunda linha de intervenção dos investigadores, que aponta para o estudo de obras particulares, como as séries. Ou, no caso apresentado por Esquinazi, os filmes-catástrofe iniciados nos anos de 1970. Uma terceira linha de trabalho da crítica das indústrias culturais é dada por autores franceses como Edgar Morin e Bernard Miège. Para o primeiro, a criação cultural não está totalmente integrada no sistema de produção industrial, pois um filme novo não é todo idêntico a um anterior, preconizando um ciclo de inovação e estandardização. Miège, anotando a existência de múltiplos canais de distribuição (televisão temática, internet, géneros musicais), salienta a diversificação de públicos, já não estando amarrados à hierarquia social mas sim à escolha no interior de alternativas diferenciadas.

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