AGENDAS NOTICIOSAS E CADERNOS
O que vou escrever não é teoria, mas apenas uma curta reflexão. Para tal, peguei em alguns exemplares de jornais dos últimos dias.
Desde os acontecimentos de Junho em Londres, os jornais ingleses passaram a incluir periodicamente editoriais e reportagens sobre a cultura islâmica instalada no país. Julgo haver de tudo: os que criticam, os que defendem. Uma coisa parece certa: a ideia de multiculturalismo, que se lê nos livros sobre os media (e outras áreas, presumo), precisa de ser retrabalhada. Afinal, a integração multicultural não se estava a fazer, como se julgava.
O texto do Daily Mail, de anteontem, é exemplificativo, a começar pela fotografia. Das duas mulheres adultas, só se vêem uma mão e um espaço para os olhos. Confesso o meu desconforto com este tipo de imagens (uma vez vi uma rapariga assim vestida no Centro Cultural de Belém, aqui em Lisboa; contive-me para não lançar um olhar de incompreensão, dado o seu jovem marido estar com algumas partes do corpo bem à vista). O artigo de Ann Leslie, de origem paquistanesa e correspondente há algumas décadas, mostra um retrato terrível de Bradford, a quem chamam a Islamabad inglesa, tal a quantidade de paquistaneses ali residentes e defensores de um islamismo radical.
Ela começa por falar no número de crianças deficientes no seio daquela comunidade, na taxa de suicídio (três vezes maior que na população branca do país) e no peso do desemprego. Refere um jovem (terceira geração), com um sotaque perfeito do inglês da região, mas que prefere vestir roupa à paquistanês, para marcar a sua ascendência, apesar de não saber uma só palavra de urdu. A jornalista escreveu a peça a propósito de uma intervenção na passada semana de Trevor Phillips, responsável pela Comissão de Igualdade Racial, dizendo que a sociedade inglesa se separara em diferenças religiosas e criara explosivos guetos sociais.
Esta é uma agenda noticiosa de âmbito nacional, em que os jornais vão atrás dos acontecimentos. Já diferente é a posição de Pedro J. Ramirez, director do jornal El Mundo. Para ele, a Espanha está a caminho da fragmentação, tema que retoma recorrentemente. O editorial de ontem (Carta del Director) aborda a situação na Catalunha. Segundo ele, a Generalitat da Catalunha está a ganhar protagonismo e poderes, não permitindo, por exemplo, o transvase de águas do Ebro (desagua na Catalunha) para Valência e Murcia (esta última na Andaluzia). E compara o presidente do governo de Barcelona, Pasqual Maragall, ao relato de Mary Shelley sobre o monstro que Frankenstein criara. A campanha pessoal do director tem-lhe trazido dissabores (recentemente, invadiram uma piscina sua e fizeram destruições), no sentido de ele abandonar o rumo editorial em defesa de uma Espanha unida.
Não devo tomar uma posição definitiva sobre os temas tratados pelos dois jornais: primeiro, porque não tenho poder; segundo, porque isso significa intromissão em assuntos de outros países. Mas não posso deixar de reflectir sobre os temas e as agendas noticiosas. No caso inglês, há uma luta que sopra de dentro para o mesmo interior, podendo conduzir a conflitos de nível perigoso; no caso espanhol, parece haver uma ameaça de implosão por parcelas de território.
Quanto a cadernos de jornais portugueses, e sem perigos tão graves de implosão ou explosão, registo o novo "Dia D", do Público. Fico-me pelas três cartas ao director ali publicadas: duas a favor do suplemento, uma contra. Esta última regista que a substituição dos suplementos "Economia" e "Computadores" foi para pior. Eu também acho (mas não vou enviar qualquer e-mail). O "Dia D" faz-me lembrar as Selecções do Reader's Digest ou a Executive Digest (creio que era esse o nome de uma publicação do grupo de Balsemão). Traz dicas e mais dicas (a lembrar o "Kulto" de domingo) e nada de análises, de coisas cheias que nos ensinem e levem a reflectir. E parece-me tratar-se de uma publicação género outsourcing. Antes prefiro o estilo clássico do suplemento cor-de-rosa DNnegócios: hoje traz 19 páginas de informação importante. É aqui que a agenda de cada jornal se distingue: entre o light e o sério.
1 comentário:
Só um pormenor, parece que a piscina do Pedro J. é mesmo ilegal.
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