sexta-feira, 2 de setembro de 2005

FONTES DE INFORMAÇÃO (II)

[continuação da mensagem de ontem]

Quanto a estruturas dos jornalistas, a notícia do Público (24.1.2001) é suficiente para a presente mensagem. Da notícia, extrai-se a ideia que existem duas categorias de “escritores” dos jornais – os jornalistas propriamente ditos e os comentadores políticos (que podem ser editorialistas, colunistas, líderes de opinião, dirigentes de partidos e outras organizações escutadas regularmente pelos jornalistas). Hoje, o espaço opinativo (editoriais, colunas) é cada vez maior. Outra ideia do texto destaca a visibilidade ou não do jornalista ou comentador. Não aparecer na televisão e nas publicações dá um ar de recato, reserva os seus actos para os gabinetes ou os corredores. A fuga de informação funciona melhor nestes espaços privados. Não explícito no texto é a ideia de pingue-pongue ou de circulação das informações. Ao mostrar influência e os seus textos aparecerem destacados num jornal, o jornalista ou comentador possibilita que outros agentes sociais intervenientes no campo jornalístico actuem e apresentem propostas alternativas ou opostas.

Em termos de estratégias existentes na relação entre jornalistas e fontes políticas, saliento a centralização da comunicação política (John Anthony Maltese, Spin control, 1994, pp. 215-221) ou das relações públicas políticas (Paul Manning, News and news sources – a critical introduction, 2001, pp. 108-111). Para Maltese, apesar de não haver qualquer sistema que elimine fugas ou expressões públicas de dissensão interna, a comunicação centralizada minimiza-as. Assim é também a capacidade de tecer uma história – manipular não apenas o que os funcionários superiores dizem mas o que os media noticiosos dizem sobre eles. Tecer uma história envolve dar prioridade a um jornalista, fazer comunicados e encontrar outras fontes que libertem uma informação de ângulo diferente e que dêem à história o melhor brilho possível. O tecer com êxito envolve também convencer os media noticiosos, através de encontros e outros métodos de persuasão. Ao seleccionar símbolos, construir significados, oferecendo uma variedade indo das ameaças à confiança, um funcionário ajuda a fornecer uma dada perspectiva de paisagem política para consumo público. Todo o livro de Maltese é uma análise exaustiva dos organigramas estruturais dos gabinetes de imprensa dos presidentes americanos, de Nixon a Clinton, e o modo como essas “pequenas” máquinas produzem acontecimentos públicos e políticos.

Por seu lado, para Manning a gestão da informação tem sido uma contínua preocupação governamental. A distinção entre informação pública e propaganda partidária (ou governamental) é difícil de sustentar. O investimento publicitário governamental de Thatcher [Reino Unido] em relações públicas e trabalho mediático de todo o tipo cresceu dez vezes numa década, de modo que, em 1988, apenas a Unilever e a Procter & Gamble gastaram mais em publicidade que o governo. Thatcher teve, ao seu serviço, as mais importantes técnicas de marketing político usadas nos Estados Unidos. Certo que, nesse período, muitos dos anúncios foram sobre empresas públicas a privatizar.

A chegada de Blair deu um novo realce ao controlo da informação, à gestão das notícias e à sua centralização. Em 1997, saiu um relatório (Mountfield) preconizando a modernização do serviço de informações governamentais. Aí se apontou a criação de uma unidade estratégica de comunicação, para trabalhar directamente com Alistair Campbell, o secretário de imprensa de Blair [que, entretanto, abandonou o seu posto devido a questão relacionada com a guerra do Iraque]. Objectivos: o governo nunca apoia informação “neutra” (é sempre político o tipo de informação, o seu âmbito, formato e organização); a politização da informação faz alterar, por exemplo, o cálculo dos níveis de desemprego e desaparecer medidas de pobreza, processo iniciado por Thatcher. Isto é, as informações prestadas são sobre assuntos agradáveis (investimentos, projectos a médio prazo, níveis de conforto). À oposição compete pintar o quadro de negro.

Aqui, entra o termo spin doctor (à falta de melhor, adapto-o como tecedor de factos), ao dar maior realce à apresentação e comunicação, a ponto das relações públicas políticas se tornarem uma autêntica indústria do simbólico (com as suas profissões do simbólico) [Mário Mesquita tem escrito sobre este tema]. Os tecedores de factos são funcionários públicos ou membros do partido do poder ou tiveram uma prévia responsabilidade política. Manning descreve duas grandes características destes tecedores de factos. A primeira é instrumental: eles devem possuir um grande apetite para monitorizar os media noticiosos e mostrar autoridade e discordância perante notícias consideradas inaceitáveis. Além disso, o tecedor de factos fornece informação correcta e credível, conhece os valores-notícia enquadráveis aos media noticiosos, demonstra aos jornalistas que está próximo do seu chefe político e percebe o negócio da informação (o que dar e o quando, para optimizar a informação). A segunda característica é de fôlego estratégico. O tecedor de factos tem de adquirir técnicas de “lutar contra o fogo” e de limitar danos colaterais, quando surge uma estória contrária aos interesses do governo. Uma técnica testada é a de tecer uma estória que fique longe da questão substantiva em discussão, levando a atenção dos media noticiosos para a nova estória, nítida manobra de diversão.

As estruturas e as estratégias de comunicação política associam-se à cultura. Ela pode ser adversarial, de confronto entre jornalistas e fontes de informação (na perspectiva do que José Pacheco Pereira tem escrito nos últimos anos), mas também de troca (Blumler e Gurevitch, livro acima citado, pp. 27-31). Num modelo de sociedade em que o jornalista coopera com as fontes de informação – sem, contudo, deixar de divulgar falhas e questões estruturais para bem da coisa pública – funciona a teoria pluralista e liberal, garantindo a autonomia do jornalista (objectividade, imparcialidade, audição das partes em conflito numa questão, distanciamento) perante a organização jornalística. Há, no entanto, algum espaço para a teoria da conspiração (o poder político perpetua-se no trabalho jornalístico, que reproduz as ideias dominantes), e que se detecta quando uma fonte de informação lamenta que os seus acontecimentos nunca são notícia, mas o são sempre os das forças poderosas e ricas de recursos materiais e simbólicos.

A centralização dos serviços de informações governamentais funciona em dois sentidos. No das fontes de informação, que analisam a prestação jornalística dos profissionais acreditados num lugar de permanência (newsbeat), criando círculos íntimos ou afastados (Stephen Hess, The government/press connection – press officers and their offices, 1984), conforme essa prestação e o meio noticioso a que pertence. O off-the-record, o deep background ou o exclusivo funcionam no círculo mais próximo. A fonte tecedora de factos, com apetite para ler/ver os media noticiosos, reage devido à autoridade e proximidade do chefe político e prepara histórias de dispersão, controlando os danos das histórias que não interessam ao governo [como já referi atrás]. Isto é, convém esquecer o problema e inventar outro tema (por exemplo, antecipando um projecto, com grande impacto social).

Mas a centralização dos serviços de informações governamentais também interessa aos jornalistas. A permanência num local cria facilidades logísticas, com o jornalista a aceder mais facilmente à fonte e a conhecer horários e disponibilidades organizativas. As necessidades jornalísticas adaptam-se à “libertação” de informação, quer no tempo quer no espaço, rotinizando procedimentos de recolha e circulação de informação. O comunicado e a conferência de imprensa são métodos públicos que agradam aos jornalistas. O exclusivo e o off-the-record estão reservados para os jornalistas do círculo mais íntimo.

Data real de produção do texto: 4.2.2001. Data da sua “libertação” para o Diário dos Media: 3.3.2001

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