REFLEXÃO A PROPÓSITO DE POEMA E FOTOGRAFIA NO BLOGUE NOCTURNO COM GATOS
Sabe sempre bem espreitar o que a Soledade Santos edita no seu Nocturno com gatos. Foi o que me aconteceu quando, pausadamente, li o seu poema de 18 de Setembro último, Trajectória, dedicado a T.M. E, com curiosidade, descobri os comentários ao seu poema, e as respostas que ela foi distribuindo.
Continuo a achar correcto o que escrevi a 19 de Janeiro de 2004: "A ternura do weblog - no sentido positivo do termo - é o modo como reagem os leitores (ou admiradores) de Soledade Santos, através de comentários, a que a autora costuma responder. De certo modo, este círculo de apresentação de poemas ou imagens lembra as cartas do séc. XVIII e o salão de Mme. d'Épinay, como Jürgen Habermas nos descreve no seu conhecidíssimo texto Mudança estrutural da esfera pública". E, nessa mensagem, mais à frente, eu dizia: "Talvez nunca chegue a conhecer Soledade Santos, e se o seu nome é verdadeiro ou um pseudónimo. Também não sei se o auditório que a acompanha a conhece ou não. Mas todos - para além da interactividade presente nestas comunidades imaginadas - partilham gostos, objectivos ou simples formas de estar na vida. São comunidades virtuais, mas mais além do chat onde cada um coloca a sua mensagem e interage com outros comunicadores sem que a falta de identificação constitua qualquer problema para o contacto".
Se o poema da Soledade me deixou em reflexão, aproveitei o elevador do ecrã, desci um pouco para baixo no seu blogue e parei na fotografia de Robert Doisneau. O meu olhar fixou-se na lousa do primeiro rapaz e em objectos desfocados ao fundo, creio que as sacolas dos estudantes. De repente, dei-me a pensar na revolução que consistiu em passar da lousa (ardósia), com o seu lápis igualmente de lousa, para o caderno de papel, com uma caneta. Riscar na lousa era uma tarefa árdua, pois as letras nunca saíam bem, e, no início da aprendizagem, ouviam-se chiares agudos, que incomodavam. No caderno de duas linhas quase justapostas, as letras eram ensaiadas e desenhadas. Eu apanhei, na escola primária, a passagem de um sistema para outro. Nunca mais me lembrei de tal, em especial agora que as discussões giram todas em volta das literacias electrónicas. Parece que nunca houve nenhum sistema antes do computador.
5 comentários:
Rogério, muito obrigada pela gentileza. O Nocturno com Gatos já vai com quase dois anos de existência, e esteve sob ameaça de se extinguir por incapacidade de manter a interactividade de forma continuada. O modelo, que surgiu espontaneamente e depois se firmou, sofreu algum desgaste. E circunstâncias profissionais alteraram a minha relação com a blogoesfera. Mas as pessoas vêm, fazem do blogue um ponto de reunião, são frutíferas e alegres as partilhas, as discordâncias e as afinidades. Vamos ficando. Um blogue pode ser uma âncora no vasto mundo.
Notou as lousas? :) Eu usei-as na 1ª e 2ª classes - numa escola de província mantinham-se usos já desaparecidos nas escolas urbanas. O papel era demasiado precioso para o simples treino da escrita e das contas. E a formalidade que presidia ao acto de escrever no "caderno diário"? Era outra relação com a escrita, com a sua dimensão física, a que os computadores vieram pôr fim.
Um abraço
Uma petição, como aquela que indica na coluna lateral direita, em que se exige uma identificação tão exaustiva (telefone, morada...) é condenada ao fracasso.
Estou totalmente de acordo com as suas palavras.O blogue da Soledade é mesmo um lugar de encontros -acho que somos uma espécie de casa de família onde é sempre bom «palavrar» como dizia Bernardo Soares -«gosto de palavrar» - e trocar ideias e pontos de vista.
É a tertúlia possível nestes tempos de incomunicação diária e necessidade de comunicar.
RS
Tendo aprendido tb nas lousas, achei mt graça e oportunidade ao comment de soledade q lembrou a formalidade (a q chamaria solenidade) 'que, dantes, presidia ao acto de escrever no "caderno diário"' - era tamanha e tão limitada a mística dos livros e dos cadernos 'limpos', q nos penalizavam qd neles descuidadamente 'postavamos' algo da nossa criativa lavra infantil.
Foi numa dessas incursões da criatividade solta e aberta da infância que, na 1ª semana da 1ª classe, me penduraram nas costas uma folha de papel quadriculado onde eu descobrira a maravilhosa métrica dos quadradinhos para neles desenhar uma escada...
Hoje, no éter, faz-se o equivalente a quem saia da 'norma', etc, etc
parabéns pela métrica deste blog solto e aberto
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