terça-feira, 22 de novembro de 2005

ESQUENAZI - PARA CONTINUAR A LER DEVAGAR

"Quando se trabalha com um produto complexo, nada impede que se traga à luz grande número de camadas de sentido, tanto mais que uma interpretação conhecida é, frequentemente, origem de muitas reinterpretações. A obra torna-se um palimpsesto, uma história dos públicos e das suas preocupações: o objecto da análise é a maneira como a comunidade se determina perante a obra" [Jean-Pierre Esquenazi (2005). "O sentido do público". In José Carlos Abrantes (coord.) A construção do olhar. Lisboa: Livros Horizonte e CIMJ, p. 110].

Sabia, de antemão, do encantamento deste texto inserido no livro coordenado por José Carlos Abrantes e que aqui referi nos passados dias 15 e 16 deste mês. De que fala Esquenazi, autor que eu já apresentei, quando escrevi sobre Sociologie des publics, a 23 de Agosto último? Ele fala de obras cinematográficas mas também de televisão, da recepção (logo de audiências) e das múltiplas leituras, como indica o parágrafo acima inserido.

Esquenazi parte de uma posição polémica: o conceito de público tem sido o parente pobre da teoria do cinema. Aí, ele destaca o modelo de construção do star system como resultado inicial da associação do público à produção. E enuncia o peso dos serviços de publicidade dos estúdios na promoção (e aceitação) dos filmes - a sua popularidade. A uma abordagem comunicacional ele junta outras: quantitativa, ontológica, artística e baseada na massificação. Nesta última, é particularmente duro para com Horkheimer e Adorno: "os autores não se limitam a acusar o capitalismo, origem do conceito de «indústria cultural»: condenam todos os seus produtos, argumentando que um produto fabricado com o único intuito de agradar ao público não pode despertar o interesse de uma pessoa culta. Extraem, pois, como consequência que o público não só é manipulado pelas indústrias culturais como também é conduzido a uma espécie de embrutecimento. Recordemos o desdenhoso comentário dos autores: «Um público de gente que ri é uma paródia da humanidade»" (Esquenazi, 2005: 99-100).

Depois, Esquenazi propõe olhar o problema do público com novos olhos. E apresenta três novos princípios: 1) continuidade (não se pode isolar a recepção das condições de produção de filmes e telefilmes), 2) multiplicidade (reconfiguração da recepção com actos distintos - os públicos mudam, os olhares mudam) [logo: há públicos e não um só público], 3) actividade (o público não é passivo face ao produtor, mas dispõe de informação de contexto, com críticas ou declarações de um autor, e actualiza o tecido fílmico - o que vê - com a sua própria experiência). O que significa que o espectador, na sua interpretação, atribui uma intenção à produção.

O seu magnífico texto (14 páginas) ainda se debruça sobre aquilo que designa como problemas actuais da recepção. Onde não deixa de focar o fenómeno dos fãs, completando, inteligentemente, as perspectivas mais conhecidas e produzidas em língua inglesa. Escreve ele: "Numa sociedade dominada pela velocidade e pela pluralidade de gostos, aparecem produtos que despertam em comunidades mais ou menos importantes um entusiasmo tão vivo quanto provisório" (2005: 105). Para o autor, os fãs não são vítimas de ciladas das indústrias culturais, mas exprimem, nos produtos que são objecto de culto [o fandom inglês], uma forma de vida próxima da que é vivida pela comunidade em questão.

Se um grupo industrial pensa que um produto cultural atinge o público de um dado modo, os públicos (e não um só) apropriam-se desse produto cultural, não se deixando enganar. Constroem-se outros olhares, afinal o tema que reuniu Esquenazi e outros investigadores.

1 comentário:

Anónimo disse...

Prezado Rogério Santos, entrei no seu Blog procurando alguns textos de Portugal escritos por Maria Augusta Babo e José Bragança de Miranda no livro A cultura das redes, da Relógio D'agua Editores. Sou do Brasil, mais precisamente do Rio Grande do Sul, e faço doutorado em Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, na cidade de São Leopoldo. Gostaria de ter uma indicação sobre esse livro, se ele está publicado no Brasil (acho que não) e como conseguiria entrar em contato com a Maria Augusta, autora do artigo A Metafora das Redes, porque me interessa muito este artigo. Já enviei uma mensagem pr'ela pelo site da editora, mas ela não me respondeu... poderias me ajudar? Grande abraço fraterno, Neusa Maria Bongiovanni Ribeiro. neurib@portoweb.com.br