sexta-feira, 25 de novembro de 2005

RELAÇÕES PÚBLICAS, POLÍTICA E JORNALISTAS

[texto produzido pelo autor em 30 de Março de 2001 para o Diário dos Media, grupo de discussão sobre os media, aqui adaptado]

Em Março de 2001, o jornal Público fez sair duas notícias sobre um curso de relações públicas e política, organizado pelo governo dos Açores. Por detrás, estava uma empresa, que elaborou um texto para a ocasião. Dele, obtive uma cópia. A publicação, oriunda de um desconhecido (para mim) Instituto Internacional de Consultoria e Formação, sedeado em Lisboa, tem 34 páginas mais 14 de anexos e intitula-se "Relações institucionais". No preâmbulo, escreve-se: "dar a conhecer a importância que assume, nos dias de hoje, a opinião pública, o relacionamento entre os Serviços Públicos e os Cidadãos organizados em movimentos associativos e o papel que a Comunicação Social tem nesse contexto". O público-alvo identificado no texto é o dos quadros superiores de Administração. Do sumário, distinguem-se os seguintes pontos: a questão da imagem no âmbito da sociedade, os programas de relacionamento, os serviços de atendimento, o relacionamento com a imprensa e as bases para tal relacionamento.

Foi este último ponto – bases para um relacionamento com os jornalistas – que serviu de leitmotiv à escrita do jornalista Nuno Mendes (a garrafa de água para não ter a garganta seca durante a entrevista; as roupas de cores neutras e corte clássico; evitar ter o rosto suado quando se conversa com o jornalista, o que transmite uma impressão de nervosismo e desleixo). Da leitura do texto "Relações Institucionais" ressaltaria a ideia de que o texto jornalístico leva à ideia que a acção de formação realizada pelo governo regional se destinou a "propaganda política" e a "domesticar jornalistas", com uso de palavras com conotação negativa como "acção secreta", "iludir as más notícias".

Selecciono algumas mensagens do texto distribuído na reunião dos Açores: "Nos folhetos e prospectos informativos dirigidos a Comunidades, adoptar linguagem simples e directa e utilizar, ao máximo, recursos de ilustração. Dar, ainda, preferência à informação oral, em função dos índices de analfabetismo que possam existir e do baixo hábito de leitura" (p. 12). "É fundamental que todo o trabalho de atendimento seja registado em cadastros individuais, com identificação da pessoa atendida (nome, endereço e telefone de contacto), quem atendeu, tipo de atendimento solicitado (informações, reclamações, outros), encaminhamento do caso, eventuais dificuldades encontradas, etc. Com base nessas informações, serão elaborados os relatórios periódicos, permitindo o monitoramento do ambiente em que a acção se desenvolve" (p. 16). "Um utente satisfeito melhora sem sombra de dúvida a imagem do Serviço. Por isso, esta deve ser construída juntamente com a eficácia da prestação dos serviços. (...) A atitude de, antecipando-se ao interesse da Comunidade, manter as organizações da Sociedade Civil plenamente informadas é uma das formas de evitar conflitos futuros" (p. 7). "O melhor momento para definir um Programa de Relações com a Sociedade é durante a preparação da acção, o que permite uma identificação e uma preparação mais adequada junto às comunidades envolvidas" (p. 11).

"O relacionamento com a imprensa torna-se, pois, inevitável. Mas a sua qualidade dependerá, principalmente, da postura que venha a ser adoptada. (...) Ao adoptar uma postura activa em relação à imprensa, a instituição passa a manter uma relação que envolve riscos, mas também vantagens" (p. 21). "O relacionamento com a imprensa deve ser uma via de mão dupla. Procurar e atender os jornalistas apenas quando é do interesse da Administração caracteriza uma relação de sentido único, que, mais cedo ou mais tarde, será abandonada pela imprensa. (...) A postura activa é sempre muito bem vista pela imprensa, mesmo em situações de crise" (p. 24). "Não assumir compromissos que não se tenha condições de cumprir. Isso pode adiar, mas não eliminar os problemas. E, o mais grave, comprometerá a credibilidade do programa" (p. 12). "Tenha extremo cuidado ao exteriorizar as suas opiniões pessoais. Ao tecer eventuais comentários sobre temas alheios à sua actividade (como políticas de governo, questões macroeconómicas, etc.), lembre-se de que eles podem ser confundidos com um posicionamento do Governo ou da Administração" (p. 30).

O texto contém umas notas sumárias sobre as empresas jornalísticas e um breve glossário jornalístico. Neste glossário, detecto alguma influência brasileira, caso da palavra pauta (que, no português de Portugal, é agenda), e de outras palavras que não tenho tanta certeza, como colunão (notas curtas, não assinadas) e foca (jornalista novato).

O trabalho apresentado nas Furnas é, assim, um manual de informação positiva (Robert Tixier-Guichard e Daniel Chaize, Les DIRCOMS - à quoi sert la communication? Enquête, 1993, Paris, Seuil, p. 280). Por informação positiva entende-se todas aquelas mensagens que as instituições (poder político, empresas, organizações) pretendem publicitar, por oposição aos danos, que têm de ser controlados (damage control) e mantidos secretos. Durante anos – mais precisamente de 1983 a 1996 –, trabalhei nessa indústria das profissões do simbólico, e sei como se arquitecta a informação positiva.

Para concluir, outra referência, neste caso a um artigo saído na revista do Expresso, em 18 de Novembro de 2000, mas que só agora tomei conhecimento. O título é sugestivo: "A arte do lobbying". Um conjunto de empresas de lobbying e comunicação e imagem falam de si, das suas campanhas e da facturação prevista. Duas delas previam facturar em 2000 mais de 600 mil contos [três milhões de euros]. A maior parte dessas empresas consultadas têm estruturas com mais de 10 pessoas. Os clientes vão da banca às telecomunicações e a ONGs (como a célebre Abraço). Mas incluem-se também os departamentos de Estado. Uma citação ao acaso: "Miguel Almeida Fernandes tem a mesma posição: «Como consultores da região de Turismo do Algarve, tivemos de lhes explicar que era muito mais vantajoso conseguir uma reportagem de página inteira numa revista espanhola, com a foto do presidente da Região de Turismo entre Maria José Ritta [mulher de Jorge Sampaio, presidente da República] e Luciano Pavarotti, do que colocar um anúncio na mesma edição»".

Muitos dos dirigentes destas empresas são antigos jornalistas e tornam-se, hoje, uma espécie de intermediários entre as instituições e os jornalistas. Vantagens? Desvantagens? O certo é que, hoje, o governo e as grandes empresas (as fontes oficiais) usam agências de comunicação ou admitem jornalistas para as suas direcções de comunicação e imagem. Foi o que aconteceu com o antigo editor de economia da RTP, Paulo Fidalgo, depois porta-voz do BCP. Ainda ontem [29.3.2001] declarações dele vinham no Público a propósito do "emagrecimento" do número de balcões e de empregados "em fim de carreira".

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