Benjamin (1892-1940) parte do princípio que o auge da fotografia se deu no seu primeiro decénio de existência (Hill, Cameron, Hugo, Nadar), período que precedeu a industrialização (Benjamin, 2004: 22). A indústria começaria pelos cartões de visita com foto e o seu primeiro fabricante ficaria milionário. As fotografias iniciais, os daguerreótipos, podiam custar 25 francos e guardadas em estojos, como se fossem jóias.
Na mão de alguns pintores, a fotografia tornou-se uma ferramenta auxiliar. David Octavius Hill tomou a fotografia do primeiro sínodo da igreja escocesa para fazer um fresco. Processava-se, contudo, um movimento de reacção: a fotografia não era arte mas técnica, com irrelevante legitimidade face à pintura [imagem de David Octavius Hill (1802-1870) retirada do sítio da George Eastman House].
De que estou a escrever? Exactamente sobre um texto de Walter Benjamin, inicialmente publicado em 1931 com o título "Pequena história da fotografia" e que foi reeditado em castelhano num volume com o nome Sobre la fotografía, em tradução de José Muñoz Millanes (pode ler-se uma versão em francês no sítio Études Photographiques).
As primeiras placas eram pouco sensíveis à luz, o que obrigavam a uma grande exposição ao ar livre (2004: 31). Tal aconselhava o operador a afastar-se o mais possível da mobilidade do objecto a fotografar. Curiosamente, era o tempo em que a pintura ao ar livre começava a revelar perspectivas novas aos pintores mais avançados.
A verdadeira vítima da fotografia não foi a pintura de paisagem mas o retrato de miniatura. Por volta de 1840, a maioria dos pintores de miniaturas converteu-se em fotógrafos profissionais. Logo depois, vieram os comerciantes e generalizou-se a prática de retocar os negativos (Benjamin, 2004: 35) [nos jornais portugueses, tal será visível até meados do século XX]. Começava o tempo dos fotografados o serem junto a pedestais, balaustres, mesas ovais, palmeiras artificiais, apoios para a cabeça, uma perna direita e outra dobrada, uma cortina por detrás.
Benjamin (2004: 40), neste texto, ensaia o conceito de aura, que retomará no texto mais conhecido A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica [imagem de Benjamin retirada do sítio Walter Benjamin Research Syndicate, com fotografia de Charlotte Joël]. A aura é uma teia especial de espaço e tempo: "a irrepetível presença próxima de algo sempre muito distante". Ora, trazer uma coisa para perto de nós pode significar reproduzir, a cópia. Da singularidade e permanência no original transita-se para a fugacidade e possibilidade de repetição na cópia. O autor alemão conclui que a percepção das grandes obras é melhorada devido ao desenvolvimento das técnicas de reprodução, embora se reflicta numa tensão entre fotografia e arte.
Sobre a interpretação do espectador, Benjamin tinha o seguinte entendimento: "A natureza que fala a câmara é distinta da que fala o olho; distinta sobretudo porque, graças a ela, um espaço constituído inconscientemente substitui o espaço constituído pela consciência humana" (2004: 26). Por exemplo, não se dá conta do andar de uma pessoa, mas a fotografia, numa fracção de segundo, torna-o patente com os seus instrumentos auxiliares: a câmara lenta, a ampliação. A fotografia revela o mais pequeno, o mais oculto. Dauthendrey, ao comentar os primeiros daguerreótipos, explicava: "não nos atrevíamos a contemplar atentamente as primeiras imagens que confeccionou. Tínhamos medo da nitidez dessas personagens" (Benjamin, 2004: 29).
Leitura: Walter Benjamin (2004). Sobre la fotografía. Valência: Pre-Textos. Edição e tradução de José Muñoz Millanes, trabalho que decorreu no Colégio de Espanha em Paris no ano lectivo 2003-2004. A mensagem assentou na segunda edição do livro, cuja impressão foi concluída em 30 de Dezembro de 2004.
[continua]
2 comentários:
Este é um dos artigos em que RS excede o seu alto nível de exigência na interpretação de um autor. As alusões e os links que disponibiliza ajudam-nos a penetrar no espírito de W. Benjamin, um estudioso que não receou afirmar, no fim da vida, que só lhe restava fazer citações dos autores que admirava, o que, aliás, sempre fez nos seus escritos e na exegese que os inspirava.
A propósito deste artigo e do papel da fotografia na construção da memória e do mito, como provérbios substituindo histórias, permito-me citar o que o próprio WB disse sobre as ruínas que ficam no lugar das velhas histórias:
“Poderíamos dizer que provérbios são ruínas que ficam no lugar das velhas histórias e que neles a moral abraça um gesto tal como a hera trepa e abraça um muro” *
* Benjamin, Walter - “Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política”, Antropos, 1992, p56
Olá,
Vim atraída pelo Bejamin...gostei do Blog.
Posso voltar mais vezes?
Abraço
Camila
Enviar um comentário