A CAPA DA EDIÇÃO DE SEXTA-FEIRA DO PÚBLICO
A discussão na blogosfera terá começado no ContraFactos & Argumentos, de Pedro Fonseca, e continuado Atrium, de Luís António Santos. O tema: a capa do jornal Público de sexta-feira passada, com um grande destaque ao caderno "Y" sobre a estreia do filme King Kong.
António Granado, do blogue Ponto Media e jornalista daquele diário (e possivelmente o editor que fechou o jornal), reagiu de modo activo: "És capaz de me mostrar (um link serve) uma melhor foto de primeira (com actualidade) do que esta que o Público escolheu? Conheces tu, porventura, a produção das agências noticiosas desse dia? O que é que tu sabes sobre as fotos dos fotógrafos do Público tiradas no dia? Todos os outros temas de capa de sexta não têm foto que sirva ao Público, infelizmente: Iraque, demos foto de primeira dois dias antes; Europeu de sub-21: sem foto; Bebé maltratada: nem pensar; Facada no coração: ainda menos; Exame de português: sem foto. O King Kong é realmente um filme de excepção e o trabalho do Y desse dia bem merecia o destaque. Aliás, não é a primeira vez que fazemos primeira com a estreia de um filme de que toda a gente fala".
Depois de uma troca de opiniões (quentes), o autor do Atrium esclarece que o postal dele questionaria "uma decisão editorial". E, aqui, parece-me fundamental pensar como trabalham os jornalistas na altura do fecho da edição. As escolhas - e as decisões - são rápidas, pois o tempo urge. Refugio-me no que António Granado e José Vítor Malheiros escreveram no livro Como falar com jornalistas sem ficar à beira de um ataque de nervos (Gradiva, 2001, p. 121): "Quando se depara com um trabalho jornalístico com imprecisões, erros, desvios da verdade, com um título enganador ou acompanhado de uma fotografia imprópria, a primeira reacção do leitor [...] é exigir uma correcção. Infelizmente (mas não sem razão), existe a sensação generalizada de que é inútil pedir a publicação de correcções aos órgãos de comunicação, visto que eles vê[e]m esses pedidos como gestos de agressão e têm tendência ou a ignorá-los ou a publicá-los... respondendo em seguida de forma violenta".
A resposta de António Granado, no "território" de Luís António Santos (o blogue deste), pode enquadrar-se no que o próprio jornalista e Vítor Malheiros escreveram sobre "resposta violenta". Contudo, e apesar do argumento razoável de Luís António Santos, parecem-me aceitáveis as razões de Granado. Primeiro, porque há uma cultura intrínseca do jornal para a memória cinematográfica e da moda, caso da capa do dia 17 de Abril de 1990, a anunciar a morte de Greta Garbo (não foi preciso dizer o nome todo nem escrever que ela era estrela de cinema; a única alteração que hoje o jornal faria era pôr os anos de nascimento e de morte), ou da mais recente, aquando das eleições autárquicas, em que o PS perdeu, com um título Rosa choque (que eu trabalhei aqui no blogue).
E, segundo, o destaque aponta para uma leitura mais atenta do caderno "Y", o que quero aqui fazer. No longo texto que Rita Siza faz sobre o realizador Peter Jackson é evidente a aplicação do modelo de cadeia de valor ao trabalho cinematográfico agora em exibição. O texto começa por salientar o primeiro boneco animado de King Kong a partir de um esqueleto em arame. O filme não seria acabado. O segundo King Kong já se tornaria possível quando o realizador já era conhecido. Reescreveu o guião e a ideia do filme foi evoluindo até à fase de pré-produção, altura em que se desenha a ilha de Skull, com fauna pré-histórica e flora tropical. Há ainda o processo de criação digital de dinossáurios, mas, quando tudo apontava para o arranque do filme, a Universal desiste do projecto (1996-1997). Somente à terceira vez é que o realizador pode levar a sua ideia para a concretização, tinha agora 44 anos.
Se o filme de 1933, de Merian C. Cooper e Ernst B. Schoedsack, era impressionante em termos de tecnologia, o filme agora realizado volta a manifestar essa apetência pelo prodígio tecnológico. Para além de que o filme de 1933 salvou a RKO da falência, dada a procura dos espectadores. Agora, os efeitos especiais tomam conta do filme e colocam-no entre o realismo e a total imaginação. Num outro texto, Jorge Mourinha dá conta de pormenores da narrativa - e defende a actriz Naomi Watts como a grande protagonista, enquanto Rita Siza escreve ainda sobre as raparigas do King.
Por tudo isto, é que me parece devermos pensar na complexidade criativa e na negociação para levar avante um projecto cinematográfico e não somente em elencar mais um simples filme de entretenimento. As indústrias culturais, sejam do domínio da informação ou do entretenimento, envolvem muitas profissões, actividades, competências e sinergias para serem apenas alvo da etiqueta entretenimento. Da escolha de uma imagem num jornal diário até ao episódio de uma novela como Ninguém como tu, que ontem acabou, passando pelo programa de informação semanal ou uma análise sociológica dos media, temos de pensar nessa rede de conceitos e práticas que nos absorve e leva à reflexão.
2 comentários:
Já tinha lido os fragmentos a que se refere no Atrium e no Contrafactos & Argumentos. Esta sua análise completa e supera a discussão. Obrigado!
Feliz Natal e tudo de bom!
Rogério,
Comparar o King Kong à morte de Garbo não me parece justo.
No primeiro caso estamos perante o filme mais promovido deste Natal - e só isso - e no segundo estamos perante o desaparecimento de um mito.
São factos que só podem ser avaliados com escalas completamente diferentes e, naturalmente, merecedores de olhares jornalísticos também diferentes.
Acrescento que nunca questionei o facto de o King Kong ser capa do suplemento Y. O destaque que se lhe dá, naquele dia, e na primeira página é que me surpreendeu.
E foi dessa surpresa que quis dar conta.
Bom descanso. Que a quadra seja traquila para toda a família.
Um abraço,
luis
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