sábado, 3 de dezembro de 2005

CHANEL

Existe em Coco Chanel um grande simbolismo. Por um lado, na criadora inconfundível da moda do século XX a sua vida pessoal parece sobrepor-se à obra. Ou misturar-se uma com a outra, como a frente e o avesso de um tecido. Por outro lado, a sua arte - a moda é uma arte ou, se entendermos assim, uma indústria cultural - associou-se a outras artes, como o teatro, o bailado e a música, ela que fez figurinos e guarda-roupa para Diaghilev, Marlene Dietrich e outros artistas consagrados na sua época.

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Daí que surjam biografias e representações teatrais com essa mulher fascinante como centro, caso da agora presente peça com Marília Pêra como actriz intérprete [imagens: capa do catálogo acompanhando a peça e cartaz da mesma].

chanel.JPGRetiro do catálogo o seguinte texto de Jorge Takla, encenador da peça: "Quando visitei o apartamento de Gabrielle Chanel na rue Cambon, em Paris, ciceroneado pela extraordinária Marika Gently, diretora do Conservatório Chanel (e verdadeira memória viva, fiel e carinhosa da Grande Mademoiselle), tive a nítida sensação de que ali tinha vivido uma mulher magnífica, luminosa, expoente da essência estética, cultural e social do século 20. [...] Não vejo no Teatro Brasileiro outra atriz do que a Grande Marília Pêra, que pudesse entender [...] esta fantasia; a alma de Gabrielle Chanel, seu humor, sua dor, sua busca eterna da perfeição" (mantive o texto segundo a ortografia em vigor no Brasil).

Na verdade, Marília Pêra, num belo espectáculo, dá-nos conta do trajecto de Chanel. É um quase monólogo, pois a presença de duas modelos é marginal em termos de texto, que dura bem acima de uma hora, com todas as qualidades da actriz bem presentes. Não é uma história diacrónica, mas entremeada por recuos no tempo, num momento de velhice de Coco Chanel, em que esta recorda todas as figuras em vários domínios - bailado, pintura, política, moda - das décadas de 1930 até 1960.

Observação 1: Marília Pêra, numa recente entrevista que deu à Antena 2, descreveu o seu grande momento como profissional, o que se percebe no catálogo que acompanha a peça. Ela tem feito papéis de mulheres extraordinárias do século XX, pela singularidade delas mesmo, casos de Carmem Miranda e Maria Callas. Aliás, no catálogo, Marília Pêra escreve: "Depois da responsabilidade de encarnar Carmem Miranda, Dalva de Oliveira e Maria Callas, enfrento e recebo Gabrielle Chanel, tão genial quanto as outras três, porém mais forte, mais resistente, mais preserverante. Carmem, Dalva e Maria se deixaram morrer muito cedo; Gabrielle guerreou mais, lutou, esbravejou, criou e incomodou até o fim".

Observação 2: estabeleci, de imediato, a comparação desta peça com a de Simone de Oliveira sobre Marlene Dietrich. Deixo apenas um comentário de um leitor deste blogue ao meu texto de 15 de Maio último, o de Hugo Arnauth, que escreveu: "Fui hoje ver. Vi e Adorei. A diva pela diva...". E comparei - com alguma tristeza - os palcos (e as audiências) em que as actrizes interpretaram os seus papéis: Marília Pêra num Tivoli cheio, Simone de Oliveira num Mundial com clareiras na plateia. Uma e outra são belíssimas actrizes (e Simone tem um outro predicado: sabe cantar).

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