Os textos incluidos no livro foram escritos por Susan Sontag nos anos 1960. Na revisitação à obra, trinta anos depois, escreveria ela: "Tenho consciência de que Contra a interpretação é considerado como o texto quintessencial da era agora mítica conhecida como «os anos 60» (p. 353).

Segundo Sontag esse era um tempo de ousadia, de optimismo, de desdém pelo comércio, começo do movimento contra a guerra do Vietname, como nos revela nas últimas páginas, de recuperação dessas actividades iniciáticas. Retenho mais duas ideias contidas das suas memórias: 1) a revelação do cinema ("sentia-me particularmente marcada pelos filmes de Godard e de Bresson. Escrevi mais sobre cinema do que sobre literatura"), 2) as polaridades (alta cultura/baixa cultura, forma/conteúdo, intelecto/sentimento).

No primeiro, ela fala da pretensa distinção entre cultura literária-artística e cultura científica, a primeira vista como cultura geral e a segunda dedicada a especialistas, aquela aspirando à interiorização e absorção e esta a acumulação e exteriorização. Passando por T. S. Eliot e C. P. Snow, Sontag salienta a linguagem especializada das artes, como a pintura de Mark Rothko e Frank Stella e a dança de Merce Cunningham, com a necessidade de uma educação da sensibilidade, "cujas dificuldades e demorada aprendizagem se podem comparar pelo menos às dificuldades de aprender física ou engenharia" (p. 339).
A autora explica de outro modo no texto Sobre o estilo, entendendo que os estilos já não evoluem lenta e gradualmente mas de modo rápido, sem "deixarem ao público tempo de respiração para se preparar" (p. 59). Para ela, uma obra de arte é perceptível quando se respeita o princípio da variedade e da redundância; senão, as "obras estão condenadas a parecer aborrecidas, feias ou confusas" (p. 60).
Já em Uma nota acerca de romances e filmes, Sontag prefere enunciar as semelhanças e diferenças entre literatura e cinema, as suas grandes paixões estéticas. Depois de dizer que literatura e cinema nos oferecem uma visão sob o controlo do autor ("A câmara é um ditador do absoluto. Mostra-nos um rosto quando devemos ver um rosto, e nada mais") ou que existem correntes em cinema como em literatura (realismo, poesia), procura superar a relação existente entre o literário e visual, mas aceita a distinção entre análise e descrição ou exposição. Exemplos do primeiro tipo seriam os filmes de Bergman, Fellini e Visconti enquanto cinema psicológico, "que trata da revelação da motivação das personagens", ao passo que o segundo tipo de cinema, anti-psicológico e que trata "da transferência entre sentimento e coisas" seria o produzido por cineastas como Antonioni, Godard e Bresson.
Claro que os anos 1960 estão já esquecidos, ou melhor, como escreve a autora americana: "o espírito de dissidência [foi] sufocado, e transformado em intenso objecto de nostalgia. Os valores do consumismo capitalista cada vez mais triunfantes promovem [...] as fusões culturais" (p. 358). E termina assim: "Penso que não é errado ler, ou reler, hoje Contra a interpretação como um documento influente e pioneiro de uma época que já passou. [...] Os juízos de gosto expressos nestes artigos poderão ter prevalecido. Os valores que lhes estão subjacentes, não".
Leitura (intermitente): Susan Sontag (2004). Contra a interpretação e outros ensaios. Lisboa: Gótica
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