quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

CONTRA A INTERPRETAÇÃO

Os textos incluidos no livro foram escritos por Susan Sontag nos anos 1960. Na revisitação à obra, trinta anos depois, escreveria ela: "Tenho consciência de que Contra a interpretação é considerado como o texto quintessencial da era agora mítica conhecida como «os anos 60» (p. 353).

A autora chegara a Nova Iorque no começo dessa década [ela nascera em Nova Iorque em 1933, mas crescera em Tucson, no estado do Arizona, e estudara no secundário em Los Angeles, vindo a falecer em 2004], com vontade de se realizar como escritora, depois de uma "longa aprendizagem universitária (Berkeley, Chicago, Harvard), como Paris, onde começara a passar muitos Verões, com idas diárias à Cinémathèque [...]. Eram, Nova Iorque e Paris, exactamente como as tinha imaginado - cheias de descobertas, inspirações, do sentido da possibilidade" (p. 354).

Segundo Sontag esse era um tempo de ousadia, de optimismo, de desdém pelo comércio, começo do movimento contra a guerra do Vietname, como nos revela nas últimas páginas, de recuperação dessas actividades iniciáticas. Retenho mais duas ideias contidas das suas memórias: 1) a revelação do cinema ("sentia-me particularmente marcada pelos filmes de Godard e de Bresson. Escrevi mais sobre cinema do que sobre literatura"), 2) as polaridades (alta cultura/baixa cultura, forma/conteúdo, intelecto/sentimento).

É isso que se encontra em textos, aqui reunidos, como Sobre o estilo (pp. 33-61), Uma cultura e a nova sensibilidade (pp. 337-350) e Uma nota acerca de romances e filmes (pp. 283-287) [imagem retirada do sítio Susan Sontag] .

No primeiro, ela fala da pretensa distinção entre cultura literária-artística e cultura científica, a primeira vista como cultura geral e a segunda dedicada a especialistas, aquela aspirando à interiorização e absorção e esta a acumulação e exteriorização. Passando por T. S. Eliot e C. P. Snow, Sontag salienta a linguagem especializada das artes, como a pintura de Mark Rothko e Frank Stella e a dança de Merce Cunningham, com a necessidade de uma educação da sensibilidade, "cujas dificuldades e demorada aprendizagem se podem comparar pelo menos às dificuldades de aprender física ou engenharia" (p. 339).

A autora explica de outro modo no texto Sobre o estilo, entendendo que os estilos já não evoluem lenta e gradualmente mas de modo rápido, sem "deixarem ao público tempo de respiração para se preparar" (p. 59). Para ela, uma obra de arte é perceptível quando se respeita o princípio da variedade e da redundância; senão, as "obras estão condenadas a parecer aborrecidas, feias ou confusas" (p. 60).

Já em Uma nota acerca de romances e filmes, Sontag prefere enunciar as semelhanças e diferenças entre literatura e cinema, as suas grandes paixões estéticas. Depois de dizer que literatura e cinema nos oferecem uma visão sob o controlo do autor ("A câmara é um ditador do absoluto. Mostra-nos um rosto quando devemos ver um rosto, e nada mais") ou que existem correntes em cinema como em literatura (realismo, poesia), procura superar a relação existente entre o literário e visual, mas aceita a distinção entre análise e descrição ou exposição. Exemplos do primeiro tipo seriam os filmes de Bergman, Fellini e Visconti enquanto cinema psicológico, "que trata da revelação da motivação das personagens", ao passo que o segundo tipo de cinema, anti-psicológico e que trata "da transferência entre sentimento e coisas" seria o produzido por cineastas como Antonioni, Godard e Bresson.

Claro que os anos 1960 estão já esquecidos, ou melhor, como escreve a autora americana: "o espírito de dissidência [foi] sufocado, e transformado em intenso objecto de nostalgia. Os valores do consumismo capitalista cada vez mais triunfantes promovem [...] as fusões culturais" (p. 358). E termina assim: "Penso que não é errado ler, ou reler, hoje Contra a interpretação como um documento influente e pioneiro de uma época que já passou. [...] Os juízos de gosto expressos nestes artigos poderão ter prevalecido. Os valores que lhes estão subjacentes, não".

Leitura (intermitente): Susan Sontag (2004). Contra a interpretação e outros ensaios. Lisboa: Gótica

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