domingo, 26 de março de 2006

CULTURAL STUDIES – II

[continuação de entrada editada ontem, baseada no meu texto “Indústria cultural, tecnologias e consumos”. In Carlos Leone (org.) (2000) Rumo ao cibermundo? Oeiras: Celta]

Em livro por si organizado, MacKay (1997) apresenta-nos um modelo de consumo cultural, integrado num circuito cultural. Esse modelo aplica-se às práticas da vida quotidiana, onde se identifica a variedade de locais que se podem explorar enquanto processos culturais. Os elementos do circuito cultural são cinco: consumo, produção, regulação, identidade e representação. Representação e identidade (constituída a partir daquela) são entidades que se sobrepõem e interligam de modo complexo e contingente. Representações específicas são os anúncios (textos e imagens). Estes discursos ou representação criam, em certos públicos, uma identidade.

Considera-se o consumo cultural enquanto momento crucial do circuito cultural. Claro que a noção de circuito não quer dizer que o consumo ou outro momento do circuito seja determinado pela produção ou base económica. Os estudos culturais reflectem a interrelação entre os vários momentos, os processos de influência ou retroacção pelos quais os vários componentes ou estádios do circuito estão ligados. Destaca-se o consumidor activo e implicado, ao lado de práticas locais.

A investigação empírica e qualitativa da apropriação diária dos artefactos culturais foi o foco dos prazeres do consumo. A teoria emergiu em especial no Centre for Contemporary Cultural Studies, de Birmingham. Os investigadores da apropriação cultural concluíram que a realidade da cultura de massa é mais criativa que o sugerido pelos críticos da cultura de massa. Os consumidores, nomeadamente os jovens, são activos, criativos e críticos na sua apropriação e transformação de artefactos materiais, em vez de passivos e manipuláveis. Num processo de bricolage, eles apropriam, reacentuam, rearticulam ou transcodificam o material da cultura de massa para os seus próprios fins, através de práticas criativas e simbólicas da vida quotidiana. Estes processos de apropriação constroem novas identidades.

Origem da escola dos cultural studies

Mas o que são os cultural studies? Trata-se de uma escola que emergiu no final dos anos de 1950, em Inglaterra, nos trabalhos de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward Thompson. Um aspecto chave foi a transposição das coordenadas estéticas e éticas, associadas à crítica literária, para a prática das culturas vivas ou populares. Em 1957, Hoggart, professor de literatura inglesa moderna, publicava The uses of literacy (em português, As utilizações da cultura, editado pela Presença), onde descreve as mudanças dos modos de vida e práticas da classe operária (trabalho, família, lazer). O livro saía no ano da inauguração da televisão comercial, representando uma crítica poderosa à cultura comercial. Em 1958, Raymond Williams, professor numa instituição de formação para trabalhadores, publica Culture and society (1780-1950), onde ressalta a dissociação existente entre cultura e sociedade.

Em 1964, nascia o Centre for Contemporary Cultural Studies, de Birmingham. Das influências na formação dos estudos culturais estiveram o impacto da televisão [embora os textos fundadores fossem escritos ainda sem a influência social e cultural da televisão, ou mesmo contra ela] e da publicidade, da música rock e das subculturas, a ficção de massa e os jornais e revistas de grande circulação. Outra influência veio do interaccionismo social da escola de Chicago, marcando os investigadores que trabalhavam na dimensão etnográfica, nas maneiras como a cultura dos diferentes grupos se comportavam face à cultura dominante.

Alguns dos líderes intelectuais associados ao projecto dos estudos culturais vieram das colónias e da província, reunindo-se num café do Soho, onde se instalou uma das primeiras máquinas de café expresso de Londres. A absorção tardia do estruturalismo francês, a par dos estudos do feminismo e das questões raciais, representaram um momento na refundação dos estudos culturais. O CCCS constituiria grupos de trabalho em torno de diferentes domínios de investigação (etnografia, media studies, teorias da linguagem, literatura e sociedade, representações da mulher).

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