domingo, 12 de março de 2006

SOFT NEWS

"O PÚBLICO não parece só ser um jornal independente. É-o de facto", assim conclui o seu texto de hoje o provedor daquele jornal, Rui Araújo. Isto como resposta a um leitor, que não acredita na sua manutenção no cargo por muito tempo, dada a "inflexibilidade perante os jornalistas e o director". Ao que Rui Araújo contrapôs, remetendo para o livro de estilo.

Confesso que já pensei o mesmo. O que seria uma pena, pois o Público é um magnífico jornal, e merece ter um bom provedor como Rui Araújo está a ser [não gosto do grafismo da sua página, mas não se pode pedir o céu todos os dias]. Magnífico jornal em especial aos domingos, creio eu - embora sem fazer qualquer estudo comparativo com os outros dias de semana. Ao domingo, há uma mão cheia de bons colunistas (alguns vindos de outros dias, como Bénard da Costa, às sextas, e Eduardo Cintra Torres, às segundas-feiras, embora os visse com mais atenção a esses dias). Mas destaco, em especial, a textura de soft news que nos leva a gastar mais tempo na sua leitura, mas que é gratificante.

Explico melhor: os sociólogos americanos do jornalismo definem vários tipos de notícias, sendo as duas mais importantes as hard e as soft news (eu próprio já tentei uma tradução das duas palavras mas vi que não soavam bem e desisti). As hard news são as que se referem aos acontecimentos do dia, enquanto as soft news são a análise e reflexão desses mesmos acontecimentos, com explicações sociais, políticas, culturais e económicas.

Se a notícia grande da edição de hoje é a morte do antigo ditador da Jugoslávia Slodoban Milosevic (quatro páginas mais editorial do director), as soft news olham a moda da família do presidente da República Cavaco Silva no dia da sua tomada de posse (escrito por Bárbara Reis), a candidatura de Adozinda da Silva à câmara de Lausana (escrito por Dulce Furtado), a discriminação dos transexuais, a propósito da morte de Gisberta (escrito por Ana Cristina Pereira), a substituição do código de barras (escrito por Isabel Gorjão Santos), o on-line da obra de Fernando Pessoa (escrito por Alexandra Prado Coelho), a moda Lisboa (escrito por Ana Henriques), e a entrevista a Jola Gore Booth, por causa do cancro colo-rectal (escrito por Andrea Cunha Freitas).

Temas distintos, tratados com a objectividade própria de um jornal de qualidade - e em que as jornalistas mulheres deixam apenas espaço para dois colegas masculinos escreverem (aqui não contabilizados) bem como outra jornalista mulher que igualmente não contei. Só do grupo nomeado, há 17,2% do jornal por elas ocupado (11 páginas, excluindo o caderno local). As notícias de sociedade, arte e literatura, educação, ciência e ambiente, entre outras, são cada vez mais do domínio das jornalistas femininas, as quais escrevem com muita maestria e profundidade. O distanciamento face à actualidade do acontecimento leva a uma leitura mais envolvente, psicológica e literária, afinal o modo mais adequado para se ler uma história.

1 comentário:

Carlota disse...

Andava há imenso tempo a pensar para onde teria ido o Eduardo Cintra Torres, cuja coluna lia sempre à segunda-feira... Obrigada por ter-me ajudado a encontrá-lo! Isto quer naturalmente dizer que ao domingo não leio o jornal com a devida atenção!...