Um livro recente, coordenado por Manuel José Damásio e intitulado O cinema português e os seus públicos, mostra que 64,5% da população portuguesa vai ao cinema mais de uma vez por mês, sendo essa frequência levemente superior nas mulheres. Os tipos de filmes preferidos são a comédia e o romance para as mulheres, a acção e o terror para os homens.
A partir de um inquérito, traçou-se a regularidade na ida ao cinema: 60,8% vê mais de um filme português por mês, embora 93,3% prefira um filme estrangeiro. Duvido daquela percentagem dos que vêem cinema português – é que a produção anda à volta de 12 filmes anuais e o tempo de permanência nos ecrãs é escasso.
Das razões apontadas para ver um filme português, cerca de 50% aponta o argumento, seguindo-se os actores e actrizes (28,7%) e a promoção do filme. Mas a satisfação sobre os filmes portugueses não é elevada, pelo ritmo lento da história ou narrativa. Respostas mais satisfatórias vêm da credibilidade das histórias, próximas da vida real, dos valores éticos, morais e culturais e de elementos técnicos como guarda-roupa das personagens, caracterização (maquilhagem, penteados, adereços) e escolha do elenco.
O livro seguiu duas metodologias: 1) inquérito a espectadores, junto à bilheteira e por telefone e internet, e 2) grupos de discussão. Para se entrar nestes últimos, a condição era não se gostar de cinema português. Opção aparentemente bizarra, ela tem cabimento se considerarmos que, apesar de 60,8% dos cinéfilos irem ver filmes portugueses, muitos fazem críticas sérias ao cinema nacional. Razões? Vai-se ao cinema como actividade lúdica, de distracção e identificação com os temas dos filmes escolhidos. Ao contrário, o cinema português dá-nos temas tristes (prostituição, racismo, droga, pobreza) e tem pouca dinâmica (depressivos e monótonos).
Se quisermos, podemos ver as coisas sob outro ângulo. Como escreve Paulo Viveiros na introdução: “não há uma indústria de cinema em Portugal, não há géneros cinematográficos que estabeleçam uma identificação do público com temáticas e actores. […] todos clamam nostalgicamente pelas comédias dos anos 30 e 40 do Estado Novo (António Silva, Vasco Santana, Ribeirinho, Beatriz Costa, Santos Carvalho), porque foi o único momento em que o cinema português gerou uma empatia com o público luso. E porquê? Justamente porque eram histórias banais com as «graçolas» («chapéus há muitos, seu palerma», «Ó Evaristo! Tens cá disto?») que incluíam um par romântico, que faz parte de qualquer género, sem qualquer pretensão intelectual” (pág. 18).
Ora, muita da actual produção cinematográfica nacional hoje é a de realizador-autor (43%). Uma sugestão feita no livro respeita ao making of, relevando o papel do produtor como indicando tema e realizador. Uma outra sugestão foi a criação de novos públicos. Aqui, fico igualmente com dúvidas. Dos inquiridos, 46,5% têm licenciatura, seguindo-se 33,6% com o 12º ano. Os estudantes representam a maior fatia de respondentes (47,4%). Em termos de idade, 51,1% têm entre 15 e 24 anos.
Criar novos públicos seria recuperar públicos, nomeadamente os acima dos 24 anos. Os estudos de consumo de cultura indicam que, a partir de um certo nível etário, baixa o número de espectadores. Explicações? Emprego, constituição de família e nascimento de filhos, redução do tempo de lazer.
Acresce-se a isto uma diminuição do número de espectadores ao longo dos anos mais recentes: o DVD faz concorrência, além de ser caro ir ao cinema. Mas há tendências contraditórias: em Portugal, nos últimos dois anos, inauguraram-se 133 salas de cinema (mas fecharam 55 ecrãs). Ou seja: há mais 12800 cadeiras disponíveis, mas menos 3800 espectadores por dia (Diário de Notícias, 11 de Junho de 2006). Contas feitas, há no país 650 ecrãs de cinema, mas nenhum em 95 concelhos do país (em números redondos, quase um terço dos concelhos nacionais). Distritos como Évora e Vila Real não têm mais de oito salas, tantas quanto cada um dos onze centros comerciais de Lisboa e Porto.
As esperanças dos exibidores não passam, infelizmente, pelos filmes portugueses, mas pelos blockbusters que se avizinham, como Cars, o filme de animação da Pixar, lá para o começo de Julho. Espero voltar a falar do assunto.
[texto da crónica que passará hoje por volta das 10:00, na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém)]
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